CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

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terça-feira, junho 28, 2005

A DISTRIBUIÇÃO DOS RENDIMENTOS NO BRASIL E OUTROS DESAFOROS

O Brasil tem 98.000 milionários, ou seja, 98 mil cidadãos com mais de um milhão de dólares investidos em acções, títulos, fundos e depósitos à vista e investimentos não declarados. A residência primária, mesmo que sumptuosa, não é considerada para esse cômputo.
A divulgação vem num estudo recentemente publicado pela Merrill Lynch, a maior corretora norte-americana e um dos maiores bancos de investimento do mundo.
Na América Latina o número de ricos cresceu 6,3%, tendo esse crescimento sido liderado pelo Brasil com um aumento de 7,1% em 2004.
Em 2003, primeiro ano do governo de Luís Inácio Lula da Silva, havia 92.000 milionários. Nesse ano registou-se um incremento de 6% de ricos em relação ao ano anterior.
De acordo com o citado estudo, as razões do crescimento das fortunas assentam, em parte, nas políticas fiscal e monetária.
Estará o Brasil mais rico, esse Brasil do povão, como aqui se diz? Estará o governo Lula da Silva de parabéns?
Decididamente não. As políticas económicas e financeiras beneficiaram – e continuam a beneficiar - apenas os ricos. As classes desfavorecidas mantêm-se desfavorecidas. Pior: estão cada vez mais desfavorecidas. De dia para dia aumenta o fosso entre os que têm mais do que tudo e aqueles que não têm nada de nada.
Segundo a agência britânica de notícias Reuters, referindo outro estudo, este publicado no dia 1 de Junho pelo Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (IPEA), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, a distribuição da renda no Brasil é a 2ª mais injusta do mundo, ganhando apenas para um apagado país dos confins da África chamado Serra Leoa.
Revela aquele Instituto que "1% dos brasileiros mais ricos detém uma renda equivalente aos ganhos dos 50% mais pobres".
Isso, porém, não impediu que o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, a 3ª figura de Estado, em Março deste ano, pouco depois da sua tomada de posse, tenha proposto um aumento de salário de 12 mil para 22 mil reais (83,33%) para os representantes do povo. O mesmo povo foi beneficiado em Maio seguinte com um aumento de salário mínimo de 260 para 300 reais (15,38%; 1 Real equivale, aproximadamente, a 0,33 Euros).
Num artigo do professor de Economia Ricardo Bergamini, lê-se que (...) "metade dos trabalhadores brasileiros ganha até 2 salários mínimos, e mais de metade da população ocupada não contribui para a Previdência. (...) A desigualdade de rendimentos no Brasil não apresentou sinais de melhora nos últimos 20 anos. A comparação entre a renda média familiar
per capita das famílias que se encontram no último décimo da distribuição (as 10% mais ricas), que em 2001 era em torno de R$ 1.770,00, e as que se encontram nos quatro primeiros décimos da distribuição (as 40% mais pobres), que no mesmo período tiveram rendimento médio per capita de aproximadamente R$ 80,00, mostra que a renda dos primeiros é 22 vezes maior que a dos últimos. Essas relações sofreram poucas mudanças desde a década passada, indicando a permanência da desigualdade na distribuição de rendimentos" (...).
É verdade que o plenário não deixou passar a proposta de aumento dos deputados, tão escandalosa ela era. Mas o resultado prático poderá vir a ser o mesmo, senão maior, mercê de artifícios jurídicos, contabilísticos e administrativos do proponente e seu gabinete. E da falta de escrúpulos, claro.
Há pouco tempo, um jornal do Recife, capital do estado de Pernambuco donde é natural o presidente da Câmara dos Deputados, divulgava em manchete uma opinião desse político segundo a qual alguns crimes deveriam ser justiçados com pena de morte.
Não ocorrerá ao presidente dos deputados, 3ª figura da República, que grande parte dos crimes cometidos no Brasil deriva, precisamente, da má distribuição da renda? Não ocorrerá ao presidente dos deputados, 3ª figura da República, comparar a tipologia criminal do Brasil com a de países onde a distribuição de rendimentos é mais justa, mais equitativa? Não ocorrerá ao presidente dos deputados, 3ª figura da República, responsável pela condução dos trabalhos da assembleia de homens que é suposto representarem o povo que os elegeu, responsável pela condução dos trabalhos que visam elaborar as leis que é suposto melhorarem a vida de todos os cidadãos, a começar pelos menos beneficiados, não lhe ocorrerá que a sua missão é ajudar a governar e não governar-se, como descaradamente dá mostras públicas de querer fazer impunemente?
Se não lhe ocorre nada disto, francamente, num país com outras regras já teria deixado o lugar, quisesse ou não. Duvido mesmo que tivesse podido ser candidato ao lugar que ocupa.
No entanto, no país do Carnaval – literalmente e não só – tudo pode acontecer, até esta vergonhosa distribuição de renda que, afinal, de distribuição nada tem. É apropriação, uma apropriação, aliás, muito próxima da expropriação.



domingo, junho 26, 2005

A RESPONSABILIDADE DA INFORMAÇÃO

Depois da tempestade a bonança. A bonança e as histórias que há sempre para contar por aqueles que, de forma mais exposta ou mais recatada, viveram as tormentas mas resistiram.
As chuvas desenfreadas amainaram, depois de terem fustigado todo o estado de Pernambuco durante semanas. Na capital, Recife, o céu mostrou clemência. Apesar de ainda se cobrir de nuvens inchadas de vapor, carregadas de cinzento, foi-se vestindo de nesgas de azul e, lá do alto, lançou sorrisos, ainda que distantes, quentes.
Também o sorriso dos recifenses como que renasceu.
As histórias ligeiras que agora contam servem para exorcizar fantasmas do que já passou, ou apregoar valentias que não foram senão medos estilhaçados.
Outras dessas histórias, porém, servem para mais do que isso, como é o caso desta, bem patusca, que um vizinho me contou numa conversa a propósito de uma infiltração de água no prédio. Infiltração, chuva, tempestades, e a história correu.
Aconteceu num desses medonhos fins de tarde de Junho, noite negra antecipada, em que as ruas tinham caudal de riacho avantajado e as praças mais pareciam lagos. Os automóveis progrediam a uma velocidade próxima do nada e abriam sulcos ondulados semelhantes a lanchas a motor. O meu vizinho chegou a casa mais tarde.
Dirigiu-se em primeiro lugar ao quarto do filho para saber dos estudos, das notas que tardavam, daquela negativa que teimava, conferir mais uma esfoladela nova no joelho cuja origem era sempre um mistério. Para seu espanto, quase susto, e forte preocupação, o menino de dez anos tremia debaixo de um lençol.
Colocou-lhe a mão na testa à procura de febre. O menino estava fresco, arrefecido, mesmo, por gotas de suor gelado que brotavam desde a raiz do cabelo e escorriam pelas têmporas.
O pai, inquieto, perguntou o que ele tinha, o que lhe doía, se comera alguma coisa estragada.
- Tenho medo...
O menino tremia de medo.
- Medo de quê, meu filho?- Do furacão.- Furacão? – repetiu o pai incrédulo.
- Sim. Aquela coisa que às vezes destrói casas na América... Vem aí um...
- Que história é essa, meu filho?
- A vovó sabe... Ela conta-te...
Viúvo recente, o meu vizinho vive com a mãe e o único filho. Àquela hora, a faxineira que assegura tarefas domésticas três vezes por semana já tinha saído.
Não vendo a mãe na sala nem na cozinha, bateu à porta do quarto onde, muitas vezes, a encontrava a rever fotografias antigas de família.
Sem resposta, abriu a porta de mansinho e viu a senhora rezando o terço com fervor aos pés de uma imagem do sagrado coração de Maria, por quem tinha particular devoção.Esperou que a mãe se levantasse. Reparou, então, que nos olhos dela se estampava o mesmo quase terror de que se apercebera nos olhos do filho.
À medida que o meu vizinho ia contando a história, resgatava para o presente a angústia que sentira na situação.
- Que se passa, mãe?
- Meu filho... Vem aí uma tremenda tempestade... Muitas chuvas... Vai ser um desastre... – e falava baixo, quase em surdina, como se tivesse medo de despertar a fúria da natureza.
- Mãe...
- Eu ouvi! Deu agora na televisão! Uma grande tempestade provocada por um furacão que está perto da costa e se aproxima.
Espantado por nada ter escutado acerca do assunto, nem no escritório nem na rua, e alarmado já pela perturbação da mãe e do filho, resolveu telefonar para a estação de TV a indagar.
Depois de ter passado por um crivo de seis atendentes, conseguiu chegar ao departamento de noticiário. Perguntou se no último jornal teriam falado num tornado ou num furacão que estaria a aproximar-se do Recife. A própria jornalista que apresentara o boletim o esclareceu. Não se falara em tornado ou furacão, mas sim em ciclone, um fenómeno meteorológico comum.
- Mãe: a senhora ouviu falar em furacão ou em ciclone?
- Ora, ora... Não é a mesma coisa, meu filho? Ciclone, furacão, tornado, vem a dar no mesmo. Ai, valha-me Deus... Até deixei queimar o arroz...
O meu vizinho, pouco familiarizado com a terminologia dos estados atmosféricos, ficou apreensivo. Realmente... furacão, tornado, ciclone...
Discou outro número, desta vez para a Meteorologia. O especialista de serviço, depois de ouvir a história, cheio de paciência e percebendo a sua aflição, explicou-lhe direitinho o que era isso de ciclone.
Não se tratava daquele espectro destruidor que as pessoas temiam ao ver nos noticiários do estrangeiro, mas sim de um termo técnico que se referia a um centro de baixas pressões atmosféricas para onde o ar se dirigia, proveniente de centros de altas pressões. Era isso que originava o vento e a ocorrência de chuvas, que poderiam ser fortes. Geralmente esses centros deslocavam-se pelo planeta, e a sua aproximação ou afastamento determinava, em conjunto com outras condições, o estado do tempo. Naquele caso concreto, o ciclone aproximava-se da costa e isso provocaria chuvas nas próximas horas, mas sem lugar para alarmes.
Respirando fundo de alívio, o meu vizinho levou a mãe ao quarto da criança, e contou a ambos, com todos os pormenores, a conversa com o meteorologista.
A boa da senhora ia dizendo "não sei, não sei", desconfiada, e, à cautela, foi rezar mais umas preces à santinha. Quanto ao menino, acalmou, mas custou a adormecer nessa noite.
Fiquei a pensar na história do meu vizinho e na responsabilidade dos canais de informação pela disseminação de confusões através das notícias que difundem.
Principalmente a televisão e a rádio devem ter um cuidado muito especial naquilo que dizem, precisamente porque dizem, não escrevem. Quando lemos podemos voltar atrás, corrigir a leitura, reflectir sobre o que está escrito, esclarecer com alguém. O locutor, porém, fala, e o que disse já passou, sem possibilidade de repetição.
Julgando que um conceito é do conhecimento do público e por ele correctamente interpretado, o jornalista corre o risco de levar a sua mensagem de forma inexacta ao auditório ou aos leitores, criando distúrbios nos indivíduos, nas famílias, nos grupos, por vezes de consequências irremediáveis.
A linguagem jornalística tem de ser adequada aos destinatários. Por outro lado, o jornal, a rádio, a televisão não são púlpitos onde um qualquer iluminado verte palavras difíceis e incompreensíveis, sem qualquer utilidade em termos de informação.
Afinal, o jornalista só existe em função de um público, e só servindo esse público desempenha cabalmente o seu papel.
Ciclone, tornado, furacão podem, na cabeça de algumas pessoas, ser identificados com o mesmo fenómeno. Compete ao jornalista esclarecer, destrinçar, estabelecer a diferença. Ou seja, tranquilizar, informando, ao invés de alarmar, confundindo.



quarta-feira, junho 22, 2005

O PANTANAL DA POLÍTICA À BRASILEIRA

No Brasil, a corrupção, o compadrio, o favoritismo e o proteccionismo familiar borbulham e fedem como num grande pântano de matérias em decomposição, e os mais destacados habitantes desse pântano são os políticos.
Por outro lado, a intrincada rede de relações pessoais e factuais que a prática política aqui engendra implica que uma ocorrência num qualquer ponto da teia desenrole um efeito de cascata transmissível a toda a estrutura.
É o caso da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios brasileiros, objecto de uma crónica publicada no "aparas de escrita" em 27 de Maio deste ano, sob o título "Corrupção nos Correios brasileiros. Só aí?".
As acusações e respectivas defesas mal remendadas chovem agora num desesperado salve-se quem puder, trazendo à tona os podres do fundo do lago. E as cabeças começaram a rolar.
O escândalo aumenta. No mesmo grau, cresce a resistência do governo ao decurso normal e transparente do trabalho da comissão de inquérito, o que, para além de fazer cair em descrédito ainda maior a idoneidade e a ética da Administração Lula da Silva, conduz a confrontos directos entre este e a oposição. O país sai a perder.
Tudo começou com uma reportagem da revista "Veja", em meados de Maio último, na qual o ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios é confrontado com uma gravação em que ele próprio, na sede da empresa estatal, negociava com três empresários o estabelecimento de comissões (aqui chamadas “propinas”) como contrapartida de futuros favores a conceder pelos Correios. A gravação mostra a entrega, por parte dos empresários, de 3000 reais que seriam uma primeira parcela das comissões exigidas por aquele chefe de departamento. Perante a evidência, afirmou, então, haver um esquema de corrupção na empresa, esquema esse que teria o comando do presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um deputado pelo Rio de Janeiro.
Depois de muitas peripécias em que negou posteriormente o que afirmara, isentou quem acusara, deu explicações incredíveis, prometeu oferecer o dinheiro recebido a uma instituição de beneficência e levou os seus advogados a fazerem afirmações anedóticas, como a de uma cabala montada por uma não revelada multinacional e, depois, pela direita militar contra ele, a opereta terminou o primeiro acto com a sua indiciação pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de fraude em licitação e corrupção passiva.
A partir daí, percebeu-se que a actuação do funcionário mais não era do que a ponta de um imenso iceberg que provocou um inesperado rombo no governo e foi abrindo uma perigosa brecha chamada crise política.
Perante o alvoroço criado à volta do caso, a Câmara dos Deputados e o Senado, mesmo, e bem, com a participação de elementos do partido no Poder (PT) e seus aliados, resolveram requerer a CPI em curso, perante o constrangimento e a tentativa de boicote do próprio governo que parece não se importar com o desgaste cada vez maior que produz na sua imagem já tão fragilizada.
Os ânimos estão exaltados. A oposição recrimina a direcção da CPI, governista, de sonegar informações que lhe são solicitadas e de tentar obstruir, por um processo de censura interna, o andamento dos trabalhos da comissão. A cúpula da CPI nega todas as acusações, como é óbvio.
Volta à ribalta o deputado do PTB, inicialmente acusado por aquele funcionário de ser a cabeça e o gestor do esquema. O governo reforça as acusações contra ele. Não lhe perdoa o protagonismo dos últimos dias como principal fonte de denúncias junto da opinião pública contra o PT e o governo.
O deputado que, entretanto, deixou a presidência do PTB, acusa frontalmente o tesoureiro do PT de pagar uma mesada, a que a imprensa chama "mensalão", de 30 mil reais (1 Real vale, aproximadamente, 0,33 Euros) a vários deputados de partidos que constituem a base social de apoio do governo, para que se mantenham fiéis nas votações das propostas legislativas favoráveis à Administração do presidente Lula da Silva.
Perante isto, o próprio PT está dividido, de novo. A ala mais à esquerda quer a demissão do tesoureiro e do secretário-geral do partido, ambos supostamente envolvidos no "mensalão" como gestor e mentor, respectivamente, do plano. A maioria, porém, decidiu mantê-los em funções, o que se compreende: arredá-los significaria reconhecer o envolvimento directo e activo naquela imoralidade.
A oposição aproveita a ruptura, e pretende relacionar as nomeações políticas feitas para os Correios, e não só, por um então ministro Chefe da Casa Civil de Lula, com esta arrecadação levada a cabo na empresa estatal e que se destinaria, pois, ao PT e aos partidos aliados. Insinua que as nomeações foram mais que políticas, fazendo já parte da tramóia agora revelada. Exige que o ex-ministro seja chamado para depoimentos na comissão de inquérito, avançando ser ele o estratego daquele plano de arrecadação. Pede a cabeça do ex-ministro, a quem acusa de nunca ter sido ministro, mas apenas um foco de tensões e conflitos.
Quando o governo montou os primeiros entraves à criação da CPI, a oposição ameaçou, embora sem grande alarde, que se a CPI continuasse a ser dificultada, desenterraria dos arquivos perpétuos para que fora despachado o processo do assessor desse ex-Chefe da Casa Civil de Lula que extorquia comissões a um empresário de jogo.
Mas a oposição agora elevou o preço e fez mais do que isso. O ministro, grande amigo e homem de confiança do presidente Lula da Silva, foi afastado e substituído pela ministra das Minas e Energia.
O presidente viu-se ainda obrigado a proceder a uma reforma ministerial, que pretende seja não só qualitativa mas quantitativa também, mudando pessoas e reduzindo o número de ministérios, de secretarias-gerais e de cargos de confiança política. Para o executivo, a actual crise resulta, precisamente, das nomeações políticas.
Se isto serve, de alguma forma, de alívio para as consciências no Poder, não esconde, contudo, as verdadeiras causas da situação criada: a prática generalizada de corrupção a todos os níveis e em todos os sectores da vida nacional, com destaque exemplar para as altas figuras do Estado, a falta de espírito de serviço da classe política e a completa ausência de ética governativa. Mas disto não se fala nunca. É tabu.
Apesar da dimensão, este escândalo medonho não passa, ele próprio, por sua vez, da ponta de um outro iceberg ainda maior, que, tudo indica, começa agora a vir à superfície.
A ser assim, o melhor é mantermo-nos sentados e atentos, assistindo às cenas dos próximos capítulos da farsa "o próximo...".



domingo, junho 19, 2005

O RESPEITO DEVIDO A VASCO GONÇALVES, ÁLVARO CUNHAL E EUGÉNIO DE ANDRADE

Num intervalo recente de poucos dias, faleceram três destacadas figuras da vida portuguesa.
Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal, políticos, e Eugénio de Andrade, poeta, passaram a fazer parte da memória perpétua da História, duma História que não se restringe ao nosso rectângulo ibérico.
O general Vasco Gonçalves começou a actividade política em 1973, ainda coronel de engenharia, na reunião alargada da comissão coordenadora do Movimento dos Capitães de Abril, grupo militar que em Abril de 1974, no auge da guerra colonial portuguesa, viria a depor o regime ditatorial de Salazar. A partir daí aderiu de forma explícita ao movimento, integrando, após o golpe militar vitorioso, a comissão de redacção do Programa do Movimento das Forças Armadas. Foi primeiro-ministro nos II, III, IV e V governos provisórios, em época particularmente difícil na instável vida política, económica e social do país. Mentor da reforma agrária e da nacionalização dos principais blocos económicos, como banca, seguros e siderurgia, as ligações inequívocas ao Partido Comunista Português causaram-lhe dissabores que se intensificaram para o fim da carreira política, fim precipitado em Novembro de 1975, após a derrota de uma intentona de extrema-esquerda que quase colocou o país em guerra civil.
Álvaro Cunhal, homem de um longo passado de luta contra o salazarismo, apoiante incondicional de Vasco Gonçalves, cedo se alistou nas fileiras do Partido Comunista Português (PCP), e com 23 anos, em 1936, já pertencia ao comité central. Daí que o seu percurso de vida tenha sido pontuado de clandestinidade, desde 1935, prisões políticas, fugas, algumas espectaculares, e exílio até à vitória dos Capitães de Abril. O exame de fim de curso de Direito, em 1940, foi realizado sob escolta policial. Após o golpe militar de 1974 que abriu o caminho para a implantação de um regime civil democrático, exerceu como ministro sem pasta nos II, III e IV governos provisórios. De 1961 a 1992 ocupou o cargo de secretário-geral do PCP, mantendo a ortodoxia do partido com mão de ferro e o apoio da velha guarda que o rodeava.
Eugénio de Andrade é um dos mais lidos poetas portugueses contemporâneos, e dos mais traduzidos também. Abandonando um curso de Filosofia para se dedicar à escrita, em particular de poesia, recebeu ao longo da vida os louros resultantes da opção que tomou. Entre numerosos prémios literários, nacionais e internacionais, contam-se o de Poesia Jean Malrieu, em 1984, o de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, em 1988, e o Prémio Europeu de Poesia, em 1996. Mas o galardão atribuído em 2001, o Prémio Camões, foi, sem dúvida, aquele que mais gratificou o poeta, quer pelo prestígio, quer pela conotação, como então afirmou, com a figura de Camões.
Notáveis, cada um no seu campo, à sua maneira e pelo seu caminho peculiar, todos estes homens procuraram dar o melhor do seu querer, do seu saber e do seu sentir ao seu país. Todos quiseram torná-lo melhor, todos aspiraram a que esse país fosse um mundo mais justo, mais digno, mais humano.
Por isso, senti vergonha quando numa página da Internet que se diz ponto de encontro de Portugueses no mundo (quais portugueses, que portugueses?), li as considerações que alguns concidadãos meus teciam em relação às duas primeiras figuras. Bem vistas as coisas, de considerações não se tratava. Antes, eram torpezas, vilezas, baixezas.
Não está em causa a concordância ou a discordância quanto aos princípios que nortearam as suas vidas, nem aquilo por que se bateram. Ninguém tem de concordar, ou sequer acatar; basta respeitar e, se o entender, criticar com coerência e contrapor com outras doutrinas e outras práticas. O que nauseia é a expressão do regozijo perverso, doentio, com que os autores dos dichotes saudaram as suas mortes.
Enquanto vivas, as pessoas merecem ser ouvidas, o que não significa seguidas. Os meios democráticos ao nosso alcance hoje permitem discordar de antagonistas, e fornecem instrumentos para procurar derrotar os seus projectos e fazer vingar os nossos. É a discordância civilizada, cívica, cidadã.
Depois de mortas, o mínimo exigível é que a narrativa dos factos que tiveram a ver com as suas vidas seja objectiva, sem tortuosidades, sem insultos, sem calúnias, sem infâmias, sem desmandos verbais.
O nosso poeta não foi sujeito a esse tipo de enxovalhos. Não havia como inventar o quê.
A política, a prática política, dá motivo à mesquinhez de opiniões, comentários, observações. Nos menos bem formados moral, social e politicamente, activa a cobardia da exultação da morte como vingança.
A poesia, a prática da poesia, é em si mesma como um sorriso cálido: serena e desarma. Até mesmo quando ela é poesia de combate, não suscita as raivas surdas e cegas, sem rumo nem controlo que são dirigidas aos praticantes da política.
Ademais, ainda que os seus mundos possuam muitas áreas de contacto, umas mais óbvias do que outras, e salvo situações ímpares de simbiose, políticos e poetas são escutados por auditórios em momentos diferentes, com diferentes necessidades, urgências e exigências.
Por isso, talvez por isso, os que vilipendiaram Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal nada tenham dito de Eugénio de Andrade, bem ou mal. Para além de não haver por quê, provavelmente nem sequer o conheciam. A cultura, forma de estar e ser integral e integrada não é ainda uma vulgarização no dia-a-dia da comunidade portuguesa, residente ou emigrante.
"Hoje roubei todas as rosas dos jardins e cheguei ao pé de ti de mãos vazias", escreveu Eugénio de Andrade.
Nenhum destes três homens chegou de mãos vazias ao encontro que os esperava para além do fim desta viagem que todos palmilhamos. Porque de mãos vazias ninguém chega, e muito menos eles. Era bom que se lembrassem disto os infelizes autores de venenosas verborreias.
Adeus, Vasco; Adeus, Álvaro; Adeus, Eugénio. Obrigado por tudo, mesmo o que só foi bom na intenção. E, por favor, àqueles que porventura vos possam ter ofendido, a vós, já do outro lado, perdoai-lhes, pois não sabem o que escrevem.



quinta-feira, junho 16, 2005

"ARRASTÃO" EM PORTUGAL

Um "arrastão" gigantesco marcou o 10 de Junho, dia das comemorações de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Carcavelos, uma das mais frequentadas praias do litoral próximo de Lisboa, na cosmopolita linha de Cascais, foi o palco para o maior roubo colectivo de que há memória.
Entre 500 e 2000 jovens (os números variam consoante as testemunhas), num bando fragmentado com um único comando ou em vários bandos autónomos, não se percebeu bem, atacaram os banhistas que enchiam a praia nessa tarde, roubando tudo o que podiam e agredindo quem opunha resistência.
Várias forças policiais tiveram de intervir para pôr fim ao pandemónio que fez feridos entre os banhistas, os ladrões e a polícia. Detenções, umas escassas quatro por desobediência à autoridade, apesar de os desacatos continuarem nas imediações.
Coisa inusitada em Portugal, à parte algumas pequenas acções utilizando a mesma técnica, também em praias, mas cometidas por grupos minúsculos e a que não se pode chamar "arrastão", cabe perguntar se começou uma prática nova de assalto, ou se estamos perante um acto isolado e sem sucessão. Veremos. No entanto, estas experiências geralmente não são ocasionais nem únicas, em especial se obtiveram êxito.
Uma das formas de impedir a sua continuidade consiste em tomar medidas de prevenção eficazes e de punição exemplares que sirvam de dissuasão e de exemplo, respectivamente, mas parece que nem uma coisa nem outra aconteceu, a menos que isso esteja no segredo dos deuses da segurança interna.
A própria polícia não tem uma noção definida do que se passou, nem da origem, uma vez que não estava lá e os testemunhos divergem, e apresenta, por sua vez, versões do ocorrido diferentes umas das outras. Também não sabe para que lado há-de virar-se, e, nos dias seguintes, pediu em desespero aos cidadãos lesados que a ajudassem, apresentando queixa. Contra quem? Para quê, se nem têm a quem acusar?
Pelos estragos causados e pelo efeito ondulatório, que repercussões internas e externas poderá ter esta ocorrência?Dir-se-á que o turista nacional vai procurar outras praias, e que o estrangeiro praticamente não frequenta Carcavelos. Mas a verdade é que onde estiver um aglomerado de banhistas há probabilidade de isto tornar a acontecer, se nada se fizer para o prevenir, além de que é um atentado à liberdade de quem quer usufruir daquela praia. Por outro lado, Portugal é pequeno, e de Carcavelos ao Algarve é um pulo na cabeça de qualquer veraneante, português ou forasteiro.
Inspirando-se no modelo brasileiro – afinal, não somos países irmãos? – este "arrastão" deixou o mundo perplexo perante as imagens, e fez pensar que, afinal, comparados com este, os "arrastões" do Brasil têm sido uma brincadeira de crianças. Espera-se que as respectivas "equipes" não levem por diante um despique, um campeonato, uma copa...
Só que não se tratou de uma brincadeira de crianças ou de adolescentes. Antes fosse. Do mal, o menos. Para além do roubo como móbil, houve o intuito da desordem, de criar confusão, de expressar a revolta. Revolta, antes de mais, de quem se sente desintegrado, fora de casa, fora do local de origem, vivendo em bairros degradados onde o crime faz lei.
É verdade que muitos desses jovens não conhecem os contornos da sua terra natal. Filhos de emigrantes, aqui nasceram. Mas também é verdade que não podem sentir este país como seu, porque já os seus pais não o sentem.
No Brasil como em Portugal, os mesmos, os da mesma cor – antigamente, imigrantes numa colónia nascente; hoje, emigrantes de colónias extintas. Marginalizados, desintegrados, revoltados. Aperta-se o ciclo vicioso: por se comportarem assim são discriminados, e por se sentirem discriminados comportam-se assim, sem se saber onde começa e acaba cada uma das coisas. E a cor vai-se tornando uma rotulagem e uma tipificação. Algumas práticas, como esta, são invocadas para as confirmar. Daqui ao aproveitamento político dos actos – quando não mesmo de quem os pratica – vai um saltinho de pardal.
Mas é preciso não esquecer o outro lado da moeda. A sensação de afastamento, desenraizamento, saudade é comum a todo o imigrante. Como reagem uns, como reagem outros? Os portugueses em França, na Alemanha, no Canadá, nos Estados Unidos, enfim, por onde estão espalhados souberam como fazer. Tentaram integrar-se, mantendo, embora, os laços comunitários com os conterrâneos imigrantes também e com a sua terra. Conseguiram, apesar dos obstáculos sociais criados a todo o imigrante. Mas nem todo o imigrante é assim.
Portugal sofre de um permanente complexo de culpa que o torna demasiado permissivo, e essa permissividade estende-se ao imigrante, em particular ao imigrante africano, das ex-colónias. Isso tem dado origem a situações de perigosas utilizações políticas, a oportunismos dos próprios imigrantes e a impunidades que põem em causa a segurança e a justiça social devida aos nacionais residentes.
Todo o cidadão deve ter tratamento igual perante a Lei – e isto diz respeito também ao imigrante, coisa que nem sempre está muito clara nas cabeças. Como contrapartida, todo o cidadão deve ter acesso às mesmas oportunidades, desde que se esforce no trabalho para as agarrar, numa competitividade sadia, a das competências, não a dos favores, da trapaça ou da astúcia rasteira. Muito menos a da fraude ou do crime – e isto diz respeito ao imigrante também.
Será que ambos os princípios têm sido aplicados aos imigrantes em Portugal? A benevolência, por um lado, e a raiva, por outro, estribadas no fantasma do processo de descolonização, não têm provocado, cada uma à sua maneira, distorções no convívio entre os cidadãos? Tanto a benevolência como a raiva não serão duas vertentes de um mesmo preconceito racista?
Não vela a pena perder tempo com discussões de choque entre chauvinistas, racistas e nacionalistas, num bloco, e integracionistas, humanistas e pluralistas noutro. A questão ultrapassa a troca de discursos pessoais ou grupais, ultrapassa a praia, ultrapassa o bairro, ultrapassa o país e a própria União Europeia. Exige um debate e acções imediatas, com coragem, sem preconceitos, sem hipocrisias, sem espírito caritativo, sem superioridades, um debate de nações, todas, a desenvolver em paralelo em várias sedes específicas, consoante os assuntos que o tema impõe.
O mundo quererá? Estará, ao menos, disposto a isso? Parece que não. Ainda não. Ainda não porque os sintomas estão alojados, circunscritos, de certa forma controlados. Até quando? E até que ponto daqui a pouco não será demasiado tarde? Neste saber e não saber, querer, ou não, saber, vamos correndo o risco de a força da palavra vir a ser aniquilada pela força da violência, já mal contida. "Arrastão" e agitação social tendem, pois, a confundir-se.

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terça-feira, junho 14, 2005

NEM A DESGRAÇA É DE GRAÇA

Quando personagens da política se aproveitam da desgraça alheia para tentar conquistar a prazo alguns votos, sejam muitos, sejam poucos, estão a fazer baixa política e de políticos, na verdadeira e nobre acepção do termo, nada têm. Deveria, em rigor, chamá-los de outra coisa para que não ficasse manchada a ideia de serviço que é suposto impregnar toda a actividade política.
Chuvas diluvianas fustigam o Estado de Pernambuco, no nordeste brasileiro, há várias semanas, com 16 municípios considerados em situação de emergência. Um deles é o da capital, Recife.
Desabamentos de muros e barreiras, aluimentos de terrenos, derrocadas de casas, descontrolo do leito de rios, enchentes, acidentes de viação, afogamentos, traduziam-se, nos primeiros dias de Junho, por 34 mortes, número de desaparecidos e de feridos não contabilizado ainda, mais de 30 mil desalojados, dos quais 4 mil no próprio Recife.
O governador do Estado deslocou-se a Brasília para pedir ajuda à Administração federal. Agasalhos, comida e medicamentos começaram a chegar.
A chuva não pára. Em bátegas intermitentes de grande violência, fustiga zonas urbanas e zonas rurais, e em cada uma delas provoca os prejuízos inerentes ao tipo de povoamento. Ali torna o trânsito perigoso e faz perder cargas. Aqui encerra escolas. Além varre culturas e arrasta animais. Acolá corta o fornecimento de água potável e de energia eléctrica.
Chuvas tropicais influenciadas pela proximidade do equador e pela época do ano. Engrossam e fazem explodir caudais. Criam torrentes onde a seca imperava. Na sua fúria à solta destroem tudo o que de passagem se lhes opuser.
O rio Capibaribe, um dos que atravessa a cidade do Recife, embacia-se de um castanho lodoso ponteado de ramarias verdes, entre as quais serpenteiam restos de troncos arrastados das margens.
Os terrenos volúveis, pouco compactados, mais sujeitos a infiltrações, são particularmente propensos a deslocamentos, afundamentos e derrocadas.
As casas assentes nesses terrenos desmoronam-se facilmente, por si, ou por arrastamento. Casas de infraestrutura deficiente, construídas sem precauções nem apoios técnicos, por empirismo, sem urbanização aprovada nem plano director. Casas clandestinas, bairros clandestinos que se tornam, aos poucos, pela sua dimensão, "legalizados". Bairros erguidos à pressa por aqueles a quem a fraca renda e a farta fome atraiu dos interiores para os centros de maior porte, e expulsou, logo de seguida, para as periferias.
Pernambuco, que já é pobre, mais pobre fica. As suas gentes passam a deslocar-se numa via de miséria mais apertada.Isso origina cenas de crueldade fria, como a do caminhão repleto de géneros, sem possibilidade de seguir viagem, obstruído numa cratera onde redemoinhos de água e lama competiam. Foi completamente saqueado por uma população, já de si propensa e habituada a pilhagens, agora fustigada pela fome, pela sede, pelo desabrigo, pelo desespero.
Isso origina, do outro lado, estratégias vis, como a que testemunhei numa tarde de domingo, regressava eu a casa, a pé, no intervalo de dois aguaceiros.
Em certo troço côncavo de uma rua num bairro periférico da capital, ao lado de uma repartição pública encerrada por ser dia de descanso, uma porta ampla, aberta, plantada num vazio de movimento chamou a minha atenção. Para melhor me espicaçar a curiosidade, por cima da porta e a toda a largura uma faixa ostensivamente colorida anunciava a delegação de um partido político. Por baixo do nome dizia-se defensor dos reformados, em particular dos mais pobres.
Eu nunca reparara naquela porta e, que me lembre, jamais a vira aberta.
Entrei. No interior escuro uma jovem funcionária, ou membro do partido, ignoro, única pessoa na casa, escrevinhava numa secretária de madeira enegrecida e suja. Pregado à mesa, um cartaz anunciava que decorria uma campanha de angariação de filiados. Pelo chão, a um canto, pacotes de arroz, de feijão, de massas, uns sobre os outros, numa pilha reduzida e desconcertada. Ao lado amontoavam-se roupas a granel, sem preocupação de qualquer tipo de ordem ou arrumo.
Perguntei qual o motivo da porta aberta, num dia sem movimento, numa tarde de chuva que aconselhava os mais prevenidos a não sair de casa. Respondeu-me que, a par da campanha de adesões ao partido, estava em curso uma campanha de recolha de alimentos e agasalhos para as vítimas das tempestades.
Entendi.
É indiscutível a legitimidade das duas campanhas. Mais: a segunda é meritória; o altruísmo sempre me tocou algumas cordas sensíveis. Mas sou igualmente sensível, se não mais, à hipocrisia e ao oportunismo. Nada teria a dizer se as duas campanhas corressem em tempos diferentes e campos separados. Mas empreender, ou simular, como me pareceu, uma campanha de comida e agasalho para caçar votos ou quotas para o partido é demasiado desaforo.
Saí com um sorriso amarelo e uma pena muito grande dentro de mim.
A verdadeira dádiva, aquela que é despojada, sem segundas intenções, e muito menos terceiras e quartas, como era o caso, parece incompatível com os chamados "objectivos políticos". Não repugna nessas esferas colher dividendos da desgraça que aflige o semelhante, desde que isso cumpra os tais "objectivos políticos". Acções assim, supostamente, digo, enganosamente, filantrópicas, constituem perversões que desacreditam a tão já desacreditada prática política. Depois, diz-se da política que ela é o que é, que ela está o que está, sem que a política tenha culpa alguma.
Sublime um conselho antigo: "que a tua mão esquerda não veja o que a direita dá". Nos tempos que correm, e com determinada gente, parece oportuno acrescentar "e que a tua mão esquerda não exija juros daquilo que a tua mão direita pareceu dar".

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sábado, junho 11, 2005

DIA DOS NAMORADOS

O namoro é tão antigo quanto o aparecimento do ser humano no planeta.
O Dia dos Namorados é tão recente quanto o aparecimento do marketing na economia de mercado.
Do ponto de vista dos negócios, é mais um dia para tentar incrementar as vendas (em grande parte de inutilidades de ordem prática) numa economia desastrosa e globalmente arruinada, salvo algumas invejáveis excepções, embora não muitas.
Na maior parte do mundo celebra-se no dia 14 de Fevereiro, dia de São Valentine, aportuguesado de Valentim, com base numa das várias versões disponíveis na tradição para justificar a data.
São Valentim teria sido um bispo romano do século III da nossa era. Ao tempo, o imperador de Roma, Cláudio II, pretendendo armar um numeroso e aguerrido exército, proibiu o casamento de jovens, baseando-se na ideia de que se os soldados fossem solteiros e sem família, melhor cumpririam as missões bélicas.
O bispo Valentim, achando a ordem imperial injusta e desumana, continuou a celebrar casamentos de jovens, clandestinamente.
Descoberta a prática, acabou preso e condenado à morte. A filha do carcereiro, uma moça cega, pediu para o visitar. Foi-lhe concedido. Os dois se apaixonaram. Valentim escreveu-lhe um bilhete em que revelou o seu amor, terminando "do seu Valentim", fórmula hoje usada pelos anglo-saxónicos ("from your Valentine") nos bilhetes que nessa ocasião oferecem às namoradas. A 14 de Fevereiro foi decapitado. Os namorados, se bem que alguns deles não o saibam, prestam-lhe homenagem, fazendo dessa data um dos dias comemorativos mais bonitos e significativos do ano.
No Brasil, o dia escolhido foi o 12 de Junho, colado aos festejos de Santo António, o santo casamenteiro a quem recorre toda a moça, mulher ou velha desejosa de arranjar um marido. É de lógica igualmente aceitável, e quem o discorreu foi o publicitário João Dória, instituindo o Dia dos Namorados em 12 de Junho de 1949, através de uma campanha para a loja Clipper, hoje desaparecida. O objectivo seria aumentar as vendas, sempre em baixa nessa época do ano. E assim ficou, na dupla acepção de namoro e vendas.
Do ponto de vista romântico, afectivo, humano, enfim, é uma data propícia à reflexão por parte dos que já foram, são ou anseiam vir a ser namorados.
Por estas bandas, entrou no vocabulário recente do relacionamento o termo ficar, e a praxe que o sustenta tornou-se uma moda: usar e pôr de lado; usar e deitar fora. O parceiro é, pois, considerado um objecto descartável, seja ele ou ela. Alguns beijos, mais ou menos sensuais, alguns toques, mais ou menos eróticos, e adeus que se faz tarde, já tenho alguém à espera para o mesmo esquema.
Os jovens que o praticam distinguem-no nitidamente do namoro, com o qual, de resto, é incompatível em absoluto.
Apesar de moda e, como todas as modas, febril, sem conta são os jovens que reclamam um namoro, que se declaram namorados ou que optam por estar sozinhos se o preço de alguma companhia se reduzir a um insignificante ficar, embora seja muito mais fácil, mais prático e mais cómodo ficar do que namorar.
O ficar é a ilustração vivida daquela cantiguinha portuguesa de mau gosto: "Quem me dera a liberdade que a pulga tem no lençol: apalpava as moças todas, esta é dura aquela é mole".
Uma vez ganha essa liberdade, salta-se de parceiro em parceiro, e pouco mais há a dizer. Sobra a eloquência do vazio deixado.
Geralmente, no dia seguinte não se falam, não se conhecem. Mesmo estando na mesma turma ou vivendo no mesmo prédio, são dois estranhos. Se um deles se aproxima para refazer o contacto, buscando algum afecto, é pronta e brutalmente rejeitado como se uma medonha ofensa tivesse cometido.
A frustração que nasce dessa troca vai sendo passada de parceiro a parceiro, até que algum soçobra e ruma por caminhos ainda mais tortuosos, em busca do amor que não conseguiu alcançar.
Parece-me perceber que o ficar decorre da experiência adquirida nos modelos familiares onde as relações se fazem e desfazem ao ritmo dos dias, ou em que as infidelidades são constantes permitidas a troco de uma falsa segurança. A terapia que se preconiza para os jovens, deveria, então, ser extensiva às famílias, quando não começar por elas.
Por seu lado, namorar é necessário e sadio, ainda que difícil. Implica estar atento e ter paciência para descobrir. Querer e decidir mudar quando isso fizer crescer. Ter coragem para reconhecer ao outro a igualdade, respeitando as diferenças. Seguir em frente com serenidade, fruindo o prazer da companhia do outro, embora sabendo de antemão que sempre haverá provas, desafios, dificuldades para resolver.
Já não há namoros de 5, ou 6, ou 8, ou mais anos. Os ritmos apressados dos tempos correntes não se compadecem com tais prazos, nem eles são necessários hoje, numa sociedade que se pretende de abertura e de comunicação. Mas é possível haver namoros de uma vida inteira, já que namorar é conhecer e conquistar. Pois não é verdade que nunca se conhece totalmente uma pessoa? Há sempre algo para descobrir e que, ao ser revelado, poderá contribuir para cultivar e fortalecer a relação. Quanto à conquista, se a sua intenção for permanente para com o companheiro, a rotina, tão acusada de destruir casamentos, não terá oportunidades.
Enfim, namorar poderá ser penoso no imediato, mas traz benefícios e felicidades a prazo. Ficar será um prazer imediato, com perda e esquecimento no imediato também.
Pensando nisso, parece-me preferível gastar uma vida namorando, do que perder um dia no ficar.
Tenhamos, então, um bom Dia dos Namorados.



sexta-feira, junho 10, 2005

COMEMORAR O QUÊ?

Hoje Portugal está em festa, um pouco por todo o mundo, o mundo donde ele partiu há seis séculos, o mundo aonde foi chegando desde há seis séculos, o mundo que continua descobrindo, numa diáspora que parece não ter fim.
Uma diáspora não tanto por gosto, mais a contragosto, por imposição. A sorte madrasta de que tanto se tem falado ao longo da sua História, mais não terá sido, até aos dias de hoje, do que fome e outras necessidades básicas não satisfeitas.
A terra é magra, a seca queima, a enchente varre, e a culpa é sempre do além. Não se vislumbra, e muito menos se denuncia, a responsabilidade soberana que traz a marca da incúria e da incompetência de quem nos tem governado; de quem, tendo por missão governar-nos bem, bem se tem governado.
Para que tudo possa continuar na mesma, pretende-se, então, comemorar Portugal nas sete partidas do mundo, com folclore de cheirinho entorpecente: discursos a puxar ao sentimento, mas inconsequentes quanto ao bem-estar do povo; festas e romarias com comida e bebida à farta neste dia, para esquecer a miséria que predomina na pátria durante o ano inteiro; exposições de uma falsa grandiosidade, para iludir a pequenez a que fomos reduzidos. Ora, isto não é comemorar Portugal.
Nem sempre a lei escrita acompanha a filosofia do Direito. Quando saí de Portugal para viver noutro país de Língua portuguesa, fi-lo sem desdém, sem raivas atravessadas, sem bater com a porta, sem voltar as costas. É lá que permanece a maior parte das minhas memórias, o que me resta da família genealógica, os bons amigos de sempre, os locais de beleza incomparável que nunca será demais revisitar.
Quando saí de Portugal para viver noutro país de Língua portuguesa, fi-lo no exercício dum direito que me assiste e de um dever que me motiva: os de procurar um lugar onde possa ser feliz de acordo com os meus sonhos. Mas Portugal assim não o entendeu.
Porque sou cidadão em qualquer parte do mundo e em qualquer parte pugno por me manter Português, não me confinei aos limites da União Europeia, não tão "união" assim, para quem sai da sua pátria, não tão "união" assim, pelo que por lá se passa.
Atravessei o oceano e aportei onde há 500 anos outros fizeram o mesmo pela primeira vez, porventura com os mesmos sonhos na cabeça. Acendi o lar num país de dimensões iguais às daquela União. No entanto, daqui contemplo a pátria e continuo a amá-la. Mas o país não o entende assim.
O país que me cobra os impostos pelo trabalho que fiz, pela riqueza que lhe dei ao longo de uma vida, agora que lhe não envio remessas regulares em dólares ou em euros, agora que disponho do meu tempo para trabalhar sem remuneração, quando, como, onde e para quem quiser, esse país não me reconhece o estatuto de emigrante. A Lei não me considera como tal. Eu, que saí do país para outro país, procurando ser e estar melhor, não sou emigrante porque não lhe pago o que, afinal, não lhe é devido. Pergunto-me se o país me julga fugitivo – de quê, de quem? – e não me perdoa o gesto de liberdade assumida para escolher o canto onde viver e morrer.
Nunca reneguei, até agora, o meu país. É ele que me renega, lá e aqui. Renega-me lá e aqui quando fecha missões diplomáticas, deixando os seus representados sem representação, entregues às circunstâncias; quando cobra exorbitâncias de tempo e de dinheiro pelos magros e demorados apoios dos seus consulados; quando não se preocupa, nunca se preocupou, em proporcionar condições no seu solo para o regresso dos seus cidadãos que vivem noutros mundos.
É o país que nos renega.
Comemorar o quê, neste dia?
Dia 10 de Junho. Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Portugal... Portugal range, oscila perigosamente, mete água e... continua placidamente adormecido.
Comunidades Portuguesas... A essas, neste dia a Pátria faz-lhes uma festinha na cabeça, para amanhã, como mãe carregada de filhos com fome, lhes dizer para irem para a rua esmolar. Por isso, mais de metade dos portugueses está fora. Por isso, a maior parte não sente desejo de voltar. Por isso, para os filhos dos seus filhos o país é um lugar além, distante e romanesco, de que se contam estórias, de que se conhece mal a História e a Língua, e que talvez, um dia, se houver tempo e lembrança, se visite.
Resta-me Camões. Comemoro, pois, Camões.
Comemoro em Camões a Língua Portuguesa, e nela exprimo a saudade e o desencanto do meu país lá longe, esperando a vitória, sempre adiada, do sorriso franco no rosto lavado de mágoas dos meus compatriotas.
Enfim, poderá não ser muito, mas já é comemorar alguma coisa neste Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.



quarta-feira, junho 08, 2005

PISCADELA DE OLHO, OU COLETE DE SALVAÇÃO?

Em política nem tudo o que parece é, e há coisas que ontem não parecia virem a tornar-se no que hoje são. Portanto, não concordo com a afirmação frequente de que em política tudo o que parece é, e muito menos quando o que é pode parecer várias coisas, com tendência para convergirem num ponto, ou divergindo dele.
Por isso, as recentes declarações do Partido Comunista do Brasil (PC do B) devem ser apreciadas com algum cuidado crítico.
No manifesto aprovado em 3 de Junho, em Brasília, vem o PC do B, pela voz da sua comissão política nacional, distribuir generosos elogios à acção governativa do presidente Lula da Silva, avançando com algumas afirmações de cosmética, como as referentes à actuação face ao "caso Correios" (objecto da nossa crónica de 27 de Maio). Isto a pretexto da necessidade de "defender o governo Lula da ofensiva eleitoreira da oposição".
Gesto de solidariedade para com um partido ideologicamente consanguíneo? Mera cortesia?
Independentemente do que possa estar a acontecer na cena política e nos seus bastidores, a verdade é que, fora dos pontuais cumprimentos protocolares, não há troca de simpatias entre partidos. O objectivo e a missão de um partido político é a conquista do poder. Portanto, nesta perspectiva, todos os outros partidos, por mais próximos que estejam na origem da sua doutrina, são considerados como adversários a quem se impõe retirar eleitores e, de preferência, partidários.
Qual, então, o significado possível desta defesa de dama alheia?
O quadro deve ser visto à luz do horizonte 2006, já perto, onde se projectam todas as estratégias eleitorais. Em 2006 os brasileiros vão às urnas eleger presidente, senadores e deputados. E as mexidas de aquecimento para a corrida já começaram.
Pretenderá o PC do B uma aliança estável com o PT? Não me parece provável e muito menos viável. Ao fim de pouco tempo de casados, estariam a brigar por quem engoliria quem.
O manifesto explicita a imposição de (...) "recompor a base de apoio político, persistir na construção da maioria parlamentar com base na concepção de um governo de coalizão" (...). Desejará o PC do B alguns lugares na futura Administração, caso Lula/PT ganhe de novo? Mesmo que a hipótese dessa vitória não fosse neste momento bastante duvidosa, é impensável uma plataforma desse jeito. Lula/PT não tem lugares para distribuir, a menos que: a) os retire ao PMDB, o que seria um suicídio político; b) os retire ao PT, o que seria lançar mais lenha na fogueira das perturbações internas do seu partido.
Parece, pois, que nem de imediato nem a prazo o PC do B possa obter alguma vantagem palpável por parte do PT, através da feitura e divulgação deste manifesto. Mas pode, isso sim, estar a tentar recompor a face perante o eleitorado, particularmente do eleitorado que possa ser sensível e receptivo às propostas de esquerda.Procurando lavar a imagem de descrédito que a acção governativa tem trazido para as ideologias mais à esquerda e respectivos partidos, está a emprestar ao outro um colete de salvação. Que o outro se salve para que ele possa salvar-se. A sua sobrevivência passa, em parte, pela sobrevivência do outro.
É assim que entendo a vinda a terreiro do PC do B. Porém, há aqui um risco a ter em conta: esta colagem ao PT poderá tornar-se no efeito do travão na derrapagem, isto é, quanto mais elogiar Lula/PT naquilo que a opinião pública condena, mais probabilidade terá o PC do B de se afundar com ele.
Há momentos na vida das pessoas e dos grupos em que o silêncio é mais valioso do que o melhor dos discursos.
Mas com certeza que tudo isto não deixou de ser já reflectido e pesado pelos responsáveis pela estratégia do PC do B.



quinta-feira, junho 02, 2005

POR FAVOR, NÃO CHAMEM A POLÍCIA

Os três diários do Recife apresentam hoje as seguintes manchetes, respectivamente:
"Presos suspeitos de clonar 2000 celulares" (ditos telemóveis, em Portugal).
"Ministério Público pede prisão de ex-prefeitos" (Presidentes de Câmara Municipal).
"Bebê de cinco meses é enterrado em casa".
O Recife igual a si mesmo: crime e falcatrua a não oferecerem espaço para outras opções na imprensa matutina.
Nesta linha, se outro jornal houvesse, deveria trazer em parangonas: "Continuam à solta os assassinos do bairro do Cabanga". O que é isso?
No dia 27 de Maio passado, foi noticiada a morte de uma menina de cinco anos, apanhada no trajecto de uma bala perdida resultante do confronto entre polícias e ladrões, num bairro periférico da cidade. Coisa frequente no Brasil, esta das vítimas de balas perdidas. A notícia sucinta de um dos órgãos de informação acrescentava que a criança se encontrava a brincar perto de casa, de noite, o que deixava ao leitor alguma margem para crítica e responsabilização dos adultos, pai, mãe, fosse quem fosse, que, àquela hora, deveriam ter a pequenina em casa. Mas a história é outra, relatada pelo "Folha de Pernambuco" daquele dia, que condiz com a versão de um médico que presta serviço no hospital para onde ela foi levada quase sem vida.
Cerca das 20 horas de quinta-feira 26, depois da visita a um familiar, uma mulher regressava a casa com uma filha de três meses ao colo e outra de cinco anos pela mão. Carregava ainda uma sacola de plástico de supermercado com algum peso. Ao atravessar o bairro do Cabanga, zona escura e de percurso perigoso, ouviu a dois homens novos que passaram rapidamente por ela aprontar o assalto a um carro com ocupantes que se encontrava estacionado perto. Para isso enrolaram as camisas nas mãos, simulando que estavam armados.
Neste momento duas coisas acontecem quase em simultâneo: o saco da mulher começa a rasgar, e ela, para não perder o conteúdo, passa a bebé para o colo da filhita que trazia pela mão; da esquina da rua, surgem três motorizadas da polícia que, ao aperceberem-se da abordagem, rompem um tiroteio contra os assaltantes.
A mãe, tentando proteger as filhas e, ao mesmo tempo, não perder os pertences do saco danificado, corre com elas para debaixo de um viaduto ali perto, a bebé ao colo da irmã mais velha.
O tiroteio continuou e uma bala perdida atingiu a menina de cinco anos que – acto comovente e exemplar – continuou, apesar de ferida, a segurar a irmã para a proteger. Só caiu no chão quando a mãe lha retirou do colo. A mulher apercebeu-se, então, dos ferimentos da filha estatelada a seus pés, e implorou ajuda aos polícias motorizados.
Entretanto, os ladrões tinham já fugido. Os polícias fugiram também, sem prestar socorro. A vida da criança não resistiu à demora na chegada ao hospital.
A história tem mais componentes, mas o seu rocambolesco não é para aqui chamado. Parece que há sete polícias envolvidos, directa e indirectamente, e foi instaurada uma sindicância na Corregedoria-Geral da Secretaria da Defesa Social para apuramento de responsabilidades. Também não interessa aqui falar nas eventuais consequências dessa sindicância, sabendo como é o espírito corporativista da Polícia.
Do mesmo modo, torna-se irrelevante discorrer sobre a morte desta criança: no Nordeste, onde o crime é a regra e ninguém é capaz (ou mostra vontade, para além do discurso circunstancial eleitoralista) de pôr-lhe cobro, ecoa como natural, ainda que não aceitável, a morte regular de inocentes vitimados por balas perdidas, seja dos ladrões, sejas dos polícias.
Ninguém paga estas mortes, pela simples razão de que ninguém pode pagar a morte seja de quem for – o pagamento seria restituí-las à vida; e, por outro lado, nada paga a vida de ninguém, pois a vida, por ser um dom, não tem preço.
Ainda assim, o mais importante também não é o resultado prático do tiroteio do ponto de vista policial, neste caso a fuga dos ladrões (de resto, já foram capturados, por denúncia de cidadãos, seis suspeitos que fariam parte de uma rede de assaltos naquele bairro). E, até, podemos deixar de lado, pelo menos por agora, a oportunidade do tiroteio e o seu resultado prático do ponto de vista humano – a morte da menina – pois cenários como este são sempre de alto risco.
O que não se pode deixar de questionar é o seguinte: que sentimento de autoridade e confiança pode advir da actuação de representantes da Autoridade que ferem e fogem, deixando morrer? Que culpabilidades terão levado estes polícias a desaparecerem da cena tão depressa sem prestar assistência? Que medos estarão por detrás de tal comportamento? Trata-se de um caso de incompetência, ou de irresponsabilidade? Ou das duas coisas? Ou de outras coisas mais? Que valores beberam estes agentes, já não digo nas respectivas famílias de infância, já não digo nas escolas básicas por onde andaram, mas nas instituições policiais onde fizeram a sua formação, técnica, jurídica, humana também? Que valores esta sociedade transmite às organizações a quem paga para garantirem a defesa e a ajuda dos cidadãos? Que misérias esta sociedade alberga, para já não haver valores universais a transmitir aos mais jovens, em particular àqueles que têm por missão defender esses valores? A que nível de degradação humana se desceu, para que a vida, como valor fundamental a respeitar, seja comparável a qualquer mercadoria descartável?
Neste contexto, já não se sabe onde estão os bandidos nem onde estão os polícias. Mas uma coisa é certa: com polícias assim, bandidos, para quê?



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