CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

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terça-feira, novembro 29, 2005

A BOLA OU A VIDA

Não se trata de um erro tipográfico no título, embora de imediato se pudesse pensar em "a bolsa ou a vida".
É, de facto, "a bola ou a vida".
Há quem seja capaz de pôr a vida em risco, a sua e, o que é mais grave, a dos outros também, por causa do futebol. São os doentes da bola, da bola dos pés e da bola da cabeça, de que mostrarei à frente um bom (e deprimente) exemplo.
Ataques cardíacos, alguns fulminantes, apostas ruinosas que desgraçam o próprio e a família, bebedeiras, agressões, assassinatos, há de tudo um pouco, ou um muito, para ser mais preciso.
Mas, no Brasil, país de emoções extremadas, ainda surgem cenas surpreendentes, pelo menos para os europeus.
Aqui o futebol é um mundo de loucos, uma loucura que se traduz em qualquer coisa como 290 equipas, só na primeira divisão.
Neste imenso torvelinho, um dos principais favoritos na semana passada era o Corinthians, à beira, então, de se sagrar campeão do Brasil, no campeonato brasileiro, o chamado Brasileirão.
Este clube de São Paulo, capital do estado do mesmo nome com cerca de 18 milhões de habitantes, seguia à frente com 78 pontos, 23 vitórias e 8 derrotas.
No passado domingo disputou a taça com o 16º classificado, detentor de 48 pontos. O Ponte Preta, assim se chama o adversário que defrontou, com 14 vitórias e 20 derrotas, é o mais antigo clube de futebol do país, fundado em São Paulo em 1900.
Estatisticamente, a vitória não seria difícil.
Contudo, para que a sagração pudesse ser uma certeza antes do último jogo da temporada, era preciso que o Palmeiras, também de São Paulo, em 5º lugar (67 pontos, 19 vitórias e 11 derrotas) no mínimo empatasse com a equipa que estava em segundo lugar, o Internacional, do estado de Rio Grande do Sul, com 75 pontos, 22 vitórias e 9 derrotas. O jogo efectuou-se no mesmo domingo.
Há muito que ambos os desafios prometiam enchente. Mas previa-se que o recorde de espectadores fosse, como foi, para o jogo do Corinthians, no estádio paulista de Morumbi.
Os 80 mil lugares lotaram. Só para os corintianos foram vendidos 63 mil bilhetes num fôlego de dois dias.
Longas filas de muitas horas nos 9 postos de venda da cidade provocaram tumultos, e obrigaram a intervenções e reforço da acção policial.
Quando os ingressos acabaram nos vendedores autorizados, o mercado paralelo começou a comercializar os lugares de bancada a 150 reais (60 euros), um preço 10 vezes superior ao da tabela, e, nalguns casos, a 200.
O salário mínimo no Brasil é de 300 reais.
Com bastante antecedência, no distante estado do Maranhão, um ferrenho adepto do Corinthians de nome Pablo, cidadão brasileiro casado, com família, vendeu o frigorífico (aqui chamado geladeira) por 300 reais (cerca de 120 euros), menos de metade do preço médio de um aparelho novo. Com o dinheiro apurado comprou uma passagem no terminal rodoviário da sua cidade, São Luís, capital do estado, e rumou a São Paulo durante dois dias e meio, ao longo de 2970 quilómetros.
Aí chegado, aguentou firme durante horas na fila dos ingressos e conseguiu um.
Entretanto, em casa, em plena zona equatorial, com temperaturas variando entre 23 e 33 graus centígrados, a família padecia de calor e de falta de líquidos frescos e comida conservada em condições de higiene, porque a geladeira saíra uma semana atrás, a troco do futebol.
Afinal, para o adepto, o que vale uma geladeira, comparada com um jogo de futebol daquela categoria? Apesar de transmitido pela televisão, aquele jogo único impunha a sua presença, e merecia todos os sacrifícios – até mesmo os da família.
Geladeiras há muitas, assim haja dinheiro (que, pelos vistos, não é o caso).
O Corinthians ganhou ao Ponte Preta, mas o Palmeiras não empatou com o Internacional. Perdeu. O Corinthians precisa ainda do último jogo que falta no campeonato para poder ser considerado campeão brasileiro.
No entanto, o heróico torcedor Pablo já avisou a família, em face de este novo cenário. Ficará outra semana em São Paulo para assistir ao decisivo encontro. Por outro lado, fez questão de a tranquilizar: com as economias que conseguiu, não precisará vender mais electrodomésticos para comprar novo bilhete de ingresso.
Presumo que a família de Pablo, perante a notícia, terá ficado desvanecida, encantada e orgulhosa, mesmo com sede e com comida estragada.
Valente Pablo. É com torcedores desta fibra que o Brasil vai, com certeza, para a frente. Para a frente no futebol, mesmo que a família, o trabalho, e tudo o resto fiquem despreocupadamente para trás.
Ah!, se Deus não fosse brasileiro...



sexta-feira, novembro 25, 2005

A ILUSÃO DA NOTA 7

Estudo recentemente publicado no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra a escala de remunerações das actividades profissionais brasileiras, e sublinha aquilo que já se sabia empiricamente: um lugar ao sol no mercado de trabalho depende, sobre outros factores, do grau de instrução, isto é, quanto mais estudos, maior a facilidade de conseguir um bom emprego.
Os filósofos e teóricos da revolução bolchevista, nos fins do séc. XIX e início do séc. XX, já afirmavam que o trabalho é uma mercadoria como qualquer outra. Se não é, pelo menos parece comportar-se como tal, sujeita, portanto, às leis do mercado, as leis da oferta e da procura. Se há excesso de mão-de-obra num determinado sector, os salários baixam. Se a procura no sector é muito elevada, os salários sobem. Teoricamente será assim. Mas é ainda mais complexo do que isso.
Na primeira metade do século passado, queimava-se café nas locomotivas brasileiras, enterravam-se manadas inteiras na Argentina, e a América do Norte afundava navios carregados de trigo. Tudo isso para que o preço desses produtos não baixasse no mercado internacional. Ao provocar uma escassez artificial desses bens, conseguia-se obter um preço compensador para os respectivos produtores.
Mas não se pode começar a matar gente para fazer subir os salários, ou para criar postos de trabalho. A competição desencadeia-se por outras vias, uma das quais consiste no aumento do número de anos de preparação académica.
O tempo de estudo ocupa cada vez maior fatia da vida das pessoas. Dantes, até há relativamente pouco tempo, a meta estava no curso superior. De súbito, isso deixou de ser suficiente.
Especialidades, pós-graduações, mestrados, doutoramentos, reciclagens, não falando já das actualizações pela vida fora, ocupam entre 1/2 e 1/3, dependendo dos países, do tempo de vida média esperada do cidadão. E a tendência é para este período aumentar.
Cada vez haverá menos empregos, tal como os conhecemos hoje, ainda disponíveis, permanentes e bem remunerados. Existirá, em contrapartida, um número cada vez maior de candidatos necessitados de emprego sem o conseguir.
O sistema em que vivemos não cria postos de trabalho ao ritmo do crescimento da população activa. Mais e pior do que isso, nalguns sectores o sistema destrói postos de trabalho.
Karl Marx afirmava em 1865 que "a tendência geral da produção capitalista não é elevar, mas sim baixar o nível médio dos salários". Nem ele supunha quanto.
Na Alemanha, em 1996, registou-se uma população de mais de 6 milhões de desempregados. Este número é superior à população residente de Portugal, ou da Noruega, ou da Dinamarca, ou da Irlanda, ou da Nicarágua. Sensivelmente igual à do Paraguai, ou de El Salvador. O dobro da de Porto Rico, ou do Panamá, ou do estado da Paraíba, no Brasil.
As perspectivas não são para reverter a tendência, mas para agravá-la.
Por essa época de fins de século, Roland Berger, um dos mais conceituados consultores empresariais alemães, advertia para que, possivelmente, um em cada dois quadros médios perderia o emprego a breve trecho.
Avisava, também, que nos países industrializados os patrões dos grandes grupos esperariam que houvesse pessoas a varrer ruas por um salário quase nulo, e quem aceitasse emprego de criado a troco de um alojamento desprezível.
Mas o alerta era tardio para alguns países. Em Lisboa, já há meia dúzia de anos se encontravam jovens diplomados em agronomia varrendo as avenidas e as calçadas da cidade. E engenheiros e arquitectos brasileiros desempregados que emigraram em busca de trabalho à altura das suas qualificações estão nos Estados Unidos a pintar paredes, como qualquer pedreiro.
Em finais de Setembro de 1995, no hotel Fairmont de São Francisco, Califórnia, Mikkail Gorbatchev, último presidente da União Soviética, e Prémio Nobel da Paz, reuniu 500 figuras, entre políticos, líderes económicos e científicos de primeiro plano, oriundos de todos os continentes. O objectivo era uma discussão global que deveria abrir caminho para o séc. XXI, e teve como ideia condutora "em marcha para uma nova civilização".
No livro "A armadilha da globalização", publicado em Portugal pela editora Terramar, Lisboa, em 1998, é possível obter algumas conclusões do que foi esse encontro neste domínio do emprego/desemprego.
Os seus autores, Hans-Peter Martin, doutorado em Direito e Ciências Políticas, e Harald Schumann, engenheiro, ambos jornalistas alemães que ocupam lugar de destaque na conceituada revista "Der Spiegel", escrevem o seguinte trecho de arrepiar.
"No próximo século, para manter a actividade da economia mundial, dois décimos da população activa serão suficientes. 'Não haverá necessidade de mais mão-de-obra', estima o magnata Washington SyCip. Um quinto dos candidatos aos postos de trabalho bastará para produzir todas as mercadorias e para fornecer as prestações de serviço de grande valor de que a sociedade mundial pode gozar. Estes dois décimos da população participarão assim activamente na vida, nos rendimentos e no consumo – seja em que país for. (...) Mas e os restantes? Será possível imaginar que 80% das pessoas que desejam trabalhar não vão encontrar emprego? 'Não há dúvida de que os 80% restantes vão ter problemas consideráveis', afirma o autor norte-americano Jeremy Rifkin, que escreveu o livro 'The end of work' [o fim do trabalho]. O gestor da Sun Systems, Gage, retoma a palavra e cita o director da sua empresa, Scott McNealy, considerando que, no futuro, a questão será 'to have lunch or be lunch', ou seja, 'ter algo para comer ou ser devorado' (...) entre esses inúmeros novos desempregados espalhados pelo mundo inteiro, encontrar-se-ão dezenas de milhões de pessoas que, até agora, estavam mais próximas da confortável vida quotidiana dos subúrbios da baía de São Francisco do que da luta quotidiana pela sobrevivência a que têm de se entregar os titulares de empregos precários".
O Brasil será um dos países a sofrer seriamente o impacto destas políticas, e isto por diversas razões.
Em primeiro lugar, a população cresce neste país de uma forma assustadora, e a competição tornar-se-á muito maior.
Por outro lado, é um país que defende e pratica o deixa correr, o deixa para lá, Deus é brasileiro e tudo se compõe, se não for hoje, será amanhã ou depois.
Finalmente, e com muito peso, porque dois dos mais importantes pilares em qualquer sociedade, a Família e a Escola, estão, em grande parte, arruinados no Brasil. O assunto foi objecto da crónica anterior, "Instituições falidas".
As duas instituições que já foram complementares, hoje vivem de costas uma para a outra.
O ensino é de má qualidade, interrompido com muita frequência por greves, comemorações, "passeios didácticos" e os dias de folga entre um fim-de-semana e um feriado, conhecidos por "imprensados".
O ensino privado, à parte as greves, que são inexistentes, não apresenta, na generalidade, melhor cenário.
Como verdadeiras máquinas de fazer dinheiro, através de artifícios vários de atribuição de notas as instituições particulares de ensino mantêm altos níveis de aprovação. Assim, não correm o risco de perder alunos, já que as famílias dos estudantes o que querem é poder comemorar com alívio e alegria a pontual passagem de ano lectivo, sem se preocuparem com a real competência quanto ao saber dos seus filhos. Para isso pagam o colégio ou a universidade privada. Pagou, passou. Essa a principal razão por que os cursos superiores brasileiros no estrangeiro têm o baixo reconhecimento que toda a gente conhece.
Numa escala de classificação oficial de 0 a 10, as famílias, e por maioria de razão, os alunos, geralmente contentam-se com a nota 7, aquela que dispensa aulas suplementares como preparação para provas finais de avaliação, e permite começar as férias mais cedo.
Mas, embora o nível de ensino superior deixe, muitas vezes, a desejar, as universidades, por questão de prestígio e, principalmente, de vagas, exigem altas classificações na admissão. Se o candidato não foi prevenido com antecedência, quando compreende isso já é tarde. A falta dos hábitos de trabalho que não foram inculcados a tempo já está a produzir as consequências nefastas.
Quem se deixou seduzir pela nota 7, e somente por esse patamar se bateu, ficará na cauda do cortejo dos candidatos a um emprego a todos os títulos gratificante, de que o grau de ensino é um condicionalismo.
A nota 7 é a nota do bem-estar imediato e sem esforços de maior, sem preocupações, mas tem como correspondência negativa uma possível exclusão da universidade e de um bom emprego.
A nota 7 acaba por ser a da mediocridade assentida, consentida e, muitas vezes, protegida, até, pelos responsáveis pela educação dos estudantes. Por comodidade, muitos desses "responsáveis" demitiram-se, há muito, da sua responsabilidade de educadores.
Porém, o sucesso pessoal, encarado, entre outros valores, como o da realização plena no papel de profissional na sociedade, não se conforma com atitudes, e muito menos com resultados, de mediocridade. Nem no país, nem no resto do mundo.
Família e Escola não parecem importar-se muito com isso.
"Não fazer hoje o que pode ser guardado para amanhã", e quem vier atrás que feche a porta. Mas é bom não esquecer que, habitualmente, os que vêm atrás a fechar todas as portas são os tais da nota 7.
"Será possível imaginar que 80% das pessoas que desejam trabalhar não vão encontrar emprego"?
"No próximo século, para manter a actividade da economia mundial, dois décimos da população activa serão suficientes". E, desses dois décimos, com toda a certeza estarão excluídos os nota 7.



terça-feira, novembro 22, 2005

INSTITUIÇÕES FALIDAS

No decorrer do último século, homens e mulheres alteraram as relações interpessoais, e fizeram de grande parte da sociedade um ambiente hostil, violento e agressivo. O Brasil, em extensas áreas sociais, não foge à regra.
Das principais transformações operadas, destaca-se a da passagem da industrialização, com vista ao desenvolvimento, para o consumo desenfreado, dando lugar a uma triangulação definida por produtividade-consumismo-desperdício.
Esta, por sua vez, apoiada numa publicidade selvagem sem fronteiras, quer internas, quer externas, quer domiciliárias, quer nacionais, é geradora de ambições de conteúdo equivocado, frustrações, e dramas pessoais e familiares.
E isto, precisamente, porque o sucesso individual, identificado, acima de tudo, com o poder aquisitivo de bens de consumo, é procurado a qualquer preço, mesmo quando esse preço é o da vida, própria ou alheia.
A recente apreensão no Brasil de armas douradas, ostentação dos bandidos "mais bem sucedidos" no mundo do crime, é um exemplo eloquente.
A preocupação pelo
ter substituiu, em muitas das mentalidades contemporâneas, a preocupação pelo ser.
Em tal quadro social, crianças, adolescentes e jovens adultos cada vez mais necessitam da presença, ou, pelo menos, da proximidade, dos pais. O grau de assiduidade e constância dependerá da maturidade e da profundidade das relações entre todos os membros do agregado familiar, seja numa família restrita, seja numa família alargada.
Mas, tanto a proximidade, como, por maioria de razão, a presença são impossíveis, porque outra das transformações sociais que ocorreram foi a desintegração e a desarticulação da família nuclear, a família tal como era conhecida até meados do século XX.
Hoje pontuam as famílias de divórcios ou de separações sucessivas, de tentativas de recomposição seguidas de novas separações, as famílias onde não há pai ou mãe, as famílias de discussões e disputas assíduas sem termo nem sucesso, as famílias onde os dois membros do casal se ignoram e/ou ignoram os filhos, as famílias onde, a pretexto de um falso sucesso profissional, os seus elementos nunca se encontram, onde, portanto, não há troca de experiências nem de afetos, não há exemplos de conduta baseada em princípios, não há transmissão de regras, referências e limites, não há diálogo.
Mesmo as famílias ainda hoje constituídas segundo o figurino clássico, apenas formalmente cumprem uma função social. Contaminadas pela desestruturação generalizada, não conseguem já, ou conseguem deficientemente, passar para os descendentes os princípios universais e os valores culturais que cimentaram a coesão das sociedades dos seus antecessores, com a força colectiva para lutarem, em liberdade responsável, pelos seus objectivos.
Uma nova moral sem ética, emergente nas actuais sociedades, permite um jogo de vale-tudo para ser feliz, confundindo, irremediavelmente, felicidade, um estado de espírito duradouro, com prazer, um estado físico imediato, passageiro, por vezes entorpecente e, por isso mesmo, sem a ponderação de consequências, e sem o reconhecimento de responsabilidades. Tudo isto gera conflitos na mente dos indivíduos e no tecido social.
De dia para dia, e reportando-me, de novo, ao Brasil, aumenta a frequência de casos de jovens que matam colegas, que matam professores, que matam namorados ou namoradas, que matam os pais, que se matam a si próprios.
Os pais, se estão vivos, choram tardiamente os dramas e dizem não entender.
A Escola, por sua vez, demitiu-se, há muito, de boa parte das suas funções. Agora, quando funciona, quando não está em greve ou ausente em qualquer comemoração vazia de sentido, limita-se a transmitir, e, na maior parte dos casos, mal, a informação técnica e científica que há-de permitir a sobrevivência e a reprodução do sistema.
Princípios e valores que dantes eram ensinados juntamente com o Português e a Matemática foram metidos no porão das lembranças sem préstimo.
Nas salas de aula, superlotadas muito para além do razoavelmente admissível, além de livros, cadernos e lápis, quando os há, co-existem armas e drogas.
Nos recreios passeiam-se grávidas precoces, que, sem outra saída, abandonam a escola, às vezes para sempre.
Tanto os professores, muitos deles mercenários do ensino, como os conselhos directivos recusam responsabilidades, e, impotentes, sorriem dos despropósitos verbais e de comportamento dos alunos. Se os repreenderem, correm o risco de sofrer represálias, que podem chegar à agressão, executadas pelos próprios alunos ou pelos pais.
Enfim, sem generalizações abusivas, mas, também, sem falsas ilusões, é legítimo e angustiante concluir que em grande parte dos casos, demasiados casos, tanto a Família como a Escola são instituições falidas. E com instituições falidas não é possível criar capital para o futuro.



sexta-feira, novembro 18, 2005

OS BRASILEIROS E AS PIADAS SOBRE PORTUGUESES

A predilecção dos brasileiros pelas piadas com intervenientes portugueses é ancestral. Dizem, numa justificação mal remendada, como já ouvi, que é a forma carinhosa de se referirem ao país irmão, pai e avô.
Qual nada. Que me desculpem, mas nessas piadas há muito de despeito e de desdém, que, de resto, só nos honra e glorifica. Alimenta, afinal, uma vaidadezinha muito nossa, muito particular, muito portuguesa, de quem sabe que os defeitos e vícios que lhe são atribuídos, pertencem, afinal, a quem os relata, brincando ou não.
Quando cheguei ao Brasil, há três anos, desembarcado num aeroporto da capital de um dos estados do sul, das primeiras coisas que cidadãos brasileiros me perguntaram foi que piadas se contavam em Portugal sobre eles. A partir daí, seja no sul ou no norte, no centro ou no nordeste, a fatal pergunta nunca mais me abandonou. Sempre que conheço um novo brasileiro, ou uma família de brasileiros, o que torna a situação ainda mais difícil, aí está, na sua pura imutabilidade: "então, que piadas se contam em Portugal sobre brasileiros?"...
Respondi-lhes sempre a verdade: que não senhor, em Portugal não se contam piadas sobre brasileiros. Os brasileiros não são bode expiatório no prontuário anedótico português. O bode expiatório é outro português, o simpático e amistoso compadre alentejano.
Mas os meus interlocutores, desconfiados, dificilmente acreditavam, pensando que eu iludia a questão por delicadeza, para não os melindrar. Suponho, até, que alguns deles nunca fizeram completa fé nas minhas palavras. Os mais afoitos afirmavam mesmo que tinham a certeza, de fonte segura, que em Portugal corriam gracejos, mais leves ou mais pesados, sobre eles.
Convencidos ou não, o curioso é que uma vez descansados quanto à ausência de galhofa no canto lusitano sobre as suas estimáveis pessoas, desatavam a contar piadas envolvendo portugueses, com o estardalhaço e a gritaria típicos deles, brasileiros. Piores, muito piores, que italianos...
Tantas vezes fui assediado por causa disto, que julguei melhor precaver-me com explicações que constituíssem prova segura e incontestável das minhas afirmativas sobre o assunto.
Fui encontrá-las à farta, simples, rigorosas e provadas, em escritores portugueses da segunda metade do século XIX, com destaque para Camilo Castelo Branco.
No espólio literário português dessa época, são frequentes as alusões a "brasileiros". No nosso Camilo, essa figura é mesmo a personagem central de um dos seus romances.
Mas, afinal, quem eram estes "brasileiros"?
A miséria que grassava em Portugal nesses tempos, como noutros, mas não falemos de coisas tristes, motivou um surto de emigração para o Brasil, onde as riquezas para explorar eram suficientemente atractivas para encurtar distâncias e atenuar ausências. O espírito de aventura do português e a sua capacidade de trabalho e de adaptação a novos mundos, novas situações, foram pilares do êxito de muitos desses patrícios que atravessaram o Atlântico em busca de melhores dias, melhores vidas. Se fortuna conseguissem, melhor seria.
Saíam das recônditas serranias, das planícies gastas, dos interiores famintos e abandonados ao deus-dará pela incompetência e pelo desinteresse da classe governante de então. Analfabetos na sua maioria, levavam na magra bagagem do saco de retalhos pouco mais do que um resto de pão bolorento, daquele que o diabo amassou. O que sobrava de força nas mãos inutilmente calejadas e a lembrança da família e da terra deixadas para trás, à mistura com bentinhos ao pescoço e pagelas da virgem na carteira vazia, eram a fortuna do corpo e da mente.
Como sempre e em toda a parte, houve vencedores e vencidos. Dos fracos não reza a história, por isso se fala quase só dos que regressaram à pátria carregados de ouro nos dedos, nos pulsos e nos cofres. Esses eram os "brasileiros", o pasmo e a inveja dos conterrâneos, os que tinham saído do lar sob o olhar malicioso dos vizinhos, para regressarem, volvidos alguns anos, ostentando prosperidade, senão mesmo luxo.
O sucesso é geralmente detestado pelos semelhantes, mas a hipocrisia planta escadas encostadas às barreiras sociais, e amigos não faltaram aos "brasileiros". Amigos e mal-dizer.
Se saíram pobres de corpo e de espírito e regressaram ricos de metal, permaneceram de uma confrangedora pobreza de ideias e conhecimentos. Boçais partiram, boçais voltaram. O brilho exterior proporcionado pelo polimento do ouro acumulado mostrava-se incapaz de esconder a escassez da alfabetização que, muitas vezes, nem chegava ao rudimentar.
Enquanto isso, as mais abastadas famílias do Brasil encaminhavam os seus filhos para estudar na Europa. Por razões históricas e linguísticas, Portugal era um dos países de opção, com preferência pelos cursos de Direito e de Medicina ministrados nas nossas universidades.
Inseridos na população estudantil portuguesa, os jovens brasileiros participavam com aqueles seus colegas não só das actividades académicas, mas, como é natural, de tudo o que dizia respeito ao dia-a-dia da comunidade em que viviam.
Foi assim que conheceram o retrato do portuguesíssimo "brasileiro" e as suas afrontas à cultura minimamente exigida na época a qualquer cidadão. Participaram nas larachas a seu respeito. Muitos, sem dúvida, tiveram oportunidade de conhecer pessoalmente alguns desses espécimes e de com eles privar. Em confidência trocavam-se histórias, porventura dilatadas, sobre a imbecilidade que os caracterizava. E o acervo a esse respeito foi crescendo.
Regressados ao Brasil, ao seio das famílias de origem, bacharéis e doutores narravam nas tardes quentes da casa grande da fazenda as aventuras e desventuras nas terras lusas. As viagens, o clima, a universidade, os lentes, as repúblicas, as serenatas, os amores, as corridas de touros, os petiscos, os vinhos e licores, as procissões e... os "brasileiros". Neste particular estalava a hilaridade.
As histórias, ouvidas aos pedaços por avós meio surdos, por crianças distraídas e por criados de entendimento embotado, repercutiam de fazenda em fazenda, de família em família, reproduzindo-se desvirtuadas no conteúdo e nas personagens. O português que partira de Lisboa em busca de pão na antiga colónia sul-americana e regressara abrasileirado e com farta riqueza passou, a pouco e pouco, aqui e ali, à condição de genuíno natural do Brasil.
Assim se instituiu a crença infundada de que Portugal é um vasto repositório de piadas sobre brasileiros.
Hoje conto isto a todo o brasileiro que me faz a obrigatória pergunta decorridos 30 segundos de apresentação. Acham graça. O ego deles cresce uns palmos perante a minha singela explicação. E quando dou por mim estou a escutar piadas de portugueses no meio de um alarido geral.



terça-feira, novembro 15, 2005

VENDAS (E NÃO SÓ) POR TELEFONE

Na maior parte do mundo é usual a prática da promoção de bens e serviços por telefone, olhos postos na venda. Chama-se a isso telemarketing.
Amaciadas por vozes simpáticas e corteses, geralmente femininas, não param as sugestões de convénios para compra de automóveis, apólices de seguros de vida, apartamentos, casas de férias, e as próprias férias.
Tudo se promove, tudo se pode vender e, consequentemente, comprar.
O Brasil não foge à moda que, mais do que moda, é uma exigência da sociedade de consumo neocapitalista. Neste país, a ideia-objecto que em particular se tenta impingir, um misto de produto e serviço que, por sua vez, dá direito ao acesso a outros produtos e serviços, é o cartão de crédito bancário.
Não há banco que não queira "oferecer" o seu. Sem dizer mal da concorrência, usam a táctica subtil de afirmar que esse é o único que dispõe de determinadas vantagens, sempre sedutoras para o cliente, levando-o a pensar que é o melhor.
O cliente é, além disso, convencido de que nada tem a pagar. O cartão é uma cortesia do banco.
A verdade é que a eventual cedência vai sair-lhe cara, porque, para além do endividamento fácil que qualquer cartão de crédito representa para o orçamento pessoal ou familiar, haverá uma posterior campanha de solicitações, quando não exigências, no sentido de abertura de conta, mudança de banco, transferência de capitais, compra de serviços, às vezes, nem sempre, constantes do contrato que o cliente assina quando aceita o cartão. Tudo escrito naquele tipo de letra microscópica para ninguém ler e assinar à confiança.
O processo é rápido e cómodo. Basta fornecer alguns dados e confirmar outros, e o cartãozinho será recebido pelo correio.
Pessoalmente incomoda-me este tipo de abordagem.
Primeiro, porque as horas a que o telefone toca para este efeito são, geralmente, impróprias. Ou de manhã, muito cedo, sempre cedo para quem trabalha de noite, ou à hora de almoço, ou quando se tem um trabalho entre mãos, ou um compromisso urgente, ou é preciso ir levar ou buscar os filhos à escola. Sempre horários inconvenientes.
Perguntarão os interessados quais serão os horários convenientes. Pois é. Por mim, nenhum. Cada um responda de acordo com o seu estilo de vida.
O segundo motivo por que este tipo de aproximação me é desagradável reside na minha aversão visceral a ter a privacidade e a intimidade devassadas. Fico sempre a cogitar como conseguiram o meu telefone e outros dados, como nome, endereço, e tipo de cliente que sou.
Terceira razão, sinto-me violentado e defraudado quando tentam forçar-me a aceitar um presente de grego. Ninguém dá nada a ninguém no mundo dos negócios, e muito menos no das instituições financeiras.
Quarta razão. A insistência em permanecer em minha casa, contra minha vontade, através do telefone mais acentua o efeito de invasão do meu espaço pessoal.
Finalmente, nestes telefonemas eu nunca sei quando se trata de uma verdadeira campanha promocional, ou de uma qualquer vigarice.
Quem ou o quê me garante que é um banco idóneo, uma companhia de seguros reconhecida, ou uma empresa de turismo de primeira classe que se encontra do outro lado da linha?
Todos os dias há notícias de fraudes por telefone, e avisos ao cidadão para que não revele, seja a que pretexto for, dados que o possam comprometer.
O Brasil é um país onde este tipo de fraude está a ser cada vez mais usado. Não é por acaso que a Transparência Internacional, organização com sede em Berlim, atribuiu ao Brasil, recentemente, a nota 3,7 numa escala de 0 (menos honesto) a 10 (mais honesto).
Assim, com todo o respeito pelos honestos cidadãos e cidadãs que trabalham em telemarketing, ao primeiro embate na tentativa de me venderem, alugarem ou darem seja o que for desiludo-os com uma frase curta e clara: "como não sei se você é quem diz ser e representa quem diz representar, ou, pelo contrário, pertence a alguma quadrilha especializada em fraudes por telefone, a nossa conversa vai ficar por aqui".
E fica. Nos tempos que correm nunca se sabe.
Rude? Talvez. Radical? De certeza. Mas foi a única maneira que encontrei de me ver livre de duas pragas: o telemarketing e a teleburla, tanto mais que ambas têm coisas em comum.
Aqui fica a receita para quem quiser aproveitar. Gratuitamente.



terça-feira, novembro 08, 2005

CHEGOU BUSH PARTIU

Não se pode dizer que Bush esteve no Brasil. Chegou no sábado 5, à noite, e partiu no domingo 6, à tarde. Para uma primeira visita oficial ao país, foi escasso o tempo que disponibilizou. Menos de 24 horas.
Agenda apertada? O Brasil não merece o seu tempo? Tem medo de permanecer no Brasil?
Referindo-se à viagem, a edição electrónica da britânica
Times apresenta, assinada pelo editor americano Gerard Baker, em 3 do corrente, uma matéria sob o título "Bush penetra no país dos bandidos". E Bush, como num mergulho, penetrou e escapou-se depressa.
Na véspera, na Argentina, decorrera a 4ª Cúpula das Américas, onde 34 Chefes de Estado deste continente se reuniram na cidade de Mar Del Plata.
Apesar da ausência do presidente da República de Cuba, Fidel Castro, que não foi convidado, nem por isso os protesto anti Bush foram menores, mesmo dentro do plenário.
O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, anfitrião do encontro, criticou sem reservas alguns pontos fundamentais da responsabilidade de Bush no estado de pobreza da região central e sul. E foi aplaudido.
Enquanto isso, nas ruas, Hugo Chávez, o polémico e controverso presidente da Venezuela, e arqui-inimigo de Bush, dirigia, entre vaias e palavrões contra os EUA, o coro de milhares de manifestantes que queimavam bandeiras e bonecos representando o presidente dos
States.
A Cimeira terminou sem resultados quanto ao que se pretendia discutir e decidir.
Os tão esperados temas da criação de emprego e da distribuição de renda foram substituídos por outro, mais do interesse imediato de George W. Bush, a ALCA, Área do Livre Comércio das Américas.
Mas nem aqui resultou alguma coisa de consensual. Assessores e diplomatas continuaram as discussões, substituindo os chefes de Estado que, a pouco e pouco, foram abandonando a reunião, alguns deles mesmo antes do seu encerramento oficial, como Lula da Silva, do Brasil, e Bush.
Tudo acabou em acordos bilaterais entre países, ou grupos de países, sem resoluções que abrangessem, ao menos, uma maioria de unanimidade.
Se a ALCA não progrediu, talvez evolua o MERCOSUL, o mercado comum das Américas Central e do Sul, constituído, por enquanto, pelo Brasil, a Venezuela, o Paraguai, o Uruguai e a Argentina.
O México, que privilegiava a ALCA, agora deseja integrar esta comunidade.
Por seu lado, Chávez, da Venezuela, pretende enterrar a ALCA definitivamente.
Quanto a Lula, diz não ser oportuno falar disso neste momento, nas vésperas da Organização Mundial do Comércio (OMC) onde serão ensaiados vastos acordos com parceiros de grande peso, como seja a União Europeia.
Parece, pois, que a discussão sobre a ALCA, a que Bush tanto aspira, seria coisa antecipadamente adiada, por razões e conveniências de vários intervenientes.
A passagem relâmpago do presidente americano pelo Brasil, logo após a fracassada 4ª Cimeira das Américas, aparentemente nada adiantou para a qualidade de vida do povo brasileiro. Povo brasileiro que o recebeu com insultos de "nazi" e "assassino", em violentos protestos que começaram dois dias antes da sua chegada.
Da curta conversa que antecedeu o almoço oferecido por Lula a Bush na Granja do Torto, a casa de campo da presidência, resultou um comunicado conjunto feito de elogios mútuos e lugares comuns, de que sobressai a cooperação nas áreas da Ciência, Educação e Saúde, sem se explicar concretamente o quê, quando e como.
Também aqui nada de novo e relevante se acrescenta à vida do Brasil e, por consequência, dos brasileiros. E será que alguém esperava algo de maravilhoso e espectacular? Por exemplo, Lula será tão ingénuo que tenha insistido num lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, ao som dos petardos dos escândalos de corrupção que todos os dias acrescentam novos dados, sugerindo o seu envolvimento e do seu Governo? Se teve essa coragem, ou "inocência", nada transpirou.
Já para os EUA, não se sabe o que Bush pode ter levado. Os próximos tempos o dirão.
Bush não esteve no Brasil. Tocou, e só muito ao de leve, no Brasil. Mesmo assim, a medo e com medo. Com tanto medo que da sua comitiva de 700 pessoas faziam parte 300 seguranças, entre gente do FBI, peritos antibomba e especialista em guerra química, fora o que não se sabe.
Com esse medo que os ricos têm dos esfomeados, chegou a pedir que toda a zona onde se encontrou e almoçou com Lula fosse passada a pente fino pelos seus homens.
O Governo brasileiro negou.
Na verdade, seria interferência demais. Mas, bem vistas as coisas, revela a imagem de insegurança que o Brasil passa para o resto do mundo. A insegurança que constitui mais um problema, dos mais graves e prementes do Brasil, em que a Administração Lula da Silva se tem mostrado incompetente. E Bush fugiu. Se foi por isso, com toda a razão.



terça-feira, novembro 01, 2005

AS BRUXAS ANDAM À SOLTA HÁ MUITO TEMPO

Halloween, aquilo que é hoje uma animada festa conhecida em português por Noite das Bruxas, significa "véspera do dia de Todos os Santos". Como tal, tem lugar em 31 de Outubro. Teve lugar ontem, portanto.
De origem que remonta a muitos séculos atrás, o que chega até nós é uma mistura já adulterada de tradições cristãs e pagãs.
No cristianismo arcaico, ela representava a vigília da festa de Todos os Santos, em que se homenageavam os eleitos da corte celeste que não tinham dia próprio no calendário.
Nos ritos pagãos, identificava-se, por um lado, com o Festival da Colheita, que os Romanos realizavam em honra da sua deusa das frutas, Pamona, e, por outro, com o Festival Druida de Samhain.
Foi principalmente desta faceta que a Noite das Bruxas colheu os seus elementos da folia dos nossos tempos. Mas, em épocas ancestrais, as coisas não eram assim tão engraçadas.
Segundo a lenda, nesse dia, Samhaim, o Senhor da Morte e Príncipe das Trevas, reunia as almas dos que tinham morrido durante o ano para as levar para o céu dos druidas, os sacerdotes celtas. Isso marcava, simultaneamente, o fim do Verão e o fim do ano céltico.
Os druidas invocavam, então, forças sobrenaturais para aplacar os espíritos malignos, e acendiam fogueiras no alto dos montes, de modo a que as almas pudessem orientar-se no caminho das casas onde iam procurar calor e mantimentos para fazer face ao Inverno que se aproximava.
Bruxas, fadas, duendes e outras personagens que povoavam o imaginário popular de então, aparecem misturados com espíritos de mortos que se opunham à doutrina e aos rituais da igreja de Roma, e que nessa noite ridicularizavam a festa de Todos os Santos com os seus próprios divertimentos e chacotas.
Parte do folclore da Halloween, tal como o conhecemos hoje, provém da emigração escocesa de 1840 para a América.
São dele as características lanternas feitas de abóboras (as Jack-O-Lanterns), inicialmente construídas a partir de nabos. Elas evocam a história do avarento Jack que não entrou no céu por esse pecado, e foi expulso do inferno por passar o tempo a pregar patifarias ao diabo. Acabou condenado a vaguear pela terra com uma candeia para alumiar o caminho.
Aos poucos, a Halloween foi-se transformando numa alegre brincadeira que todos os anos se repete, principalmente para a gente jovem.
Mas neste ano as bruxas saíram à rua mais cedo. Vejamos exemplos disso nalguns cantos do mundo.
Na Alemanha, o Partido Social Democrata (SPD) perdeu as eleições para o conservador CDU, União Democrata Cristã, e Gerhard Schröder deixa o cargo de chanceler federal que passa para a sua adversária Angela Merkel.
Em França, dezasseis ex-ministros e directores de grupos empresariais de grande porte foram processados sob variadas denúncias de suborno e gratificações. A seis deles foram aplicadas penas. Um ex-ministro da Fazenda suicidou-se ao ser acusado.
Em Portugal, a cobiçada autarquia de Sintra, perto de Lisboa, foi perdida em eleições recentes por João Soares, o candidato do Partido Socialista (PS). O pai, Mário Soares, que foi presidente da República em dois mandatos, no próprio dia das eleições apelou ao voto no seu João, o que, além de ser discutível do ponto de vista do decoro, é ilegal.
Na América, o presidente Bush esteve a braços com dois sortilégios recentes, aliás, ainda não quebrados. Primeiro, Harriet Miers, colaboradora de longa data do presidente, e sua proposta para preencher um dos lugares vagos no Supremo Tribunal, foi rejeitada pelo Congresso. Segundo, Lewis Libbly, chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney, e também conselheiro do presidente, renunciou ao cargo. Ele foi acusado por um promotor federal de ter obstruído a Justiça, prestado falsas informações a investigadores policiais, e mentido sob juramento perante um júri.
Cuba, a espinha atravessada na garganta do Tio Sam, sumiu, desapareceu do mapa. Afundou-se, qual Atlântida, ou desapareceu no ar, sugada por um OVNI. Assim se explica o facto de não ter sido convidada para a Cimeira Ibero-Americana, nem para o Encontro das Américas.
No Brasil, bem... no Brasil as bruxas andam à solta desde há vários meses. Os feitiços estão bem patentes nos noticiários de imprensa, de rádio e de tv que todos os dias cativam a atenção do público.
Pessoalmente, não acredito em bruxas. Mas que elas existem, isso existem.
E para quem, como eu, no Brasil, não acredita em bruxas, digo que as bruxas podem ser vistas nos telhados dos edifícios do Senado e da Câmara dos Deputados, das assembleias legislativas estaduais, dos ministérios, dos tribunais, das polícias, dos partidos políticos, das empresas estatais, e, até, do Palácio do Planalto, sede do Governo do presidente Lula da Silva, disfarçadas de pombas que arrulham alegremente: cu-corru-pto, cu-corru-pto, cu-corru-pto.



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