CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

Statistiche sito,contatore visite, counter web invisibile TRANSLATE THIS PAGE

domingo, maio 27, 2007

INSTANTÂNEOS (17)

► "O assalto ao banco nosso de cada dia".
Mais palavras para quê? Isto é Brasil
► Perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), um controlador de tráfego aéreo declarou que há 15 dias esteve perto um novo desastre nos céus do Brasil por iminência de colisão entre um Boeing lotado de passageiros e um avião da Força Aérea. Confirmou que há zonas cegas e muitos problemas com o equipamento.
► "A maioria dos controladores de tráfego aéreo brasileiros tem outras profissões e não fala Inglês".
► Há mais de 20 dias a USP, Universidade de São Paulo, está ocupada por estudantes, funcionários e, mais recentemente, por professores também. Eles reivindicam aumento de verbas, mais autonomia e obras nos edifícios danificados. A USP tem 80,5 mil alunos, 5 mil professores e 15 mil funcionários.
► Cada estudante da USP custa aos cofres públicos 42 mil reais (16 mil euros).
► Pesquisa realizada por uma universidade brasileira, revela que as faculdades de Medicina e de Odontologia do país não preparam os futuros profissionais para emitirem diagnóstico em situações de dor crónica.
►A população brasileira cresceu 4 vezes em 60 anos e, embora a taxa de analfabetismo tenha sido reduzida a um quinto do que era, manteve-se o número absoluto de analfabetos.
► O Brasil é o país onde os jovens mais consomem álcool. O número estimado de alcoólicos é de 13% da população. Os acidentes de trânsito ocasionados por álcool representam 61% do total de desastres.
► Desde o início do ano, o número de atingidos por balas perdidas no Rio de Janeiro devido aos recontros entre Polícia e bandidos é de 88 (mais 34% do que em igual período do ano passado).
► A deslocação do bandido Fernandinho Beiramar para novo julgamento no Rio de Janeiro, desta vez apenas para audição de testemunhas, custou ao erário 17 mil reais (6 mil e 300 euros). Nas 17 viagens já efectuadas, gastaram-se 220 mil reais (81,5 mil euros). Beiramar era procurado por várias Polícias, incluindo a americana, como um dos maiores traficantes de droga do globo. Acabou por ser preso na Colômbia. Ele é, também, o chefe do crime organizado no Rio, líder da organização "Comando Vermelho".
► No Rio de Janeiro foi desmantelada uma quadrilha de roubo de automóveis, à razão de 10 carros por semana, destinados a desmancho para venda de peças no mercado paralelo. O chefe da quadrilha era um agente da Polícia, coadjuvado por um bombeiro. O grupo possuía 23 armazéns para o efeito, e estava, também , ligado a tráfico de drogas e assassinatos.
► Numa macro operação designada "Navalha", a Polícia Federal prendeu 46 indivíduos (ex-governadores de estado, deputados, autarcas, funcionários federais, um assessor especial de ministro, um alto responsável da Caixa Económica Federal, empresários), implicados num golpe de corrupção de funcionários públicos e fraude em licitações de obras públicas. A sangria, à razão de 2 milhões de reais por mês (741 mil euros) em 9 estados e no Distrito Federal, já vai em 100 milhões de reais, de 2000 a 2006 (37 milhões de euros), acrescidos de 75 milhões de reais (28 milhões de euros) gastos em convénios e avenças. As licitações eram sempre ganhas pelo mesmo empresário, "dono" de 14 empresas fantasmas, que, muitas vezes, não tinha concorrentes. As obras (casas populares, edifícios públicos, quadras desportivas, pontes, estradas, ruas, abastecimento de electricidade a povoações e outros grandes empreendimentos) ou nunca foram começadas, ou foram abandonadas no início após o recebimento do dinheiro do contrato. Outras foram efectuadas com tais deficiências que se tornaram inutilizáveis logo a seguir à inauguração.
► O ministro das Minas e Energia, sob suspeita da operação "Navalha" de ter recebido 100 mil reais de comissões (37 mil euros), pediu a demissão. Ele pertence ao PMDB(Partido do Movimento Democrático Brasileiro), da coligação que apoia o presidente Luís Inácio Lula da Silva. Tinha sido indicado para o ministério por duas figuras de proa: o senador Renan Calheiros, presidente do Senado, e o senador José Sarney, ex-presidente da República, chefe do clã da poderosa família Sarney, de que alguns dos seus integrantes andam envolvidos em escândalos políticos e financeiros. Após a denúncia de envolvimento do ministro, os dois deixaram-no cair, daí o seu pedido de demissão. Entretanto, para escolha do substituto, foram consideradas as opiniões daqueles dois senadores e do próprio ex-ministro (palavras para quê? Isto é Brasil).
► "O presidente do Senado, Renan Calheiros, é o político do alto clero [de maior influência] mais citado nos grampos [escutas] telefónicos que captaram as conversas do dono da Gautama [a empresa de construção civil cabecilha do escândalo], Zuleido Veras, e de seus interlocutores, quando o tema são as obras federais em Alagoas [estado Nordestino]. Num diálogo com um funcionário da Gautama, Rosevaldo Pereira de Melo, Zuleido quer demonstrar que tem intimidade com o presidente do Senado e aposta que ele não interferiria para resolver uma pendência da Secretaria de Infra-Estrutura de Alagoas.
Era 30 de Junho do ano passado e, logo em seguida, Zuleido é lembrado por Fátima Palmeira [funcionária da empresa] de que era aniversário de Renan. Ele pede que Fátima mande telegrama de felicitações. Em fevereiro, Fátima encontra-se em Salvador e fala ao telefone com outro funcionário da empresa, Fernando, que está em São Paulo. O nome do governador de Sergipe, Marcelo Déda, surge na conversa sobre Renan. O grampo anota: 'Fernando diz que, em Maceió, esteve com Renan Calheiros, ele falou que vai sair 'um bilhão', para Marcelo Déda dar continuação à adutora do São Francisco (SE)... que Renan garantiu que não vai faltar dinheiro pra obra de Pratagy (Rio Pratagy) e que deverá haver ampliação...'.
Em junho de 2006, Zuleido recebe telefonema do funcionário da Secretaria de Obras de Camaçari Everaldo José de Siqueira Alves e ouve a recomendação de que 'tenha cuidado com Olavinho, pois parece que o mesmo fica em cima'. Olavinho, segundo anota o policial encarregado da escuta, é o deputado Olavo Calheiros, irmão de Renan.
No dia 23 de abril do ano passado, o grampo da PF flagra uma conversa do secretário de Infra-estrutura de Alagoas, Adeilson Teixeira, e o representante do governo de Alagoas em Brasília, Eneas de Alencastro Neto. Os dois tratam de inclusão de obras de Alagoas no PAC e falam de Renan e da ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil da Presidência da República.
'Enéas diz que eles vão tocar a parte deles, que, se depois Renan decidir com Dilma, com quem for, decidir que a Prefeitura entra, que aí eles estão habilitados e que aí eles sentam com eles em pé de igualdade, que não senta na mão deles', diz a transcrição".
► O alvoroço, com insultos e ameaças, quase de confronto físico, entre governistas e oposicionistas, criado na Câmara dos Deputados por causa de uma possível CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para levar às últimas consequências uma investigação sobre a operação "Navalha", indicia que muitos dos parlamentares estão envolvidos, directa ou indirectamente, no escândalo.
► Um juiz do STF (Supremo Tribunal Federal) viu o seu nome envolvido no escândalo "Navalha", por constar de uma lista de beneficiários de "presentes" distribuídos pela empresa de construção civil, conhecida como cabeça da máfia das Obras Públicas. Dizendo-se inocente, porque o seu nome na lista pertenceria a outro indivíduo, o juiz, muito irritado, classificou a informação de "canalhice", e insurgiu-se contra a imprensa que divulgou a lista de corruptos. No entanto, não foi capaz de justificar juridicamente a sua ordem de soltura para muitos dos implicados, alguns dos quais nem sequer foram ouvidos.
Mas... irritações e juras de inocência está o país farto de ouvir aos maiores malandros da sociedade brasileira. E de testemunhar tentativas para calar a comunicação social também.
► "Mesmo sem depor, sobrinhos do governador do Maranhão são soltosOs dois sobrinhos do governador do Maranhão, Francisco de Paula Lima e Alexandre Maia Lago, foram libertados, apesar de terem se negado a prestar depoimento sobre a Operação Navalha. Os habeas-corpus foram concedidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Eles são suspeitos de fraudar licitações do governo do Maranhão em benefício da construtora Gautama. Ontem, o diretor do Programa Luz para Todos, José Ribamar Santana, também se demitiu. Foi o terceiro integrante do Ministério de Minas e Energia a deixar o cargo. Na manhã de hoje, foram retomados os depoimentos dos investigados pela Polícia Federal".
► Na seqüência da operação "Navalha", e, provavelmente das irritações de senhores juízes e parlamentares, o ministro da Justiça (?), do partido do presidente Lula da Silva, deu instruções à Polícia Federal para a compra de carros celulares destinados a figuras VIP (no Brasil há bandidos de 1ª e bandidos de 2ª, ambos sustentados pelos impostos dos que trabalham). Os novos carros não terão grades, os assentos serão confortáveis, e os vidros terão película negra para não se poder ver o interior – o que é proibido por lei.
Palavras para quê? Isto é Brasil...
► "Além dos milhões de reais desviados dos cofres públicos e consumidos em comissões todos os anos, a corrupção custa ao Brasil cerca de R$ 1,5 bilhão por ano em perdas indiretas. Esse é o total de recursos que deixam de ser gerados por causa dos efeitos da corrupção sobre os investimentos, os gastos do governo, a inflação, a educação e a credibilidade do País, segundo cálculos do especialista Axel Dreher, professor do centro de pesquisas de conjuntura do Instituto Económico Suíço. Com esse dinheiro, o governo federal poderia tapar os buracos de 4 mil quilómetros de estradas."
► A organização Transparência Internacional, que estuda 160 países no tocante à corrupção, atribuiu ao Brasil o lugar 70º, e definiu-o como muito vulnerável ao poder económico, ao poder político e ao crime organizado.



domingo, maio 20, 2007

INSTANTÂNEOS (16)

► As multas por excesso de velocidade na cidade de São Paulo rendem aos cofres públicos, em média, 5 milhões de reais por mês (quase 2 milhões de euros).
► Em Foz do Iguaçu, cidade do estado de Paraná (região sul do Brasil), com menos de 300 mil habitantes, registam-se 223 mortes em cada 100 mil habitantes com idades entre os 18 e os 24 anos (3 vezes o registado no Rio de Janeiro, cidade violenta por excelência). Razão principal, assuntos relacionados com a droga. Na maioria dos casos, os processos ficam inconclusivos, ou por "falta de suspeitos", ou por "falta de testemunhas"...
► Quando no domingo 13, de regresso ao Vaticano, a aeronave da Alitália que transportava o papa Bento XVI quis transmitir uma mensagem de agradecimento de Joseph Ratzinger ao Brasil e aos Brasileiros, recebeu apenas silêncio da torre de controlo. Foi outro avião, de uma companhia aérea brasileira que, por acaso, passava perto, que teve de servir de intérprete. É que os pilotos dos outros países e as torres estrangeiras comunicam em Inglês. Os controladores de táfego aéreo do Brasil falam Português – e mal.
► Inquérito realizado por um órgão estatal ligado à Cultura apurou que 7 em cada 10 brasileiros nunca visitaram uma exposição.
► Na cidade do Rio de Janeiro, 10 mil pessoas, na maioria alunos, professores e funcionários de escolas, correm diariamente o risco de morrer devido a confrontos entre Polícia e bandidos. Aquele número revela um aumento de 56%' em menos de 1 ano.
► No Brasil há carência de 700 mil professores para leccionar Matemática, Física, Química, e Biologia nos ensinos fundamentais e médio, o que degrada cada vez mais a qualidade do ensino. No Nordeste, são aprovados alunos nestas matérias sem terem freqüentado aulas.
► Desde 1 de Janeiro a 7 de Maio deste ano, praticaram-se 1686 homicídios na cidade do Recife. Em igual período do ano passado, os homicídios foram 1583.
► Numa praça de tráfico de droga na cidade de São Paulo houve 6 incursões de chacina com 26 execuções, lavadas a cabo por assassinos de motorizada ou de carro. Não foram efectuadas prisões.
► Aproveitando a visita do papa Bento XVI ao Brasil e o desvio da atenção dos cidadãos para o evento, os parlamentares aproveitaram a ocasião para se aumentarem a si próprios, ao presidente da República e aos ministros em 28,5%; só de ordenado, fora as restantes verbas que são muitas e chorudas, passam a auferir de 43 salários mínimos (6,52 mil euros). Tal verba representa um acréscimo anual nas despesas públicas de 600 milhões de reais (cerca de 230 milhões de euros), fora os efeitos cascata que o aumento vai gerar.
► O aborto clandestino no Brasil, quarta causa de morte entre as mulheres, custa ao Estado 20 milhões de reais por ano (7,5 milhões de euros).
► Os fundos das cobranças das visitas ao Cristo redentor, no Rio de Janeiro, estavam a ser desviados à razão de 500 mil reais por mês (185 mil euros). Foram feitas 22 prisões, nas quais as de 7 agentes da Polícia, pertencendo 6 deles ao Batalhão de Turismo.
► Numa macro operação designada "Navalha", a Polícia Federal prendeu 46 indivíduos (ex-governadores de estado, deputados, autarcas, funcionários federais, um assessor especial de ministro, um alto responsável da Caixa Económica Federal, empresários), implicados num golpe de corrupção de funcionários públicos e fraude em licitações de obras públicas. A sangria, que se efectuava à razão de 2 milhões de reais por mês (741 mil euros) em 9 estados e no Distrito Federal, já vai em 100 milhões de reais, de 2000 a 2006 (37 milhões de euros), acrescidos de 75 milhões de reais (28 milhões de euros) gastos em convénios e avenças. As licitações eram sempre ganhas pelo mesmo empresário, "dono" de 14 empresas fantasmas, que, muitas vezes, não tinha concorrentes. As obras (casas populares, quadras desportivas, pontes, estradas, ruas, abastecimento de electricidade a povoações e outros grandes empreendimentos) ou nunca foram começadas, ou foram abandonadas no início após o recebimento do dinheiro do contrato. Outras foram efectuadas com tais deficiências que se tornaram inutilizáveis logo a seguir à inauguração.



sábado, maio 19, 2007

RESCALDO DE UMA VIAGEM DISPENSÁVEL

Antes de sair do Vaticano para a viagem ao Brasil, Bento XVI já sabia que o presidente da República do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, não aceitaria dialogar sobre a questão do aborto, nem sobre a questão do preservativo – pontos de suma importância para o sumo pontífice, que ele, contrariado, teve de riscar da sua agenda de trabalho.
Decidiu, então, desferir a sua raiva lá do alto, literalmente, do avião a meio caminho entre o Vaticano e o Brasil, defendendo a excomunhão dos políticos pró-aborto sentenciada pelos bispos mexicanos.
Diga-se, entre parêntesis, que se depois dos políticos forem excomungados todas as mulheres que já fizeram abortos, os homens coniventes e o pessoal de saúde que, às claras ou às escondidas, os executam, para não falar já dos membros do clero (eles e elas) que ao aborto recorrem, este planeta poderá, muito em breve, ter de mudar o nome de Terra para Terrífico. Por outro lado, se a excomunhão só atinge os católicos, porque em outras coutadas Bento XVI não mete o bedelho, será de uma grande injustiça não poderem irmanar todos na mesma excomunhão geral, como acontecia na Idade Média, quando o Santo Ofício, vulgo Inquisição, não poupava brancos, pretos, amarelos, cristãos, judeus ou sarracenos. Isto deve constituir uma profunda mágoa para SS Joseph Ratzinger, uma vez que ele foi, durante 23 anos, o chefe máximo da Congregação para a Doutrina da Fé, o nome actual da vivíssima Inquisição.
Mas voltemos à viagem papal.
Logo que soube da reacção pública das mulheres do México e do Brasil, os países com maior número de católicos no mundo, mulheres, muitas delas católicas, que disseram alto e bom som que o aborto é uma questão de consciência, individual, pessoal e íntima, quis dar o dito por não dito através do padre chefe da Sala de Imprensa do Vaticano: Bento XVI, ficámos a saber (devemos ter ouvido mal da primeira vez) não defendeu uma excomunhão oficial (pelos vistos também há excomunhões oficiosas) de todos os políticos que votam em favor de leis abortivas (seria, pois, só de alguns; de quais partidos? Quem? Porquê?). Apenas queria justificar a decisão dos bispos mexicanos (isto é, sem mais artifícios de linguagem, abençoar aquela decisão).
Curiosamente, os políticos de Portugal, onde foram recentemente aprovadas as tais "leis abortivas", não mereceram qualquer reparo do Vaticano. Será porque em Portugal existe um santuário chamado Fátima, que enche todos os anos os cofres do Vaticano com alguns milhões de euros?
Em favor da condenação das "leis abortivas", Bento XVI brindou-nos com algumas afirmações que nos indicam que ou não raciocina bem, ou não vive neste mundo (ou talvez as duas coisas). Vejamos:
· (...) "o que está na lei da Igreja, que expressa nosso apreço pela vida e pela existência do ser humano desde o primeiro momento da vida".
Então, por que SS Joseph Ratzinger não aplica excomunhões, de que parece ter muita fartura lá em casa, aos responsáveis – todos – pelos morticínios devidos à guerra no Iraque, incluindo o assassínio político de Saddam, no Afeganistão, em África; pela fome em África, na Ásia e na América Latina; pelo desrespeito pelos direitos humanos na China, em Cuba, nos EUA, na Rússia, na generalidade da América Latina, em tantos países de África; enfim, por que não faz uma ronda séria pelo planeta de caneta vermelha em punho para ver quem precisa de uma excomunhãozinha? Já agora, de uma só penada, Bento XVI poderia excomungar todos os regimes políticos autoritários do globo. Poderia, mas não pode, quanto mais não seja porque a sua Igreja é um exemplo acabado de autoritarismo. Ela impõe censura intelectual e silêncio, com proibição de falar, escrever e ensinar, aos seus clérigos que querem ter o direito de pensar e de exprimir o pensamento. Veja-se os casos mais recentes do teólogo e escritor brasileiro Leonardo Boff e do teólogo Jon Sobrino, de São Salvador.
· (...) "as raízes das legislações pró-aborto são o egoísmo e o medo(...). A vida é um presente, não uma ameaça".
Então, por que SS Joseph Ratzinger falou à multidão em São Paulo de uma janela do mosteiro de São Bento expressamente blindada para a ocasião? Quem tem medo de quê e de quem?
· (...) "a vida é bonita e não há razão para duvidar disso, ela é um presente mesmo quando vivida em circunstâncias difíceis. É sempre um presente".
Pela tradição histórica da Igreja católica, Bento XVI conhece bem o significado da expressão "presente envenenado". Queira Ratzinger partilhar com alguns aposentados brasileiros da sua idade um casebre no sertão Nordestino, ou, se preferir zona mais citadina, na favela da Rocinha ou no morro do Alemão, com todos os tiros, fome, droga, insalubridade e falta de saúde a que tem direito quem lá vive. Vá! Depois falamos...
Para o diário argentino "La Nación", "a visita do Papa Bento XVI ao Brasil foi um fracasso(...). Nestes cinco dias, Joseph Ratzinger não conseguiu reunir as multidões que se esperava (...) o público de 40 mil pessoas no encontro com jovens no Pacaembu, onde se esperavam 70 mil, e os 150 mil que estiveram no domingo em Aparecida, no lugar do estimado 1 milhão".
Segundo o jornal americano "Washington Post", (...) "em contraste, a polícia estimou que uma parada anual organizada por igrejas evangélicas no ano passado atraiu 1 milhão, uma parada de orgulho gay em São Paulo reuniu 3 milhões, e um show grátis dos Rolling Stones no Rio de Janeiro no ano passado foi visto por cerca de 1,5 milhões de espectadores".
Isto não significa que os católicos se afastaram da Igreja; significa, sim, que a Igreja se afastou dos seus crentes, como, de resto, Bento XVI reconhece: (...)"pediu ao clero latino-americano para alimentar a fome espiritual como forma de aliviar a pobreza [sem comentários] e interromper o constante declínio da Igreja Católica na região" (reportagem do jornal americano "The New York Times").
Tudo isto explica a desesperada pressa do Vaticano, desde fins de 2006, para que o Brasil assine um acordo com vínculo de tratado internacional entre Estados, com destaque para:
· Consolidação de todas as isenções fiscais que recebe.
Isto é, os brasileiros que trabalham são obrigados a pagar os seus impostos; os clérigos, na generalidade improdutivos, usufruem de todos os bens, produtos e serviços do país sem pagar taxas.
· Ensino católico nas escolas brasileiras.
E as outras opções, os Baptistas, os Anglicanos, os Luteranos, os Mórmons, todas as seitas religiosas, os Cristãos Ortodoxos, os Budistas, os Hinduístas, os Judeus, os Maometanos, os Gnósticos, os Agnósticos, os Ateus? De novo a expressão do sectarismo do Vaticano de Bento XVI.
· Autorização para que os missionários possam entrar em reservas ecológicas e indígenas.
O Vaticano quer correr atrás das outras Igrejas e seitas que já lá estão. Esquece-se de que as cruzadas já acabaram, e de que a colonização religiosa do Brasil pelos Jesuítas teve lugar há cinco séculos atrás.
· Reconhecimento de que a Igreja tem plenos poderes sobre sua estrutura de poder e hierarquia.
Por outras palavras, o Vaticano pretende isentar os seus clérigos safados, homicidas, pedófilos, e por aí fora, da justiça civil; ficariam sob a coberta do perdão penitencial da Igreja. O Vaticano parece desconhecer que o Direito Canónico diz respeito à Igreja católica, mas que o Direito Civil atinge todos os cidadãos, com ou sem bênção apostólica.
· Responsabilização do governo pela preservação dos patrimónios da Igreja (capelas, igrejas, mosteiros, catedrais).
Ou seja, para além de não pagar impostos, a Igreja católica brasileira pretende que os edifícios onde granjeia os fundos que a sustenta e que sustentam o Vaticano sejam mantidos pelo dinheiro dos contribuintes (católicos ou não).
A perda de prestígio, de influência e, principalmente, de receitas, a tanto obrigaram o Vaticano, com o risco da humilhação de uma recusa por parte do Brasil.
E o risco cumpriu-se.
O ministério das Relações Exteriores do Brasil devolveu o documento, remetendo todas as questões para a Constituição e para o Código Civil – em boa hora.
Além disso, o presidente Lula da Silva adiantou a Bento XVI, para que não restassem dúvidas, que o Brasil não abria mão de continuar sendo uma república laica.
De tanto se ter afastado da doutrina que lhe deu origem, por via de traições e oportunismos ao longo da História, a Igreja católica, representada, talvez abusivamente, pelo Vaticano, deixou de ser Igreja para se transformar em Estado/Empresa.
Cada vez mais assumido aos olhos do mundo como dogmático, autocrático, silenciador de opiniões diferentes, carrasco, entre outras apreciações, o Vaticano vive no delírio da ressurreição, nos dias de Hoje, no séc. XXI, da mentalidade dirigista e inquisitorial da Idade Média do séc XIII.
Mas se é verdade que o Vaticano não só parou no tempo como retrocedeu, com este papa e o anterior, se é verdade que os progressos conseguidos pelo saudoso Papa João XXIII no Concílio Vaticano II estão a ser desmantelados desde João Paulo II, com a mãozinha do cardeal Joseph Ratzinger, não é menos verdade que o mundo continua a sua marcha, indiferente às ameaças caducas e senis do patrão da Santa Sé.
Os resultados da viagem ao Brasil de SS Joseph Ratzinger, cognome Bento XVI, são uma prova disso.



segunda-feira, maio 07, 2007

A SANTA INQUISIÇÃO VAI AO BRASIL

Três semanas antes da visita de Joseph Ratzinger, SS, cognome Bento XVI, as estações de televisão do Brasil divulgaram uma estatística do Vaticano, supostamente baseada em dados de 2005, segundo a qual o Brasil teria um número de católicos de 86% (o que corresponderia, aproximadamente, a 176 milhões de pessoas). A mesma notícia prometia que o relatório vaticanense seria publicado na íntegra em quatro dias. Passado quase um mês, tal relatório ainda não apareceu.
Na mesma data, o fidedigno IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) registava pouco mais de 70% de católicos, de acordo com o último censo credível sobre a matéria, o de 2003.
No passado dia 3, foi publicada a conclusão dum inquérito feito a nível nacional por uma empresa da especialidade e credenciada no Brasil: os católicos estarão na faixa dos 65%, e, desses, 46% nem sequer conhecem o nome do papa.
Então, várias questões se colocam:
1. Onde, quando, como e por quem foram colhidos os dados que teriam servido de base ao "trabalho estatístico" do Vaticano?
2. Quais os parâmetros para a definição de "católico? Algumas hipóteses possíveis:
· os baptizados; em 99,9% dos casos são crianças sem qualquer poder de decisão e alheias a tudo que não seja mais do que as suas necessidades fisiológicas básicas;
· os casados pela Igreja; na maioria escolhem esse cenário de pompa e circunstância como auto-promoção nos órgãos de comunicação social, ou, os mais modestos, como meio possível de destaque dentre os quase iguais da sua colectividade;
· os da primeira comunhão, comunhão solene e crisma; para estes, a cerimónia vale, acima de tudo, pela festa que vem a seguir; e para as famílias e convidados também;
· funeral católico; aqui funciona, em primeiro lugar, a tradição urbana, a repugnância de ter um morto em casa, o medo supersticioso, e a opinião pública;
· a missa dominical; quantos são, como são, por que estão, ninguém sabe.
3. Por que o prometido relatório para daí a quatro dias, que esclareceria tudo isto, nunca foi publicado?
Outras perguntas se impõem:
· Porquê esta "revelação" estatística do Vaticano, tão desacertada, para não dizer mentirosa, em vésperas da visita de SS Bento XVI?
· Se for (ou fosse) tamanha a fidelidade da gente do Brasil ao Vaticano, por que se daria SS ao trabalho e à despesa, que não é pouca (embora a maior parte seja por conta do pobre país visitado) de se deslocar a terras brasileiras?
· Porquê SS visita apenas alguns dos grandes centros urbanos do Brasil, deixando para lá, deliberadamente, os sertões, as terras secas e famintas, o chão dos miseráveis, dos defavorecidos pela política e por uma Igreja que do alto dos seus tronos opulentos enxota os pobres, as terras esquecidas dos turismos papais?
Se a percentagem de católicos apregoada pelo Vaticano para o Brasil fosse essa, segundo a lógica do Vaticano SA não faria sentido a deslocação de SS Joseph Ratzinger ao Brasil.
Aliás, o Vaticano nunca esclareceu de uma forma concreta e/ou apostólica quais os motivos da visita de Bento XVI a este país da América Latina.
No entanto, para quem tenha seguido com atenção o percurso da Igreja católica desde João XXIII, a questão não será tão obscura assim.
Quando o actual chefe do Vaticano foi eleito pelo Colégio dos Cardeais, ou melhor, confirmado no cargo que vinha exercendo na sombra, a primeira visita oficial foi à Alemanha. Por ser sua terra natal? Isso terá servido de pretexto. A verdadeira razão centrava-se no afastamento das igrejas, por parte de uma preocupante percentagem de católicos alemães. Vindo da Alemanha, um país rico, tal afastamento representava uma espectacular quebra nas receitas do Vaticano.
A viagem do papa à Alemanha, visava, pois, repor a solidez financeira das dádivas dos católicos alemães. Missão que acabou por originar um incidente diplomático, um grave conflito com o mundo islâmico, o segundo em menos de dois anos de papado, quando Joseph Ratzinger, demagogicamente, ao tentar reconquistar adeptos, foi ao encontro dos sentimentos racistas dos alemães a quem se dirigia.
De igual modo é a óptica contabilística que o leva ao Brasil.
Malgrado o pregão triunfalista do Vaticano sobre a percentagem de católicos no Brasil, é sabido que, neste país, igrejas e seitas religiodas nascem como cogumelos no chão húmido.
Em qualquer vão de escada ou fundo de quintal, todos os dias aparece um novo culto cujos "pastores", na maioria sem qualquer tipo de preparação mas com esperteza que sobra, viram aí uma forma cómoda de sobreviver sem trabalhar. Tão bem sobreviver que muitos fizeram fortuna; e, alguns, de tal forma ostensivamente criminosa que acabaram na cadeia, acusados de formação de quadrilha, falsidade ideológica e exportação ilegal de divisas.
Num país de fome, doença, miséria, com a pior distribuição de rendimentos do mundo (à excepção da Serra Leoa, que acabou de sair de uma guerra civil de 10 anos), onde os muito ricos são poucos e os muito pobres são a maioria, onde os órgãos do Poder são formados por gente apenas interessada no seu próprio enriquecimento, a esperança de dias melhores centraliza-se na religião. Se a católica não cumpre o compromisso nem dá esperança, outras vão tomando o seu lugar, com propostas novas, embora do mesmo modo sem consequência para a qualidade de vida material e espiritual dos fieis.
E é essa sangria diária de milhões de cifrões que preocupa o presidente director-geral do Vaticano SA.
Por isso aí vai ele ao Brasil, para separar o trigo (a Igreja católica) do joio (as igrejas e seitas concorrentes).
Por outro lado, ele vai também como guardião "da moral e dos bons costumes", ou não fora, durante 23 anos, o patrão da Congregação para a Doutrina da Fé (o novo nome da tenebrosa Inquisição), ou seja, o Inquisidor-mor.
Nessa qualidade, reprimiu tudo o que era teólogo que saísse da sua linha de doutrina rígida, medieval; proibiu a livre expressão do pensamento filosófico e teológico de membros do clero que ousassem pôr em causa os cânones instituídos; condenou sem remissão todas as denominações cristãos foragidas da Igreja católica, incriminando-as de não serem igrejas verdadeiras.
Durante os muitos anos da prolongada doença do reaccionário João Paulo I, foi Joseph Ratzinger quem cuidou dos negócios do Vaticano. Nessa época a pastoral da Igreja católica começou a mostrar-se ainda mais retrógrada e monolítica, a ponto de se pôr em bicos de pés para proibir o livro "O Código da Vinci"; não o conseguiu, mas impôs aos seus fieis que não o lessem – o que constituiu uma excelente publicidade para o livro, diga-se de passagem.
É esta personalidade que visita o Brasil, na dupla função de cobrador de impostos e zelador das virtudes no comportamento.
E a lógica das virtudes é, ainda, a do cifrão.
Como inquisidor, SS Bento XVI aproveitará para dar uns puxões de orelhas aos bispos da Conferência episcopal brasileira por não se terem empenhado para erradicar da comunicação social, da publicidade e das instituições o aconselhamento do uso do preservativo.
Num país de grande liberalidade sexual como é o Brasil, onde o deboche tem a sua prática permitida (quando não mesmo subrrepticiamente estimulada) em época própria, o Carnaval, a "camisinha" é o veículo para uma desestruturação familiar ainda maior do que a que já existia.
Bento XVI não concebe a Família fora dos padrões da família nuclear, una e indivisível, mesmo que todos andem ao tabefe dentro de casa. Não só não aceita como condena segundos casamentos (terceiros e quartos, impensáveis, são obra demoníaca). Não só não aceita como condena famílias homossexuais, e de forma muito particular, com filhos.
Por tudo isto as famílias não canónicas se afastaram de uma Igreja que as escorraçou, que não as quis compreender e integrar, que as estigmatizou e rotulou perante o mundo, o mundo que começa no bairro onde se vive.
Tais famílias marginalizadas deixaram de pagar o dízimo, e de fornecer vocações para os seminários – locais de formação de futuros cobradores de dízimo por delegação.
Esta é a outra vertente das preocupações financeiras de Ratzinger.
Esta é outra das razões da visita papal ao Brasil.
Mensagens novas Bento XVI não apresentará, já porque não as tem, já porque esse não é o seu objectivo na viagem.
Ao que se diz, vai canonizar um santo brasileiro.
Folclore.
Mas que mais se poderia esperar de um chefe de uma Igreja que há muito cultiva o ritual por não ser capaz de – ou não querer – coerentemente, com resultados práticos, se colocar ao lado dos tristes e infelizes contra a arrogância das injustiças?



[View Guestbook] [Sign Guestbook] Votez pour ce site au Weborama Estou no Blog.com.pt
eXTReMe Tracker Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons para José Luiz Farinha.