CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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sexta-feira, junho 10, 2005

COMEMORAR O QUÊ?

Hoje Portugal está em festa, um pouco por todo o mundo, o mundo donde ele partiu há seis séculos, o mundo aonde foi chegando desde há seis séculos, o mundo que continua descobrindo, numa diáspora que parece não ter fim.
Uma diáspora não tanto por gosto, mais a contragosto, por imposição. A sorte madrasta de que tanto se tem falado ao longo da sua História, mais não terá sido, até aos dias de hoje, do que fome e outras necessidades básicas não satisfeitas.
A terra é magra, a seca queima, a enchente varre, e a culpa é sempre do além. Não se vislumbra, e muito menos se denuncia, a responsabilidade soberana que traz a marca da incúria e da incompetência de quem nos tem governado; de quem, tendo por missão governar-nos bem, bem se tem governado.
Para que tudo possa continuar na mesma, pretende-se, então, comemorar Portugal nas sete partidas do mundo, com folclore de cheirinho entorpecente: discursos a puxar ao sentimento, mas inconsequentes quanto ao bem-estar do povo; festas e romarias com comida e bebida à farta neste dia, para esquecer a miséria que predomina na pátria durante o ano inteiro; exposições de uma falsa grandiosidade, para iludir a pequenez a que fomos reduzidos. Ora, isto não é comemorar Portugal.
Nem sempre a lei escrita acompanha a filosofia do Direito. Quando saí de Portugal para viver noutro país de Língua portuguesa, fi-lo sem desdém, sem raivas atravessadas, sem bater com a porta, sem voltar as costas. É lá que permanece a maior parte das minhas memórias, o que me resta da família genealógica, os bons amigos de sempre, os locais de beleza incomparável que nunca será demais revisitar.
Quando saí de Portugal para viver noutro país de Língua portuguesa, fi-lo no exercício dum direito que me assiste e de um dever que me motiva: os de procurar um lugar onde possa ser feliz de acordo com os meus sonhos. Mas Portugal assim não o entendeu.
Porque sou cidadão em qualquer parte do mundo e em qualquer parte pugno por me manter Português, não me confinei aos limites da União Europeia, não tão "união" assim, para quem sai da sua pátria, não tão "união" assim, pelo que por lá se passa.
Atravessei o oceano e aportei onde há 500 anos outros fizeram o mesmo pela primeira vez, porventura com os mesmos sonhos na cabeça. Acendi o lar num país de dimensões iguais às daquela União. No entanto, daqui contemplo a pátria e continuo a amá-la. Mas o país não o entende assim.
O país que me cobra os impostos pelo trabalho que fiz, pela riqueza que lhe dei ao longo de uma vida, agora que lhe não envio remessas regulares em dólares ou em euros, agora que disponho do meu tempo para trabalhar sem remuneração, quando, como, onde e para quem quiser, esse país não me reconhece o estatuto de emigrante. A Lei não me considera como tal. Eu, que saí do país para outro país, procurando ser e estar melhor, não sou emigrante porque não lhe pago o que, afinal, não lhe é devido. Pergunto-me se o país me julga fugitivo – de quê, de quem? – e não me perdoa o gesto de liberdade assumida para escolher o canto onde viver e morrer.
Nunca reneguei, até agora, o meu país. É ele que me renega, lá e aqui. Renega-me lá e aqui quando fecha missões diplomáticas, deixando os seus representados sem representação, entregues às circunstâncias; quando cobra exorbitâncias de tempo e de dinheiro pelos magros e demorados apoios dos seus consulados; quando não se preocupa, nunca se preocupou, em proporcionar condições no seu solo para o regresso dos seus cidadãos que vivem noutros mundos.
É o país que nos renega.
Comemorar o quê, neste dia?
Dia 10 de Junho. Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Portugal... Portugal range, oscila perigosamente, mete água e... continua placidamente adormecido.
Comunidades Portuguesas... A essas, neste dia a Pátria faz-lhes uma festinha na cabeça, para amanhã, como mãe carregada de filhos com fome, lhes dizer para irem para a rua esmolar. Por isso, mais de metade dos portugueses está fora. Por isso, a maior parte não sente desejo de voltar. Por isso, para os filhos dos seus filhos o país é um lugar além, distante e romanesco, de que se contam estórias, de que se conhece mal a História e a Língua, e que talvez, um dia, se houver tempo e lembrança, se visite.
Resta-me Camões. Comemoro, pois, Camões.
Comemoro em Camões a Língua Portuguesa, e nela exprimo a saudade e o desencanto do meu país lá longe, esperando a vitória, sempre adiada, do sorriso franco no rosto lavado de mágoas dos meus compatriotas.
Enfim, poderá não ser muito, mas já é comemorar alguma coisa neste Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.



1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caro Luiz Farinha
Não sei o que é viver fora de Portugal (para além, evidentemente, dos quatro anos passados, por dois períodos, em Moçambique, quando aquele Estado era ainda colónia portuguesa!), mas sei o que é viver em Portugal com o mesmo desejo que descreve na sua bem construída crónica. Sei o que é ver perder poder de compra com a pensão de reforma que emagrece quando engordam os impostos; sei o que é perder umas miseráveis regalias sociais, clínicas e medicamentosas «oferecidas» pelo regime ditatorial, quando, há 30 anos, me dispunha, como tantos outros jovens, a deixar os ossos por terras de África, ou ficar estropiado, para que o Império continuasse a tecer malhas; sei o que é pagar a gasolina a um preço nunca atingido (mais de um euro, ou seja, mais de 200 escudos por um - disse bem - um litro desse líquido); sei o que é ouvir promessas de políticos que depois de serem Governo fazem tudo ao contrário do que disseram.
Os Angolanos, os Moçambicanos, os Brasileiros, os Caboverdianos, mais outros e, até, os Timorenses, falam Português. Falam a dita Língua de Camões, usando melhor ou pior a gramática que teve o seu primeiro exemplar no tempo de vida do Épico. Contudo, Camões morreu em 1580... em que 80 ou em que zero morrerá Portugal? E nós, os que por cá ficámos?

domingo, junho 19, 2005 4:48:00 da manhã  

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