CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

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terça-feira, novembro 28, 2006

INSTANTÂNEOS 2

► O comércio informal, expressão discreta para comércio paralelo que não paga impostos, representa 45% da economia do Brasil, ocupando 55% da mão-de-obra.
► O registo de uma patente no Brasil demora entre 5 e 12 anos.
► Dos empregados de hotelaria no Brasil, apenas 18% têm formação e reino adequados. Destes, 80% concentram-se em São Paulo.
► Os primeiros 145 dias de salário do brasileiro, ou seja, até 25 de Maio de cada ano, destinam-se ao pagamento de impostos, taxas e contribuições.
Um micro-ondas que custe, em média, 380 reais, sem impostos custaria 140 (1 real vale cerca de 0,38 euros).
► As bolsas-família, um subsídio que o Governo brasileiro atribui às famílias mais carenciadas, abrangendo actualmente 12 milhões,custa aos cofres do estado 710 milhões de reais por ano. Estas bolsas, em grande parte, têm sido um incentivo ao desemprego, mas garantem votos.
► Numa cidade do estado de Mato Grosso, o presidente da autarquia, médico, distribui mensalmente aos maiores de 60 anos o medicamento Viagra e uma cesta básica de alimentação.
► Desde o início de 2006, os brasileiros gastaram com segurança particular 2 bilhões de reais – os que podem, é claro; uma minoria.
► "Você não tem o direito de ir e vir" – desabafo de uma carioca em entrevista de rua, a propósito da insegurança crescente no Rio de Janeiro, particularmente aumentada nas proximidades do Natal, época em que os cidadãos trazem mais dinheiro no bolso.
►.Ainda na sequência do desastre aéreo que em Setembro vitimou 154 pessoas de um Boeing 737 que foi abalroado por um pequeno jacto para executivos, os controladores de voo confirmaram publicamente que é verdade existirem buracos negros nas comunicações entre Manaus e Brasília, zona em que se deu o acidente. As autoridades negam.
►.O crescimento económico nos últimos quatro anos foi de 4,8% no mundo em geral, e 73% nos países subdesenvolvidos [agora chamados emergentes] com 2,7% para o Brasil.
Comentando o baixo crescimento do país, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, agora reeleito para mais quatro anos de mandato, diz que "não podemos chorar sobre o leite derramado".
A previsão de crescimento para o Brasil em 2007 estava em 4,5% no primeiro mês do ano corrente, 4% em Junho, e 2,7% em Setembro.
Lula promete tomar medidas – sem dizer quais, quando, como e com que verbas – para "destravar a economia".
► "Por que o Brasil não consegue arrancar no aspecto económico, como conseguiram os emergentes? Porque gasta mal e gasta muito" – palavras de um dos mais ouvidos locutores de telejornal, da cadeia SBT Brasil.
► "O presidente da República não tem um plano para apresentar aos Brasileiros. Por isso, a defesa do seu governo faz-se na base do blá-blá-blá" – palavras de um comentador de política da emissora de tv "Jornal da Cultura".
► Garante uma empresária brasileira de sucesso que "55% das empresas [no Brasil] fecham antes dos cinco anos de vida".
► Contrabandistas vendem remédio interdito no Brasil, utilizado clandestina, indevida e perigosamente para acabar com a gordura localizada.
O mercado de remédios proibidos não pára de crescer no país, seja pela Internet, seja através de clínicas, pese embora as pesadas penalidades (prisão até cinco anos e multas de alguns milhões de reais) para os que forem apanhados a vender ou a utilizar em pacientes esses produtos.
► No passado dia 25 realizou-se o primeiro encontro, após as eleições presidenciais, do Directório nacional do PT (Partido dos Trabalhadores), partido que apoia o presidente da República, Lula da Silva, seu fundador e ex-líder oficial.
Dirigindo-se aos companheiros, Lula disse que "o PT precisa voltar a ser exemplo neste país", já que conseguiu sair de "uma grande encalacrada".
O PT protagonizou em 2006 os maiores escândalos políticos, financeiros e de corrupção de que há memória no Brasil. Muitos dos processos judiciais decorrem ainda, alguns dos quais envolvem o próprio presidente.
► Durante a reunião do Directório nacional do PT, Ricardo Berzoini, seu presidente há pouco suspenso sob acusação de ter participado no processo de compra de documentos que, supostamente, comprometeriam figuras da oposição, em particular um candidato à presidência da República e um candidato a governador de São Paulo, afirmou que quer voltar a ser presidente do partido, e que só ainda não o é porque estabeleceu condições para isso, de que a principal seria o reconhecimento da sua inocência naquele processo. Poucos minutos depois dessa declaração, a Justiça considerou-o um dos principais elementos responsáveis pela transacção que envolveria cerca de dois milhões de reais. A compra não chegou a realizar-se porque os portadores do dinheiro foram presos pela Polícia Federal num hotel de São Paulo.



quinta-feira, novembro 23, 2006

INSTANTÂNEOS 1

► "Não é fácil ser honesto no Brasil " – desabafo de um cidadão brasileiro, empresário, que pretende, há meses, sem êxito, devolver a pensão de aposentadoria que a assistência social indevidamente lhe atribuiu, estando ele no activo.
► A organização Transparência Internacional deu neste ano pior classificação ao Brasil, entre 163 países, no que respeita a corrupção, passando da posição 63 para a 70, com uma valor relativo de 3,3 numa escala de 1 a 10. um índice inferior a 5 é considerado grave e preocupante.
► Uma das grandes queixas do cidadão brasileiro é a morosidade da Justiça. E a Justiça queixa-se da quantidade absurda de processos que tem para despachar.
No entanto, a Justiça não diz que os seus funcionários, descontados os fins-de-semana, os feriados, as folgas e as férias judiciais, apenas trabalham 6 meses por ano; e, como só estão em actividade de manhã ou de tarde, nunca o dia todo, acabam por permanecer no serviço apenas 3 meses. Também não dizem que lhes pertence a melhor média salarial do país.
Quando São Paulo reclama por mais 15 mil novos funcionários, não estará, antes, a precisar de mais uns milhares de horas de trabalho?
► No intervalo de uma semana duas mulheres faleceram devido a queimaduras contraídas na via pública.
Uma foi regada com álcool e depois incendiada por uma beneficiária da segurança social, enraivecida porque a sua pensão não lhe fora creditada devido a uma greve de bancários. Nenhuma das duas se conhecia.
A outra vítima de queimaduras não resistiu aos danos provocados na pele quando salvava um grupo de crianças de um transporte escolar que se incendiou numa bomba de gasolina. Todas as crianças sobreviveram.
► O PCC, Primeiro Comando da Capital, facção criminosa que engloba grande parte dos presidiários do Brasil, com sede em São Paulo, cujas chefias controlam por telemóvel (aqui chamado telefone celular), de dentro das cadeias, o crime organizado, principalmente no comércio de drogas e produtos de contrabando, e assaltos, sequestros e assassinatos, tem uma receita mensal média de 700 mil reais (1 real vale cerca de 0,38 euros).
► A partir do acidente aéreo, em Setembro último, que vitimou todos os 154 ocupantes de um Boeing 737-800, por colisão com um pequeno jacto para 13 passageiros, o Brasil deu-se conta do caos que constitui o seu tráfego aéreo e dos riscos corridos pelos viajantes do ar, embora as autoridades tentem tapar o sol com uma peneira de malha larga. Mas a verdade é que se deve estranhar não haver ainda mais acidentes.
No governo do presidente Lula da Silva, agora reeleito para mais 4 anos de mandato, foram feitos cortes entre 62 e 94% no orçamento para a segurança aérea; numa determinada rubrica, dos 117 milhões atribuídos apenas 7 foram gastos; para 2007 foram cortados mais 8%.
► A produção industrial brasileira voltou a cair, desta vez 1,4%. A nova estimativa para o crescimento económico em 2007 aponta para índices inferiores a 3 (o Brasil foi o país que menos cresceu em toda a América Latina no corrente ano). O presidente Lula continua a congratular-se com o plano económico e garante um crescimento de 5 ou 6% para o próximo ano.
► Em 2005 o Brasil contava com mais de 600 mil cirurgiões plásticos, ocupando, assim, o 2º lugar no mundo na prática desta especialidade, de que 75% dos utilizadores são mulheres.
O Brasil é o penúltimo país do planeta na qualidade e justiça da distribuição dos rendimentos, e o que detém a mais elevada taxa de juros, que chega a 140% ao ano.
► Em 2005, para cada criança branca vítima de violência urbana no Brasil, registavam-se duas crianças negras.
► Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os negros no Brasil ganham, para a mesma função, metade dos salários dos brancos. Em Salvador, capital da Bahia, com 82% de negros na população, estes ganham 1/3 do que auferem os brancos.



quinta-feira, novembro 09, 2006

A PROPÓSITO DO DIA DO PROFESSOR NO BRASIL

Criou-se o mito de que todo o ensino público no Brasil é mau. Como todo o mito, apesar do fundo de verdade, não corresponde à realidade. Como todo o reducionismo, despreza as excepções que merecem consideração.
Com base neste mito, criou-se outro: o de que todo o ensino particular no Brasil é bom. Também aqui, razões objectivas obrigam a dizer que não é assim. Quando muito, o ensino particular poderá ser menos mau, e, mesmo asim, nem sempre, havendo situações em que a sua qualidade, em muito e de muito perto, se assemelha ao público, quer nos aspectos negativos, quer nos positivos; neste caso, principalmente quando no ensino público se encontram professores empenhados, para quem a sua actividade profissional não visa em exclusivo a obtenção de um salário, mas tem como meta superior o cumprimento de uma missão. Estes não confundem emprego com trabalho.
Se o objectivo da Escola se centrasse na relação ensino/aprendizagem (de ciência, tecnologia, filosofia e cidadania), todo o ensino, público ou privado, seria muito bom. A infra-estrutura, ainda que considerada, com justiça, uma variável a ter em conta, não deve ser classificada como fundamental, nem, muito menos, como prioritária, até para não converter um processo que deverá ser biunívoco e dinâmico em algo de estático, monolítico e rígido. A experiência tem mostrado que o rendimento da aprendizagem numa palhota ou ao ar livre pode ser maior do que numa sala de aula moderna, bem equipada, climatizada e iluminada.
A questão está no ensinar, no ensinar a aprender, e nas condições materiais e mentais criadas para isso no tocante ao elemento humano. Os resultados deveriam ser medidos mais em função do que o estudante – termo preferível ao de aluno – conseguiu aprender por si, do que, unicamente, como se faz, pela quantidade de matéria que decorou, muitas vezes sem qualquer sentido, ligação ou utilidade na sua vida e, por isso mesmo, condenada ao esquecimento a muito breve prazo.
A escola pública gira à volta de um eixo chamado orçamento, pelo qual tem de prestar contas ao Estado, que o atribuiu. Não pensa, sequer, em prestar contas da preparação, melhor, da formação que proporcionou àqueles que, em primeiro lugar, os estudantes e seus responsáveis, nela confiaram quanto ao cumprimento dos objectivos para que foi criada – confiaram assumidamente, ou, por força das circunstâncias, foram obrigados a confiar, o que implica uma responsabilidade acrescida para a escola neste caso. Aquele orçamento é, muitas vezes, comodamente utilizado para "justificar" o insucesso escolar do estabelecimento, quando não de toda a rede.
Mas a linha orientadora das escolas particulares, na generalidade, não é melhor.
Comportando-se como uma empresa privada cujo fim restrito é o lucro, a escola particular perde de vista – se alguma vez a teve – a noção de "papel social". Para ela, aprendizagem é conceito vago, difuso, freqüentemente e, não raro, propositadamente ignorado; e o ensino, mesmo esse, é preterido face ao propósito capital de ganhar dinheiro depressa, à custa da necessidade que sempre acompanhou e há-de acompanhar o ser humano de aquisição de conhecimentos.
As empresas privadas terão de ganhar dinheiro, dir-me-ão. Sem dúvida. A possível discussão não está aí, mas sim na forma como o ganham, na relação custo/benefício que disponibilizam e, conseqüentemente, nos preços que praticam num mercado que, em média, é de baixos rendimentos (a distribuição de rendimentos no Brasil vem em penúltimo lugar no ranking mundial, sendo o último ocupado pela Serra Leoa). Apesar de inúmeros e completamente lotados, os colégios particulares, não é por acaso, lutam com elevados índices de endividamento por parte dos utilizadores.
Por outro lado, se é verdade que todas as empresas desempenham um papel no quadro amplo das inter-relações que ocorrem na sociedade, quer directa, quer indirectamente, a "empresa escola", pelo tipo de actividade a que se dedica, pelo menos nos estatutos, ao perder de vista esse conceito de papel social especial defrauda os destinatários, não obtém, senão artificial e ardilosamente, os resultados esperados nos construtores do futuro e, assim, burla a comunidade no seu todo.
Seria injusto, no entanto, atribuir a culpa pelo estado de coisas, exclusivamente, aos colégios particulares.
Muitos dos "responsáveis" pelos estudantes desses estabelecimentos são completamente alheios ao necessário acompanhamento dos seus "educandos": uns, demasiado ocupados, e alegando que já pagam o suficiente para poder furtar-se a determinado tipo de preocupações, delegam no colégio a responsabilidade única e última pela aprovação ou reprovação, sendo esta rara porque nenhum colégio quer ter na praça a fama de reprovador, mesmo quando isso pudesse resultar da falta de aproveitamento real do aluno; para outros, aqueles que seguem pela vida à procura de permanente oportunidade de exibir um estatuto, o colégio particular, determinado colégio particular à altura das suas posses, ou adequado às suas possessões, constitui mais um elemento de ostentação, como quem só consegue afirmar-se atirando constantemente o saldo bancário à cara dos seus semelhantes; outros, ainda, ingénuos ou com menos instrução, confiam cegamente na publicidade, que eles próprios pagam a partir do momento em que se tornam utilizadores da instituição, e no disse-que-disse sobre exemplos que alguém tem sempre para mostrar, mesmo sem qualquer ponta de verdade, ou feitos de uma verdade deformada.
Assim se torna difícil para os "consumidores da educação" aperceberem-se de que os professores têm, necessariamente, de ser mal pagos, mal pagos em relação à responsabilidade e à dignidade das suas funções, e mal pagos em relação às receitas colhidas pelos colégios junto dos utentes. Mal pagos, antes de mais, porque a ganância do lucro avultado e imediato tanto quanto (im) possível, encontra satisfação num meio de elevada concorrência, não através da qualidade, mas da resignação fácil perante o fantasma do desemprego.
Naturalmente que o processo de selecção e o ambiente onde são recrutados estes "agentes de ensino" conduz à contratação de mercenários – a grande fonte de sucesso financeiro dos colégios particulares no Brasil.
Noutra vertente do processo está o "acantonamento" em sala de aula. Quando as organizações especializadas em pedagogia, não governamentais como estatais, nacionais e estrangeiras, defendem turmas de 15 ou 20 alunos, 25 em casos extremos e excepcionais, as dos colégios particulares apresentam grupos entre 45 e 60.
Que interacção, em termos de crítica, criatividade, trocas de experiências e opiniões, poderá esperar-se em conjuntos de crianças e jovens com tais dimensões? Como poderá um professor, honestamente, "atender", ou seja, prestar atenção personalizada a 45 alunos, na melhor das hipóteses?
Não será de estranhar que o rendimento escolar seja baixo na sala de aula.
Só a falta de sentido crítico de alunos, de pais ou outros responsáveis, e dos próprios professores, é bom dizê-lo, aliada a medo de perseguições e outras represálias, a comodismo e a falta de ética permitem a hipocrisia daninha de aceitar que o ensino no colégio particular é, forçosamente, de qualidade.
Os próprios colégios admitem isso implicitamente, quando, de modo abusivo e sem pudor, "oferecem" aos encarregados de educação, pagando, já se vê, aulas de reforço para os respectivos educandos. Enfiam-se cinco ou seis turmas numa única sala com o professor da cadeira, o mesmo que não consegue obter resultados satisfatórios nas aulas normais, e aí se concentram 300 alunos entretidos a atirar bolinhas de papel uns aos outros, enquanto o professor, por um processo de auto-sugestão, assume a postura de quem consegue tirar as dúvidas que se foram acumulando (que ele próprio deixou acumular) ao longo do seu infeliz magistério.
Outra hipocrisia: se um professor não pode, não consegue com um mínimo de decência e docência, prestar atenção a 45 alunos, muito menos o poderá fazer com 300, além de que nem estará motivado para isso.
Perante os indicadores ruins que se vão projectando nos boletins escolares ao longo do ano lectivo, e de eventuais queixas dos estudantes, os respectivos responsáveis lançam mão do recurso que consiste em contratar para suas casas professores de reforço particulares, explicadores que vão repetindo as matérias das aulas e tirando (ou tentando tirar) as dúvidas que ali nunca foram resolvidas.
Escusado seria dizer que esses explicadores são, por sua vez, professores de colégios particulares na maioria dos casos.
O Dia do Professor poderia ser o momento exacto para reflectir e procurar pistas, meios e vontades para transformar este cenário. Mas não. Tal como outro dia comemorativo qualquer, como, por exemplo, o do comerciante (aqui chamado de comerciário), é o dia tão esperado de não abrir a loja para passar o dia a dormir, ou a bronzear, o que vem a dar no mesmo em termos de desenvolvimento.



sábado, novembro 04, 2006

A GRANDE DECISÃO

Eram 16h45 da sexta-feira 29 de Setembro de 2006.
O Boeing 737-800 comercial com apenas 200 horas de voo, recebido pelo fabricante em 18 desse mesmo mês, da companhia brasileira Gol, deslocava-se de Manaus, capital do Estado da Amazónia, para Rio de Janeiro com escala em Brasília onde deveria aterrar às 18h12 com 154 pessoas a bordo, entre passageiros (149) e tripulantes (6). Era o voo 1907.
À mesma altitude e em sentido contrário, um pequeno jacto modelo Legacy com capacidade para 13 pessoas, recém fabricado pela empresa Embraer, do Brasil, aterraria em Manaus para reabastecimento, antes de ser entregue nos EUA aos proprietários que o tinham encomendado, a empresa de táxi aéreo Excel Aire. Para além dos dois pilotos americanos, seguiam a bordo sete passageiros, entre eles Joe Sharkey, repórter e colunista do diário "The New York Times".
O Legacy fracturou e arrancou parte de uma asa e da cauda do comercial, mas conseguiu, apesar de avariado, um poiso de emergência na base aérea da Serra do Cachimbo, em São Félix do Xingu, Estado do Pará, sem vítimas.
O Boeing perdeu estabilidade, começou a soltar partes fundamentais da estrutura, afundou de bico em queda livre e, poucos segundos depois, desintegrou-se na floresta entre o norte de Mato Grosso e o sul do Pará, em plena floresta amazónica.
Eram quase cinco da tarde.
Após as primeiras horas de esperança em sobreviventes, e de notícias contraditórias e desarticuladas, a realidade desapiedada impôs-se: ninguém se salvara.
As equipas de resgate, militares, partiram de imediato. Ajudadas por índios da região, bem conhecedores da mata, durante semanas recolheram restos de corpos, de bagagens, de partes do avião. A pouco e pouco as vítimas foram identificadas pelos Institutos de Medicina Legal – nesta data, apenas um passageiro, ou o que dele é possível, se mantém em local ignorado, algures na floresta.
Ainda antes de ser avançada qualquer hipótese sobre as causas da colisão, o jornalista americano dava duas conferências de imprensa a cadeias de tv nos EUA, queixando-se da periculosidade dos voos no espaço aéreo brasileiro, por falta de segurança nas comunicações, em particular na região da Amazónia.
As autoridades brasileiras repudiaram as afirmações do sr. Sharkey, alguma imprensa insurgiu-se contra ele, pilotos vieram a público dizer que nunca tinham tido problemas, mas outros reiteraram, com firmeza, a existência de uma zona cega naquela área que já lhes criara dificuldades de contacto com as torres de controlo do percurso durante as viagens.
Nada de seguro e concreto foi comunicado à opinião pública pelos responsáveis na matéria, para além da referência à possibilidade de ser dado conhecimento à sociedade do relatório de apuramento das razões do acidente, mas nunca antes de 90 dias.
Os funerais começaram a realizar-se com grande destaque nos noticiários da televisão, e, paralelamente, as acções judiciais de pedidos de indemnização por parte das famílias, tanto à transportadora brasileira como à proprietária do jacto executivo, porque, entretanto, foi posta a correr a notícia de que a responsabilidade cabia aos pilotos americanos – até agora sob custódia das autoridades brasileiras, e impedidos de deixar o Brasil – na medida em que teriam desligado o detector de aproximação de outra aeronave, não teriam respondido à chamada de uma torre de controlo, e não teriam respeitado a altitude imposta pelo plano de voo.
Neste momento é confusa a situação quanto às verdadeiras responsabilidades: as caixas negras dos dois aparelhos, dos últimos despojos a encontrar, estão ainda no Canadá em fase de descodificação por peritos desse país acompanhados por uma equipa de brasileiros; foi referido que o sistema de detecção de colisão iminente que equipa os Legacy apresenta deficiências, pelo que teria sido substituído por outros mais fidedignos nos aviões europeus; as declarações dos dois pilotos americanos são, por vezes, contraditórias entre si e com as de alguns passageiros;as próprias autoridades brasileiras vão deixando cair pingos de informação que de nada servem senão para criar maiores dúvidas.
Por coincidência, ou não, nos dias seguintes novos acidentes, alguns também com vítimas, embora em número reduzido, tiveram lugar entre a aviação brasileira, mas, de certa forma, ofuscados pela tragédia recente.
À medida que o tempo foi passando e que comentários e teorias se multiplicaram nos órgãos de comunicação social, começaram a surgir alusões ao papel dos controladores de tráfego aéreo que, no Brasil, funcionam sob jurisdição militar e dependentes do ministro da Defesa. Sentindo que estavam a ser acuados e a sua competência a ser posta em causa, romperam o cerco e vieram para a praça pública, através dos seus representantes laborais e de testemunhas não identificadas, expor as misérias da profissão: salários baixos, regime militar, ausência de carreira profissional, sobrecarga de trabalho e número limite de aviões a controlar largamente excedido.
Depois do acidente com o Legacy e o Boeing registou-se um AVC (acidente vascular cerebral) em serviço, ataques de vómitos e crises de choro em várias torres de controlo do país.
Dez controladores entraram de atestado médico e dez que estavam de serviço no dia do acidente foram afastados.
Para evitar outros acidentes de profissão, e sem jeito para representar o papel de bodes expiatórios, os controladores de tráfego aéreo desencadearam a "operação padrão" que consiste em controlarem em simultâneo apenas o número de aviões definido no regulamento – 14.
Esta medida provocou o caos no tráfego aéreo brasileiro, tanto no ar como em terra. A situação agravou-se com a aproximação do fim-de-semana prolongado (chamado feriadão) pelo feriado no Brasil do dia 2, dia de finados.
Controladores reformados tiveram de se reapresentar ao serviço.
O presidente Lula, alarmado, convocou no dia 31 de Outubro um gabinete de emergência composto por alguns ministros e colaboradores próximos para encontrarem uma solução imediata. E a solução chegou às páginas dos jornais em grandes manchetes no dia seguinte: "Governo não garante aviões no feriadão".
Ora aí está uma decisão governamental firma.
Como dizia um passageiro brasileiro revoltado num aeroporto: "Fazer o quê? Isto é Brasil".
No telejornal da noite podia ver-se Lula e amigos numa praia paradisíaca de uma base naval da Bahia, a descansar ao sol. Do esforço da decisão, obviamente...



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