CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

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sexta-feira, dezembro 30, 2005

O PAÍS DO FUTURO

"O julgamento fica adiado para daqui a seis meses" – o martelo do meritíssimo sela a decisão.
E assim vai.
Se o julgamento que o brasileiro faz da sua vida no Brasil não estivesse a ser cronicamente adiado, por certo a qualidade de vida de grande parte da população seria diferente.
Assim, adia-se o julgamento, adia-se o país.
Precisa de uma cirurgia. Se for urgente, com sorte aguarda vez para o ano seguinte. Se não for, tem pela frente uma espera de cinco ou seis anos.
A reparação daquele troço de 60 quilómetros de buracos na estrada fica adiada para quando houver eleições.
O início da construção do hospital de que a população tanto carece tem de ser adiado para daqui a dois anos, ocasião em que será reposta a verba que foi gasta agora com as festas da cidade.
As marcações para a consulta de que aquele cidadão anda tão precisado acabaram. Agora só para o mês que vem. E ele já anda nisto há mais de dois meses. As coisas vão-se compondo no atendimento porque adiar a saúde antecipa a morte. Assim, as filas de espera, embora gordas, não crescem tão exponencialmente.
Aquela votação na câmara municipal sobre a benfeitoria de iluminação pública no povoado talvez possa ser votada, sim, numa das próximas sessões, depois da Páscoa. Agora é preciso soltar o Carnaval.
O decreto-lei que pode melhorar a vida de alguns milhões de cidadãos foi aprovado pelos parlamentares. O presidente da República vai assinar logo que regresse da viagem de 20 dias ao estrangeiro que inicia depois de amanhã.
O exame pericial quanto à causa da morte da criança sob suspeita de espancamento poderá sair dentro de 20 dias (úteis). Tanto faz. A verdade é que ela já morreu, não é mesmo?
O inquérito aos agentes de polícia que entraram a disparar numa favela e mataram 5 menores fica para daqui a quatro meses, pelo menos. E, como são presumíveis inocentes, continuam ao serviço.
O relatório da guarda costeira sobre o barco de recreio superlotado que se afundou deverá demorar 90 dias, no mínimo. Dele vai depender a atribuição, ou não, de indemnizações aos familiares das vítimas.
A certidão urgente terá de ficar para segunda-feira, porque hoje é sexta, e a esta hora, duas da tarde, o escrivão já saiu.
A certificação do documento só pode ser feita depois do almoço porque hoje é segunda-feira, e às 11 da manhã o escrivão ainda não chegou.
O depoimento das testemunhas do assalto ao casal de sexagenários, que estão no hospital, foi marcado para depois das férias judiciais que começam para a semana e se prolongam por 30 dias.
A declaração do banco para apresentar na Repartição de Finanças terá de esperar, porque o gerente está de baixa clínica, e o substituto prolongou o feriado.
A declaração da Repartição de Finanças para que o banco liberte a verba em dívida ao cidadão só poderá ser entregue quando a máquina certificadora for consertada.
A reparação da máquina certificadora da Repartição de Finanças depende da autorização do secretário, que está de férias.
Se o padrinho não tivesse adiado o testamento, o afilhado hoje seria rico.
O exame sobre a paternidade daquele homem para eventual pagamento de pensão alimentar só estará concluído dentro de 3 meses.
Os alunos adiam o estudo, porque os professores adiam as aulas por meio de greves e faltas sucessivas.
As Comissões Parlamentares de Inquérito, com assuntos escaldantes nas mãos, são alvo do desejo de adiamento dos trabalhos para o ano seguinte, por parte dos que pretendem fazer esquecer a crise de corrupção que floresce a cada dia. Só não foram adiados, à última hora, porque os parlamentares receberão dois salários suplementares, 25 mil reais (cerca de 10,5 mil euros), o que representa um rombo nos bolsos dos contribuintes de 100 milhões de reais (41,7 milhões de euros). Isto para trabalharem durante as férias de Natal.
E assim se vai adiando tudo e mais alguma coisa. Não faças hoje o que poderes guardar para amanhã ou depois. E depois, vão aparecendo as classificações sobre variados itens, publicadas por idóneas organizações internacionais, cujos valores deixam os brasileiros admirados e constrangidos.
A palavra de ordem, mesmo assim, continua a ser "fica para depois", seja o pagamento de uma multa, seja a cirurgia do joelho.
No Brasil nada se faz no momento presente. Talvez por isso se possa dizer, num rasgo de humor sem graça, que o Brasil é o país do futuro.
Estimados leitores, como o ano finda, despeço-me até ao futuro.



terça-feira, dezembro 13, 2005

UMA SOLIDARIEDADE QUE (QUASE) NÃO FOI NOTÍCIA

Leucemia é a designação para certos tipos de cancro (ou câncer, usando a terminologia do Brasil) originados nos tecidos da medula óssea que produzem o sangue.
A doença impede a produção normal de glóbulos brancos eficazes, que não amadurecem de modo a poderem desempenhar as suas funções, funções de defesa do organismo contra ataques infecciosos. Em contrapartida, estes glóbulos multiplicam-se e tomam o lugar dos glóbulos vermelhos e das plaquetas sanguíneas (células que ajudam na coagulação do sangue).
A progressão da doença conduz à morte. A esperança de a evitar consiste num transplante de medula óssea, a partir de um doador compatível.
Este tipo de cancro que atinge 30% dos que se observam em crianças, com um grau de incidência de 1/25000, manifestou-se num bebé da pequena cidade de Conselheiro Lafaiete, estado de Minas Gerais, no interior do Brasil.
O caminho a seguir seria o transplante de medula. Verificou-se, porém, que nenhum dos familiares próximos era doador compatível. Alguns cidadãos, ao tomarem conhecimento dos factos, organizaram, então, uma campanha para angariar possíveis doadores, entre os pouco mais de 100 mil habitantes da cidade.
A notícia, bem diferente dos sequestros a figuras conhecidas, assaltos a residências de luxo, ou assassinatos violentos que monopolizam grande parte dos tempos de antena de rádio e de televisão, e das páginas de jornal, quase passou despercebida. Nos grandes meios, mereceu apenas uma rápida referência, sem aprofundamento e quase sem detalhes, por parte de uma rede de TV. Na Internet nada se encontra sobre o assunto. Só o jornal local, o "Correio da Cidade", vai publicar uma reportagem, no próximo sábado.
Parece que o sofrimento é um dos principais elos entre as pessoas, aquilo que é comum a todo o ser humano, mais do que a felicidade.
O sofrimento, tanto o próprio como o alheio, induz um desconforto que propicia a reflexão sobre a natureza do ser humano, o sentido da vida, e os eventuais destinos de cada homem e mulher.
Todos queremos ser felizes, e é o sofrimento que nos impulsiona para a busca da felicidade. Sem sofrimento já experimentado, a felicidade, ou qualquer momento de felicidade dos que conseguimos alcançar, não faria sentido.
Por outro lado, é, também, a experiência do sofrimento que dá lugar à solidariedade, algo que começa num sentimento de empatia para com quem sofre, e termina num conjunto de acções que visam acabar com o sofrimento.
Aí se desfazem as fronteiras ideológicas, filosóficas, religiosas, políticas, se diluem os preconceitos de etnia, de cor de pele, de sexo, de estatuto social, se esquecem as rivalidades, as afrontas, as raivas, os ódios.
A solidariedade impõe a sua regra: esquecer o passado para resgatar a pessoa ou o grupo do sofrimento do presente.
Foi o que aconteceu na cidadezinha de Conselheiro Lafaiete, onde os pais do pequenino com leucemia esperavam a oferta de 500 potenciais doadores. Apareceram 1500 duma vez no espaçoso ginásio da terra. Pouco depois o número subiu para 3000, e acabou por chegar a mais de 12 mil.
Da História da vida ainda tão curta daquele bebé faz parte já uma extensa corrente de solidariedade, talvez a maior, até agora, da sua cidade natal.
Este exemplo quase não divulgado pela comunicação social, preterido para a realidade dura dos homicídios, estupros, roubos, corrupção na política e nas empresas públicas e privadas é um exemplo de esperança de que, para além do discurso mentiroso e hipócrita de quem governa este país, ainda há valores mantidos incorruptos pelo povo brasileiro, tão sofrido, e, por isso mesmo, tão sabedor do que vale a solidariedade.



sexta-feira, dezembro 09, 2005

DOIS PRESOS, DUAS MEDIDAS

Quando a popular expressão "dois pesos e duas medidas" tem demasiado uso nas conversas em família, nos locais de trabalho, nos barzinhos, nos cabeleireiros e barbeiros, nos tribunais, na imprensa duma dada comunidade, isso sobressai como um sintoma claro de que a equidade não é aí prática valorizada.
E, de tão familiar e banal, pode dar lugar a outras em que a ideia de base permanece, como é o exemplo da que titula esta crónica.
Em livros, revistas e jornais, anúncios e placas, desenhos e pinturas, relevos e estátuas, a figura da Justiça é-nos apresentada como sendo cega. Para tal, os seus autores, invariavelmente, vendam-lhe os olhos.
Por isso, do mesmo modo a frase "a Justiça é cega" aparece com frequência no discurso falado e escrito do dia-a-dia.
Contudo, muitas vezes, também, a referida cegueira não quer dizer imparcialidade, coerência e objectividade, mas o contrário disto tudo, querendo ilustrar algum acto injusto.
É claro que a Lei, sendo feita e aplicada por homens e mulheres, contém, em cada uma destas operações, uma certa dose de imperfeição.
Mas há limites para tudo, até mesmo para a imperfeição, em particular quando ela se impõe aos nossos olhos que não são cegos de forma tão evidente, grosseira e cruel como a dos casos que passo a narrar sucintamente. Na verdade não são precisas muitas palavras. A força e o peso dos factos falam por si.
Dona Iolanda é uma cidadã brasileira de Campinas, cidade do interior do estado de São Paulo. Iolanda foi condenada a 4 anos de prisão em regime fechado, acusada de tráfico de drogas. Supostamente terá sido encontrada com 14 pedras de crack. O advogado de defesa alega que "não havia provas nos autos e a defesa foi demonstrada durante o processo". Iolanda tem 79 anos. Iolanda é cancerosa em fase terminal. O advogado, com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), secção de Campinas, entrou com quatro recursos visando, dadas todas as circunstâncias, transformar a prisão no cárcere em prisão domiciliar, para que pudesse ter um pouco mais de assistência médica e afetiva. Recursos indeferidos.
Anderson, 25 anos, conhecido no mundo do crime como Lorde, foi condenado a 8 anos e 8 meses por tráfico de cocaína e maconha. Lorde já estivera preso por assalto à mão armada, e, enquanto menor, fora detido mas solto logo de seguida. Cumpridos 5 anos e 7 meses, Lorde passou a liberdade condicional por bom comportamento. Entretanto, como chefe de quadrilha a operar numa favela do norte do Rio de Janeiro, Lorde foi preso de novo, mas, segundo declarações de uma denúncia anónima, conseguiu a liberdade por ter condescendido com a extorsão de 2000 reais (cerca de 800 euros) que lhe fizeram os agentes da polícia que o capturaram. Há dias, após 7 meses em condicional, Lorde ordenou a membros do seu gangue que incendiassem com gasolina um transporte colectivo da cidade. A ordem foi "botar fogo no ônibus e não deixar ninguém sair", conforme revelou o único elemento do grupo que foi aprisionado. O carro, escolhido aleatoriamente numa das carreiras urbanas do Rio, ardeu completamente. Dos 19 passageiros, 14 ficaram feridos, alguns com gravidade, e 5 morreram carbonizados, incluindo uma criança de um ano. Lorde desapareceu.
Nos casos relatados, a Justiça não está cega nem tem venda. É vesga. É zarolha. Dos dois olhos e em alto grau.
Num país de Justiça contra-natura, e onde a ética constitui um luxo de poucos e para poucos, a felicidade da população, como um todo, deixa de ser uma utopia e passa a ser um desengano. Irremediavelmente. Irremediavelmente Iolanda. Irremediavelmente Lorde.



terça-feira, dezembro 06, 2005

SEM TERRA, OU SEM LEI?

O movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST), do Brasil, nasceu em Janeiro de 1984, já no fim da ditadura militar que dominara o país durante 20 anos.
Na cidade de Cascavel, estado do Paraná, no sul, o 1º encontro dos rurais sem chão para trabalhar decidiu que a ocupação de terrenos de cultivo seria uma ferramenta legítima para os seus objectivos.
A partir daí, o movimento começou a estruturar-se, orgânica e politicamente.
No ano seguinte, em clima de campanha e agitação popular que exigia as primeiras eleições livres em duas décadas, teve lugar, também no Paraná, mas, desta vez, na capital, Curitiba, o I Congresso Nacional, subordinado ao tema "Ocupação é a única solução".
Foi o período em que a autonomia se afirmou, e em que se criaram os símbolos de identificação: hino e bandeira.
O Movimento organizou-se internamente em sectores, e, em 1990, realiza-se o II Congresso, em Brasília, capital do país, sob o lema "Ocupar, resistir, produzir". Na cabeça da maioria dos integrantes do Movimento, apenas os dois primeiros verbos permaneceram na memória e nos actos.
Nesse encontro debateu-se, em particular, a expansão a nível nacional.
Um ano depois, no III Congresso, de novo em Brasília, a palavra de ordem "Reforma agrária, uma luta de todos", pretendeu desenvolver a consciência de que a reforma agrária seria uma luta do campo, fundamentalmente, mas que, para ter sucesso, precisava ser travada também nas cidades.
Em Agosto de 2000, ainda em Brasília, bem junto aos ouvidos do governo central, o IV Congresso gritou "Por um Brasil sem latifúndio". Desde então, as acções do MST têm sido orientadas por esse princípio.
O MST assume-se como um movimento revolucionário, e defende a instauração de um Estado socialista, à imagem dos regimes que o tentaram e foram já diluídos nas circunvoluções da História.
Mas no fundo, bem no fundo, talvez não seja isso que o Movimento pretende.
Aquela promessa e aquele ideal são a forma que os seus dirigentes, quase todos oriundos da classe média, encontraram para conduzir os camponeses às metas que estabeleceram como objectivos pessoais.
A Reforma Agrária desenhada ainda no tempo da ditadura foi considerada por muitos, incluindo o MST, como um bom projecto. Mas não saiu do papel.
As acções executadas hoje pelo Movimento são fruto do desespero de muitos dos seus integrantes, na verdade pobres e esfomeados, de que os líderes se aproveitam para a tomada de posições de força.
O diálogo entre o MST e as autoridades é forçado pelas circunstâncias, e não uma iniciativa desejada e construída por ambas as partes.
As actuações situam-se cada vez mais no campo da ilegalidade, a coberto de uma impunidade consentida, quando não, mesmo, apoiada. É o caso do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que se diz solidário com os Sem Terra, e ter simpatia pelas suas intervenções.
Não são já poucos os crimes apontados e provados contra elementos do MST. Invasão com violação de domicílio, porte ilegal de arma, destruição de bens públicos e privados, formação de quadrilha, furto e roubo, utilização de menores para práticas criminosas, retenção de reféns, e lesões corporais são alguns dos delitos.
Avançando sem qualquer controlo nem oposição das autoridades, que parecem temê-los, invadem, arbitrariamente, propriedades privadas e públicas, sem outro critério que não seja o da ocupação pura e simples. Edifícios do próprio INCRA, instituto que gere a reforma agrária e medeia os respectivos conflitos, não escapam à fúria avassaladora dos invasores.
Uma vez montados os acampamentos nas propriedades, aguardam tranquilamente o desenrolar dos acontecimentos e as decisões da Justiça ou do Governo. Escudada em princípios nem sempre transparentes, a razão é dada, ora aos invasores, ora aos invadidos. Estes recrutam, então, verdadeiros exércitos de capangas, seja para se defenderem, seja para expulsarem os intrusos. Muitas vezes, dessas batalhas resultam, para além de feridos, e feridos graves, mortos também.
Quando ocupam as fazendas em laboração, não participam nas actividades do processo produtivo. Pelo contrário, é hábito consumirem e/ou destruírem o que por lá encontram. O fogo posto é usado sem cerimónia.
Em caso de resistência por parte dos proprietários, não hesitam em lançar mão de armas de fogo para conseguirem os seus intentos. Essa é uma das razões pela qual se pronunciaram a favor do desarmamento referendado em Outubro deste ano. Pelos contactos fáceis que podem estabelecer, ao longo das suas deslocações, com fornecedores clandestinos, e pelo esbatimento de responsabilidades que caracteriza o seu comportamento em grupo, ficariam em situação de vantagem perante os fazendeiros desarmados, ou com armas referenciadas.
Ao invadirem fazendas produtivas, ao destruírem, ou, pelo menos, dificultarem seriamente as suas actividades, afastam os investidores, encurtam a riqueza nacional, impedem a criação de novos postos de trabalho, e fomentam o desemprego.
Actualmente, segundo técnicos e especialistas em várias vertentes, o Brasil não possui terrenos improdutivos. Portanto, as ocupações visam fazendas onde o agronegócio contribui para a riqueza do país.
Grandes empresas, tanto nacionais como estrangeiras, do Canadá e da Europa, por exemplo, que dão emprego a muitos milhares de trabalhadores, começam a cortar em milhões os investimentos feitos na agricultura, na pecuária, e na silvicultura.
O MST está a contribuir, assim, para o aumento dos seus membros, despedidos daquelas empresas.
O objectivo divulgado de transformar as fazendas em núcleos de agricultura familiar, de subsistência, para matar a fome aos desfavorecidos, é uma falsa questão que só serve para enxotar o investimento, reduzir as exportações, criar desemprego, e socializar a pobreza. Um nivelamento feito pelos padrões inferiores. Os pobres continuarão pobres e atrairão mais pobres, recentemente empobrecidos, para o seu meio. Ninguém ganha e há bastantes que perdem.
Muitos dos Sem Terra não querem, sequer, trabalhar na lavoura. Uma vez da posse legalizada dos terrenos, vendem-nos e partem para novas ocupações.
O governo nada disto controla. Em lugar de uma actuação concertada, articulada com todas as entidades interessadas e envolvidas, atribui ao Movimento vultosas verbas. Curiosamente, desde 2002 aumentaram as ocupações. Foi nesse ano que o presidente Lula da Silva iniciou o seu governo, com o apoio tentacular do PT, Partido dos Trabalhadores, a que pertence, e que mantém com o MST relações privilegiadas e de liderança.
Em Fevereiro de 2005 dois agentes da polícia foram torturados, e um deles assassinado a tiro. Investigavam um casal do MST, supostamente integrante de uma quadrilha de roubo de cargas. O Movimento argumentou que não sabia que os homens eram da polícia. Justificação que demonstra bem a sua ética.
De dia para dia aumenta a ligação do MST a vários tipos de crime violento. Alguns dos seus dirigentes estão, ou estiveram, presos. Outros têm sobre si mandados de captura.
O instituto governamental da reforma agrária, INCRA, faz os possíveis por não se envolver nos conflitos que tem de mediar, alegando que não possui poderes policiais.
Em Outubro último, o MST foi condenado a devolver aos cofres da República, dos contribuintes, portanto, a interessante quantia de 2 milhões de reais (cerca de 800 mil euros), por ter sobrefacturado actividades. O dinheiro ilegalmente obtido teria sido utilizado para promover ocupações de propriedades.
Nos finais de Novembro, os Sem Terra retomaram uma prática antiga de invasão de supermercados. Centenas de pessoas ligadas ao movimento instalaram-se por várias horas em quatro supermercados de grande porte, e só retiraram quando conseguiram que fossem distribuídos gratuitamente alimentos em número considerado suficiente.
Um dos coordenadores da acção justificou o facto com a falta de comida para os que tinham sido obrigados a levantar acampamento de praças e de edifícios estaduais e federais da cidade onde se deu a invasão. "O governo disse que só negocia e senta para conversar depois que desocuparmos os prédios. Como não vamos fazer isso, estamos tomando providências porque não há comida para ninguém. Estamos com fome e o povo com fome não tem como segurar". Nem uma palavra acerca de trabalho.
O tal INCRA ignora, a polícia não prende, no cumprimento da lei, por extorsão, o governo assobia para o lado.
Enquanto as coisas se mantiverem neste ponto, a situação agrada ao governo de Lula, principalmente em vésperas de eleições, marcadas para Outubro de 2006, mas que poderão ser antecipadas devido ao lamaçal de escândalos de corrupção nos meios políticos, financeiros, e empresariais do país.
Interessa a Lula não hostilizar o MST, com vista à captura de votos nalguns sectores da sociedade civil, e nalgumas franjas da Igreja católica, onde ainda se respira o bafio de ideologias deslocadas do nosso contemporâneo.
Por outro lado, não há terras disponíveis para trabalhar, ou, as que há, o Movimento não quer, se é que quer, de facto, trabalhar alguma. Perante o desafio, esconde a incompetência para resolver o problema na pacata preguiça, e desfaçatez, de nada ter de fazer.
Uma reforma agrária de fundo e séria precisa de uma orientação política que espelhe os princípios democráticos, os direitos, e os deveres que a Constituição, respectivamente, defende, assegura e impõe aos cidadãos.
Uma reforma agrária de fundo e séria precisa de uma fundamentação jurídica adequada, segundo o regime político e o sistema de governo do país.
Uma reforma agrária de fundo e séria precisa de uma assistência técnica eficaz em pessoal, treino profissional e equipamentos, de modo a que, pelo trabalho, e numa perspectiva de integração no conjunto da produção agro-pecuária das unidades já existentes, os rurais consigam as condições de alimentação e morada inerentes à dignidade de toda a pessoa.
Uma reforma agrária de fundo e séria precisa de um apoio financeiro distribuído por prioridades, gerido com perícia, e controlado com honestidade.
Articulando tudo isto e servindo-lhe de suporte, uma reforma agrária de fundo e séria precisa da demonstração inequívoca da autoridade de um Estado de Direito, em que todos os cidadãos são iguais perante a Lei.



sexta-feira, dezembro 02, 2005

NEM CAMISA, NEM CONCERTO

Estamos já no mês de Dezembro. Mal damos por isso, o Natal chegou, trazendo-nos um dos momentos mais empolgantes do ano.
A decoração festiva do ambiente nos lares, nas áreas de trabalho e nos espaços públicos, fechados ou abertos, facilita, quando não induz mesmo, no interior de cada um o despertar da magia própria da época.
Os privilegiados do planeta afadigam-se a preparar as suas festas de Natal.
O Vaticano, um dos grandes privilegiados da Terra, prepara também a sua, a primeira, desde que o novo hóspede, o cardeal alemão Joseph Ratzinger, herdou a cadeira de São Pedro com o cognome de Bento XVI.
A festividade, a realizar amanhã, sábado dia 3, constituirá uma homenagem a São Francisco Xavier, padroeiro das Missões, abrindo, assim, o ano Xavierano.
Convidados os artistas, os ensaios progrediram, cada um a dar o melhor de si, procurando corresponder às expectativas, e merecer, mesmo não falando de honorários, pelo menos o prestígio e a projecção mundial que o espectáculo proporcionará, o que já não é pouco para a carreira dos artistas participantes.
Ensaios e mais ensaios era o que fazia, até há pouco tempo, Daniela Mercury.
Natural de Salvador, capital do estado brasileiro da Bahia, a cantora de 40 anos, sucesso no Brasil e na Europa através de Portugal e da França, fora convidada pelo Vaticano para actuar na festa de Natal.
A única brasileira convidada em 13 anos, a idade do evento, tinha tudo prontinho para partir para Roma em 28 de Novembro, levando consigo os pais e a avó, uma velhinha de 96 anos.
Poucos dias antes o Vaticano cancelou a apresentação de Daniela.
Apesar de católica (começou a cantar na igreja), embaixadora do programa da ONU UNAIDS, contra a SIDA/AIDS, embaixadora da UNICEF há 10 anos, embaixadora da UNESCO há 6 anos, representante do Instituto Ayrton Senna, Irmã da Santa Casa da Misericórdia, membro do Young Global Leaders, e membro do Conselho da Bolsa de Valores Sociais da BOVESPA, o Vaticano não hesitou em cortá-la do espectáculo.
Segundo Daniela Mercury, a sua assessoria e alguns colunistas, a exclusão ficou a dever-se à participação da cantora num filme publicitário que defendia a utilização do preservativo para a prática de sexo seguro. Indignada com a decisão do Papa, Daniela reiterou o seu respeito à Igreja Católica, mas manteve a sua posição quanto ao preservativo como meio de suster a propagação da SIDA/AIDS, tanto mais que no Brasil, o seu país, os índices são elevados.
A razão estava com ela nessa argumentação, e desde logo se é levado a pensar no comportamento reaccionário da Igreja sobre o assunto.
Já o anterior Pontífice, João Paulo II, provocara extensas e profundas polémicas sobre planeamento familiar, por um lado, e doenças sexualmente transmissíveis, por outro, ao afirmar a oposição frontal e firme da Igreja ao uso do preservativo.
Mais conservador ainda, segundo alguns, o seu sucessor, Bento XVI, que ocupou o lugar de maior destaque na autoritária e retrógrada herdeira da Santa Inquisição, ele próprio o principal conselheiro de João Paulo II, naturalmente não iria abrir mão de um princípio tão severamente defendido pela doutrina católica.
E as coisas ficariam por aqui, entre as críticas da opinião pública ao Vaticano, e a consternação e a raiva da cantora e dos seus músicos.
Mas o "Jornal da Mídia" e o jornal "A Tarde", ambos com portais na Internet, dizem que não foi bem assim.
O anúncio protagonizado por Daniela Mercury data do Carnaval deste ano, e o convite do Vaticano é de Agosto, seis meses depois. Bem informada como habitualmente está, custa a crer que a Santa Sé não tivesse conhecimento do trecho publicitário quando formulou o convite. Provavelmente preferiu ignorá-lo, fosse pela avaliação do saldo entre os prejuízos para a Fé e os prejuízos para a saúde da população brasileira, o que é pouco provável, mas, enfim, admitamos, fosse pela qualidade curricular da cidadã e artista Daniela Mercury, fosse, até, por outro qualquer motivo, filho de uma qualquer das possíveis e insondáveis estratégias do Vaticano.
Parece, pois, que o anúncio não foi a razão principal do corte.
Segundo os órgãos de informação acima referidos, em Setembro, pouco depois do convite papal, Daniela concedeu uma entrevista ao "Fuxico", jornal de fofocas do sul do país.
Aí teria declarado que iria pedir ao Papa para "adoptar a camisinha".
"Você é um Papa moderno, tem de entender a necessidade! (da camisinha)".
E, ao que parece, fora mais longe, ao prometer que faria oferta a Bento XVI de um livro "com uma camisinha dentro".
O jornal "A Tarde" garante que "segundo fontes da Santa Sé, a brincadeira teria custado a participação da cantora".
A ser tudo verdade, estranhar-se-ia se o Vaticano não tivesse reagido dessa forma.
A cantora e a respectiva assessoria negam tudo.
Entretanto, as páginas da Internet onde se encontrava a entrevista, ou partes dela, no "Fuxilo", no seu colega "Babado", no "Jornal da Mídia" e no jornal "A Tarde" desapareceram. Isto prova que alguns tipos de influência funcionam como pressão censória de quem se sente incomodado, e que a liberdade de imprensa ainda é um mito, mesmo nalguns países de Constituição democrática.
O empolgamento de certas vedetas frente à comunicação social é, muitas vezes, um tiro pela culatra que lhes sai caro, principalmente quando elas têm um histórico de "jeito moleque e irreverente de se comportar", como está expresso na biografia constante do portal da artista.
Em determinadas circunstâncias, casos de incontinência verbal, por exemplo, a língua e a garganta dos cantores devem estar ao serviço da voz que canta. E só. Se assim não for, se a cabeça perder o controlo dos actos e da prosa, as consequências podem ser dolorosas. Sem direito a indignações.



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