CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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quarta-feira, julho 09, 2008

LÁGRIMAS DE CROCODILO

Por tudo e por nada, aí tem o Brasileiro a lágrima pronta como as que exibem por dever de ofício as estrelas de cinema.
Claro que há lágrimas autênticas, sentidas e com razão. Já vi muitas. E lágrimas silenciosas, às vezes as mais doridas. Longe de mim negar essa realidade.
As lágrimas artificiais de que falo são as que não resistem a uma análise séria quanto aos motivos, ao objecto e às intenções do choroso ou da chorosa. Permitam-me alguns exemplos.
Em campanha eleitoral para segundo mandato, Luís Inácio Lula da Silva comove-se e chora ao ouvir uma banal cançoneta brasileira cantada por uma banalíssima intérprete brasileira. A sua popularidade tinha decaído e a reeleição, pelo menos à primeira volta, estava comprometida.
Em Brasília, vários deputados da oposição arguidos em processos que decorreram no Conselho de Ética da Câmara, ao serem interpelados quanto ao recebimento de verbas para votarem as propostas do governo, ou por acusação de envolvimento em esquemas de desvio de dinheiros públicos, choraram como menininhos injustiçados, protestaram a sua inocência, e até talvez tenham tocado alguma corda sensível dos seus pares. A verdade é que foram escandalosamente absolvidos. Mas a Polícia Federal não se comoveu e indiciou a maioria deles pelos crimes de que eram acusados. A partir daí não choraram mais.
No Rio de janeiro, uma jovem de pouco mais de 20 anos chora em torrentes, inconsolável, perante o assassinato do pai e da mãe enquanto estes dormiam. Está presa por ter sido a instigadora e cúmplice material do crime executado pelo namorado e um irmão deste. A fortuna em jogo era grande.
Uma jovem e atraente cabeleireira, inesperadamente viúva, chora a morte do companheiro assassinado. Ele era milionário desde há dois anos, mercê dum chorudo prémio de apostas mútuas. Está presa por autoria moral do crime, juntamente com mais nove facínoras, incluindo dois dos seus amantes.
Num subúrbio, a mãe jura, por entre trejeitos de desgosto e lágrimas em cascata, que o filho, quase menino ainda, era honesto, trabalhador, exemplar. Foi vitimado por uma bala da Polícia durante uma incursão a uma cidadela da droga onde o rapaz "trabalhava". Deixou de poder sustentar a família.
Numa entrevista longa a um programa de televisão que aborda escandalozinhos e outras coisas comezinhas, um estilista amaneirado – que habitualmente faz parte do programa – chora, chora e chora, apela para a mãe que tão bem o conhece, e declara-se dependente de remédios contra a depressão. Tudo isto para tentar limpar a imagem que deixou no público quando foi apanhado em flagrante a roubar dois valiosos vasos de mármore de Carrara num cemitério de São Paulo.
A que se deve tamanha capacidade e propensão para a choraminguice?
Não será pelo clima. Apesar de considerado um país tropical, o Brasil tem quase todos os climas possíveis: de 33 graus fixos durante todo o ano, às quatro estações bem demarcadas, com neve no Inverno, passando por regiões temperadas.
Pelo tipo de território também não. País onde cabe praticamente toda a Europa, a sua diversidade de morfologia e tipo de terreno não pode justificar a lágrima pronta a cair do canto do olho.
Será a poluição? Agora sim. A poluição ajuda muito. A poluição mental, entenda-se.
As tele-novelas, muitas, uma praga, a decorrer em simultâneo a toda a hora do dia, apelam aos sentimentos mais primários, entre a raiva e a paixão, o ciúme e a tolerância sem regras, o ódio e o amor cor-de-rosa, tudo isto marcado por intrigas e vinganças e por toneladas cúbicas de falsas lágrimas – e o espectador chora com os seus heróis.
Os noticiários, impressos, radiofónicos ou televisivos, principalmente estes, exploram as imagens dos que choram para as câmaras e não respeitam as lágrimas dos que têm razões para chorar. Os comentários dos apresentadores e as perguntas dos repórteres, tantas vezes cabotinos, não visam a notícia, mas apenas vender mais (papel ou tempo de antena). As alfinetadas permanentes nos sentimentos das pessoas (e o Brasil tem um baixo índice de alfabetismo, muito analfabetismo funcional e pouco poder de análise crítica) prepara o terreno para o choro fácil.
Habituado a ver chorar os outros, na realidade ou em fantasia de que não se apercebe, o Brasileiro aprendeu por contaminação o jogo do chorar. Pensa ter assim conseguido uma arma. E vai chorando, chorando tanto mais quanto mais precária for a sua segurança material e psíquica.



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