CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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terça-feira, novembro 22, 2005

INSTITUIÇÕES FALIDAS

No decorrer do último século, homens e mulheres alteraram as relações interpessoais, e fizeram de grande parte da sociedade um ambiente hostil, violento e agressivo. O Brasil, em extensas áreas sociais, não foge à regra.
Das principais transformações operadas, destaca-se a da passagem da industrialização, com vista ao desenvolvimento, para o consumo desenfreado, dando lugar a uma triangulação definida por produtividade-consumismo-desperdício.
Esta, por sua vez, apoiada numa publicidade selvagem sem fronteiras, quer internas, quer externas, quer domiciliárias, quer nacionais, é geradora de ambições de conteúdo equivocado, frustrações, e dramas pessoais e familiares.
E isto, precisamente, porque o sucesso individual, identificado, acima de tudo, com o poder aquisitivo de bens de consumo, é procurado a qualquer preço, mesmo quando esse preço é o da vida, própria ou alheia.
A recente apreensão no Brasil de armas douradas, ostentação dos bandidos "mais bem sucedidos" no mundo do crime, é um exemplo eloquente.
A preocupação pelo
ter substituiu, em muitas das mentalidades contemporâneas, a preocupação pelo ser.
Em tal quadro social, crianças, adolescentes e jovens adultos cada vez mais necessitam da presença, ou, pelo menos, da proximidade, dos pais. O grau de assiduidade e constância dependerá da maturidade e da profundidade das relações entre todos os membros do agregado familiar, seja numa família restrita, seja numa família alargada.
Mas, tanto a proximidade, como, por maioria de razão, a presença são impossíveis, porque outra das transformações sociais que ocorreram foi a desintegração e a desarticulação da família nuclear, a família tal como era conhecida até meados do século XX.
Hoje pontuam as famílias de divórcios ou de separações sucessivas, de tentativas de recomposição seguidas de novas separações, as famílias onde não há pai ou mãe, as famílias de discussões e disputas assíduas sem termo nem sucesso, as famílias onde os dois membros do casal se ignoram e/ou ignoram os filhos, as famílias onde, a pretexto de um falso sucesso profissional, os seus elementos nunca se encontram, onde, portanto, não há troca de experiências nem de afetos, não há exemplos de conduta baseada em princípios, não há transmissão de regras, referências e limites, não há diálogo.
Mesmo as famílias ainda hoje constituídas segundo o figurino clássico, apenas formalmente cumprem uma função social. Contaminadas pela desestruturação generalizada, não conseguem já, ou conseguem deficientemente, passar para os descendentes os princípios universais e os valores culturais que cimentaram a coesão das sociedades dos seus antecessores, com a força colectiva para lutarem, em liberdade responsável, pelos seus objectivos.
Uma nova moral sem ética, emergente nas actuais sociedades, permite um jogo de vale-tudo para ser feliz, confundindo, irremediavelmente, felicidade, um estado de espírito duradouro, com prazer, um estado físico imediato, passageiro, por vezes entorpecente e, por isso mesmo, sem a ponderação de consequências, e sem o reconhecimento de responsabilidades. Tudo isto gera conflitos na mente dos indivíduos e no tecido social.
De dia para dia, e reportando-me, de novo, ao Brasil, aumenta a frequência de casos de jovens que matam colegas, que matam professores, que matam namorados ou namoradas, que matam os pais, que se matam a si próprios.
Os pais, se estão vivos, choram tardiamente os dramas e dizem não entender.
A Escola, por sua vez, demitiu-se, há muito, de boa parte das suas funções. Agora, quando funciona, quando não está em greve ou ausente em qualquer comemoração vazia de sentido, limita-se a transmitir, e, na maior parte dos casos, mal, a informação técnica e científica que há-de permitir a sobrevivência e a reprodução do sistema.
Princípios e valores que dantes eram ensinados juntamente com o Português e a Matemática foram metidos no porão das lembranças sem préstimo.
Nas salas de aula, superlotadas muito para além do razoavelmente admissível, além de livros, cadernos e lápis, quando os há, co-existem armas e drogas.
Nos recreios passeiam-se grávidas precoces, que, sem outra saída, abandonam a escola, às vezes para sempre.
Tanto os professores, muitos deles mercenários do ensino, como os conselhos directivos recusam responsabilidades, e, impotentes, sorriem dos despropósitos verbais e de comportamento dos alunos. Se os repreenderem, correm o risco de sofrer represálias, que podem chegar à agressão, executadas pelos próprios alunos ou pelos pais.
Enfim, sem generalizações abusivas, mas, também, sem falsas ilusões, é legítimo e angustiante concluir que em grande parte dos casos, demasiados casos, tanto a Família como a Escola são instituições falidas. E com instituições falidas não é possível criar capital para o futuro.



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