O movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST), do Brasil, nasceu em Janeiro de 1984, já no fim da ditadura militar que dominara o país durante 20 anos.
Na cidade de Cascavel, estado do Paraná, no sul, o 1º encontro dos rurais sem chão para trabalhar decidiu que a ocupação de terrenos de cultivo seria uma ferramenta legítima para os seus objectivos.
A partir daí, o movimento começou a estruturar-se, orgânica e politicamente.
No ano seguinte, em clima de campanha e agitação popular que exigia as primeiras eleições livres em duas décadas, teve lugar, também no Paraná, mas, desta vez, na capital, Curitiba, o I Congresso Nacional, subordinado ao tema "Ocupação é a única solução".
Foi o período em que a autonomia se afirmou, e em que se criaram os símbolos de identificação: hino e bandeira.
O Movimento organizou-se internamente em sectores, e, em 1990, realiza-se o II Congresso, em Brasília, capital do país, sob o lema "Ocupar, resistir, produzir". Na cabeça da maioria dos integrantes do Movimento, apenas os dois primeiros verbos permaneceram na memória e nos actos.
Nesse encontro debateu-se, em particular, a expansão a nível nacional.
Um ano depois, no III Congresso, de novo em Brasília, a palavra de ordem "Reforma agrária, uma luta de todos", pretendeu desenvolver a consciência de que a reforma agrária seria uma luta do campo, fundamentalmente, mas que, para ter sucesso, precisava ser travada também nas cidades.
Em Agosto de 2000, ainda em Brasília, bem junto aos ouvidos do governo central, o IV Congresso gritou "Por um Brasil sem latifúndio". Desde então, as acções do MST têm sido orientadas por esse princípio.
O MST assume-se como um movimento revolucionário, e defende a instauração de um Estado socialista, à imagem dos regimes que o tentaram e foram já diluídos nas circunvoluções da História.
Mas no fundo, bem no fundo, talvez não seja isso que o Movimento pretende.
Aquela promessa e aquele ideal são a forma que os seus dirigentes, quase todos oriundos da classe média, encontraram para conduzir os camponeses às metas que estabeleceram como objectivos pessoais.
A Reforma Agrária desenhada ainda no tempo da ditadura foi considerada por muitos, incluindo o MST, como um bom projecto. Mas não saiu do papel.
As acções executadas hoje pelo Movimento são fruto do desespero de muitos dos seus integrantes, na verdade pobres e esfomeados, de que os líderes se aproveitam para a tomada de posições de força.
O diálogo entre o MST e as autoridades é forçado pelas circunstâncias, e não uma iniciativa desejada e construída por ambas as partes.
As actuações situam-se cada vez mais no campo da ilegalidade, a coberto de uma impunidade consentida, quando não, mesmo, apoiada. É o caso do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que se diz solidário com os Sem Terra, e ter simpatia pelas suas intervenções.
Não são já poucos os crimes apontados e provados contra elementos do MST. Invasão com violação de domicílio, porte ilegal de arma, destruição de bens públicos e privados, formação de quadrilha, furto e roubo, utilização de menores para práticas criminosas, retenção de reféns, e lesões corporais são alguns dos delitos.
Avançando sem qualquer controlo nem oposição das autoridades, que parecem temê-los, invadem, arbitrariamente, propriedades privadas e públicas, sem outro critério que não seja o da ocupação pura e simples. Edifícios do próprio INCRA, instituto que gere a reforma agrária e medeia os respectivos conflitos, não escapam à fúria avassaladora dos invasores.
Uma vez montados os acampamentos nas propriedades, aguardam tranquilamente o desenrolar dos acontecimentos e as decisões da Justiça ou do Governo. Escudada em princípios nem sempre transparentes, a razão é dada, ora aos invasores, ora aos invadidos. Estes recrutam, então, verdadeiros exércitos de capangas, seja para se defenderem, seja para expulsarem os intrusos. Muitas vezes, dessas batalhas resultam, para além de feridos, e feridos graves, mortos também.
Quando ocupam as fazendas em laboração, não participam nas actividades do processo produtivo. Pelo contrário, é hábito consumirem e/ou destruírem o que por lá encontram. O fogo posto é usado sem cerimónia.
Em caso de resistência por parte dos proprietários, não hesitam em lançar mão de armas de fogo para conseguirem os seus intentos. Essa é uma das razões pela qual se pronunciaram a favor do desarmamento referendado em Outubro deste ano. Pelos contactos fáceis que podem estabelecer, ao longo das suas deslocações, com fornecedores clandestinos, e pelo esbatimento de responsabilidades que caracteriza o seu comportamento em grupo, ficariam em situação de vantagem perante os fazendeiros desarmados, ou com armas referenciadas.
Ao invadirem fazendas produtivas, ao destruírem, ou, pelo menos, dificultarem seriamente as suas actividades, afastam os investidores, encurtam a riqueza nacional, impedem a criação de novos postos de trabalho, e fomentam o desemprego.
Actualmente, segundo técnicos e especialistas em várias vertentes, o Brasil não possui terrenos improdutivos. Portanto, as ocupações visam fazendas onde o agronegócio contribui para a riqueza do país.
Grandes empresas, tanto nacionais como estrangeiras, do Canadá e da Europa, por exemplo, que dão emprego a muitos milhares de trabalhadores, começam a cortar em milhões os investimentos feitos na agricultura, na pecuária, e na silvicultura.
O MST está a contribuir, assim, para o aumento dos seus membros, despedidos daquelas empresas.
O objectivo divulgado de transformar as fazendas em núcleos de agricultura familiar, de subsistência, para matar a fome aos desfavorecidos, é uma falsa questão que só serve para enxotar o investimento, reduzir as exportações, criar desemprego, e socializar a pobreza. Um nivelamento feito pelos padrões inferiores. Os pobres continuarão pobres e atrairão mais pobres, recentemente empobrecidos, para o seu meio. Ninguém ganha e há bastantes que perdem.
Muitos dos Sem Terra não querem, sequer, trabalhar na lavoura. Uma vez da posse legalizada dos terrenos, vendem-nos e partem para novas ocupações.
O governo nada disto controla. Em lugar de uma actuação concertada, articulada com todas as entidades interessadas e envolvidas, atribui ao Movimento vultosas verbas. Curiosamente, desde 2002 aumentaram as ocupações. Foi nesse ano que o presidente Lula da Silva iniciou o seu governo, com o apoio tentacular do PT, Partido dos Trabalhadores, a que pertence, e que mantém com o MST relações privilegiadas e de liderança.
Em Fevereiro de 2005 dois agentes da polícia foram torturados, e um deles assassinado a tiro. Investigavam um casal do MST, supostamente integrante de uma quadrilha de roubo de cargas. O Movimento argumentou que não sabia que os homens eram da polícia. Justificação que demonstra bem a sua ética.
De dia para dia aumenta a ligação do MST a vários tipos de crime violento. Alguns dos seus dirigentes estão, ou estiveram, presos. Outros têm sobre si mandados de captura.
O instituto governamental da reforma agrária, INCRA, faz os possíveis por não se envolver nos conflitos que tem de mediar, alegando que não possui poderes policiais.
Em Outubro último, o MST foi condenado a devolver aos cofres da República, dos contribuintes, portanto, a interessante quantia de 2 milhões de reais (cerca de 800 mil euros), por ter sobrefacturado actividades. O dinheiro ilegalmente obtido teria sido utilizado para promover ocupações de propriedades.
Nos finais de Novembro, os Sem Terra retomaram uma prática antiga de invasão de supermercados. Centenas de pessoas ligadas ao movimento instalaram-se por várias horas em quatro supermercados de grande porte, e só retiraram quando conseguiram que fossem distribuídos gratuitamente alimentos em número considerado suficiente.
Um dos coordenadores da acção justificou o facto com a falta de comida para os que tinham sido obrigados a levantar acampamento de praças e de edifícios estaduais e federais da cidade onde se deu a invasão. "O governo disse que só negocia e senta para conversar depois que desocuparmos os prédios. Como não vamos fazer isso, estamos tomando providências porque não há comida para ninguém. Estamos com fome e o povo com fome não tem como segurar". Nem uma palavra acerca de trabalho.
O tal INCRA ignora, a polícia não prende, no cumprimento da lei, por extorsão, o governo assobia para o lado.
Enquanto as coisas se mantiverem neste ponto, a situação agrada ao governo de Lula, principalmente em vésperas de eleições, marcadas para Outubro de 2006, mas que poderão ser antecipadas devido ao lamaçal de escândalos de corrupção nos meios políticos, financeiros, e empresariais do país.
Interessa a Lula não hostilizar o MST, com vista à captura de votos nalguns sectores da sociedade civil, e nalgumas franjas da Igreja católica, onde ainda se respira o bafio de ideologias deslocadas do nosso contemporâneo.
Por outro lado, não há terras disponíveis para trabalhar, ou, as que há, o Movimento não quer, se é que quer, de facto, trabalhar alguma. Perante o desafio, esconde a incompetência para resolver o problema na pacata preguiça, e desfaçatez, de nada ter de fazer.
Uma reforma agrária de fundo e séria precisa de uma orientação política que espelhe os princípios democráticos, os direitos, e os deveres que a Constituição, respectivamente, defende, assegura e impõe aos cidadãos.
Uma reforma agrária de fundo e séria precisa de uma fundamentação jurídica adequada, segundo o regime político e o sistema de governo do país.
Uma reforma agrária de fundo e séria precisa de uma assistência técnica eficaz em pessoal, treino profissional e equipamentos, de modo a que, pelo trabalho, e numa perspectiva de integração no conjunto da produção agro-pecuária das unidades já existentes, os rurais consigam as condições de alimentação e morada inerentes à dignidade de toda a pessoa.
Uma reforma agrária de fundo e séria precisa de um apoio financeiro distribuído por prioridades, gerido com perícia, e controlado com honestidade.
Articulando tudo isto e servindo-lhe de suporte, uma reforma agrária de fundo e séria precisa da demonstração inequívoca da autoridade de um Estado de Direito, em que todos os cidadãos são iguais perante a Lei.