CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

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sexta-feira, setembro 15, 2006

SUA EXCELÊNCIA, DEPUTADO.COM.BR

Os 100.000 reais (35.714 euros) auferidos pelos deputados brasileiros à sombra do ar condicionado, contra os 350 (125 euros) asperamente suados pela maioria da população, distribuem-se assim:
Para remuneração propriamente dita vão quase 13.000 reais.
A contratação de assessores consome mais de 50.000 reais.
Os restantes 37.000 são gastos em despesas de representação, custos com residência, passagens aéreas, jornais e revistas, selos e faxes.
Não estão aqui incluídas outras mordomias contabilizadas nas contas da União.
É interessante referir que dos colaboradores da Câmara dos Deputados, os tais assessores, funcionários considerados em "funções especiais", a ganhar cada um até 8.000 reais por mês, acabam de ser despedidos mais de mil (cerca de metade) porque nunca apareceram para trabalhar – funcionários fantasmas que jamais alguém viu ou sabe quem são; há a certeza, no entanto, de que ou têm emprego noutros Estados, ou são mesmo vadios. Em qualquer dos casos, as tais "funções especiais" sempre se traduziram por invisibilidade.
Quanto aos senhores deputados: desde Março que não aprovam nenhum decreto-Lei; entraram de férias a partir de Junho; o "esforço concentrado", operação que consistiu na convocatória extraordinária, com pagamento extraordinário, para discussão e aprovação de projectos importantes, saldou-se por um absentismo maioritário; em Setembro só trabalharam 3 dias, partiram para a campanha eleitoral (urnas em 1 de Outubro próximo), mas receberam as verbas do mês por inteiro; dos 107 projectos aprovados até agora, desde o início do ano, apenas 15 são da sua autoria, já que os restantes tiveram origem na presidência da República, no Supremo Tribunal, no Tribunal de Contas e noutros órgãos.
Apesar desta assimetria de rendimentos entre os que trabalham no duro (às vezes sete dias por semana) e ganham miseravelmente, e os que ganham principescamente e trabalham no mole (três dias por semana), apesar desta relação custo/benefício perversa e ruinosa para o Brasil, o deputado.com.br entende que o que rapa dos impostos do povo não lhe chega para viver.
No intuito de arredondar o salário, que a vida está difícil, lança-se, então, em expedientes de que a Ética está ausente e, não poucas vezes, a Lei também.
Ficaram em evidência neste ano, mas transladados já de anos anteriores, o esquema do "mensalão", pagamento a deputados oposicionistas de chorudos prémios para que votassem favoravelmente propostas do governo (as verbas tiveram origem em verdadeiros assaltos aos cofres públicos e lavagem de dinheiro, consumados pelo Partido dos Trabalhadores, PT, o partido que apoia o actual presidente da República que se recandidata, Luís Inácio Lula da Silva, que já foi seu líder); o recebimento de comissões, aqui chamadas "propinas", algumas delas por extorsão, como foi o caso do penúltimo presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, que, despudoradamente, também se recandidata, a empresários de vários ramos de actividade, em troca da concessão de benefícios por parte de órgãos de Estado; o caso dos "Vampiros", arrecadação de dinheiros públicos, pela compra sobrefacturada de hemoderivados, produtos para tratamento de hemofílicos e portadores do vírus da SIDA/AIDS; o escândalo dos "sanguessugas", desvio de dinheiro dos cofres da União através da compra sobrefacturada de ambulâncias destinadas às autarquias.
E a apresentação da escandaleira poderia continuar.
Isto explica por que há tantos candidatos a deputado, e responde a uma pergunta pertinente do cidadão contribuinte: como pode um candidato gastar com custos de campanha várias vezes mais do que vai ganhar ao longo dos quatro anos de mandato? Como diz o português, "quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem"...
Os tribunais eleitorais rejeitaram para cima de 2.000 candidaturas que feriam a Lei Eleitoral, nas mais diversas facetas, incluindo candidatos a contas com a Justiça por burlas e outras trafulhices, e crimes que chegam ao envolvimento, directo ou indirecto, em assassinatos.
Mas os que escaparam às malhas do Judiciário, por artimanhas e malabarismos, alguns bem pitorescos, como a renúncia ao mandato antes que fossem indiciados pelos Conselhos de Ética do Legislativo (porque, nestes casos, a Lei perdoa e permite a recandidatura, mesmo com crime eleitoral confirmado), a absolvição corporativa feita pelos pares, iguais ou opositores, nos plenários do hemiciclo, convocados para o julgamento, e a capa protectora dos partidos que, ao invés de se expurgarem da malandragem, lhe dão cobertura e apoio, esses fora-da-lei contam com a má memória e o elevado analfabetismo do povão e com o caciquismo ainda muito vivo para se elegerem.
É vê-los passearem-se em garridas caravanas, ou retratados em coloridos paineis grandes, grandes, grandes como a sua falta de vergonha. O mesmo olhar insolente, o mesmo riso alvar com que protestaram nas televisões e nos jornais a sua inocência, mesmo depois de comprovados os crimes cometidos.
Seguem impantes, cheios de certezas e de uma inabalável vontade de continuar a roubar e a servir-se do povo para atingir os seus objectivos particulares.
Atroam os ares com as mesmas promessas que não cumpriram nos quatro anos anteriores.
Empunham dezenas e dezenas de bandeiras, mas entre elas não se vê flutuar a da honestidade – e, muito menos, a do serviço público.
O povo segue, desinteressado, à sua vida, sem lhes dar atenção, desiludido, desenganado, descrente.
Os cães passam, as caravanas ladram...



sexta-feira, setembro 08, 2006

"O BRASIL NÃO É UM PAÍS SÉRIO"

No dia 7 de Setembro o Brasil comemorou a data da sua independência.
Mas será que um país que vive na corrupção permanente, da base às mais altas instâncias, poderá afirmar-se independente?
"O Brasil não é um país sério". Tanto quanto se sabe, esta foi a primeira afirmação pública sobre o assunto, atribuída já há algumas décadas, nos anos 60, ao general Charles de Gaulle, presidente da França, quando por aqui passou e se demorou algum tempo. Há quem afirme que sim, há quem garanta que não. Mas, recentemente, foram feitas afirmações semelhantes por um chefe de Estado da América latina.
Cá dentro, há cerca de um ano, um conceituado escritor e jornalista disse a uma rádio que o entrevistou que o brasileiro é desonesto, todo o brasileiro, seja rico ou seja pobre.
No meu dia-a-dia encontro gente que confirma estas declarações, por vezes de forma bem mais desabrida e desinibida, em Português vernáculo. Dos Poderes Públicos, o silêncio de quem sabe que não pode contestá-las, porque as provas são mais que evidentes.
No ano passado, um apresentador de noticiário de tv, à noite, um jornalista respeitado no meio, referindo-se à frase supostamente de de Gaulle, ainda foi dizendo, embora a meia boca, que não era bem assim, que o Brasil era um país sério. Tentou, a seu modo, salvar a honra do convento, neste caso, a honra do país, mas ninguém o aplaudiu, nem, sequer, o acompanhou.
Na verdade, o Brasil não é um país sério – e é, isso sim, um paraíso para os "não-sérios", ou seja, a malandragem, tanto a que vem de fora, como a que já cá se encontra.
Os factos são aquilo em que as certezas se apoiam. Vejamos os factos:
Quem faz o Brasil são os brasileiros – o povo e os dirigentes, as instituições laicas e religiosas, as organizações não governamentais e as estatais.
Se as instituições não forem sérias, darão o exemplo facilmente (e auto-justificadamente) seguido pelas populações que pretendem, de pleno direito, sair da miséria em que vivem.
Assim, tudo fica contaminado.
As relações políticas.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- pela corrupção generalizada:"do servente ao presidente, é tudo a mesma gente";
- pelo assalto aos cofres públicos, feito pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o partido do presidente;
- pela lavagem de dinheiro feita pelo mesmo PT através de uma rede de empresas de publicidade de um tal Marcos Valério que, apesar de todas as confirmações de envolvimento no esquema, nunca foi preso;
- pelo programa chamado "mensalão", que consistiu no pagamento de avultadas verbas a deputados da oposição, para que votassem favoravelmente as propostas do Governo;
- pela extorsão feita pelos dois anteriores presidentes da Câmara dos Deputados a empresas e organizações, em troca da concessão de benefícios;
- pelo escândalo dos "vampiros", políticos que recolhiam dinheiro da sobrefacturação da compra de hemoderivados, especialmente destinados a hemofílicos e portadores do vírus da SIDA/AIDS;
- pelo escândalo dos "sanguessugas", políticos que recolhiam dinheiro da sobrefacturação da compra de ambulâncias para as autarquias;
- pelo recebimento, abafado, de dinheiros do exterior, ilegal, para campanhas políticas, incluindo as presidenciais de Lula da Silva;
- pela abertura no exterior de contas em paraísos fiscais; a imprensa acusa o próprio presidente, o seu dilecto amigo Thomaz Bastos, ministro da Justiça, o presidente do Banco Central, e outros compinchas partidários ou prestadores de serviços ao Governo;
- pelas desconcertantes declarações de Lula da Silva, afirmando, primeiro, que nada sabia da corrupção (quando era o seu partido e os seus mais próximos colaboradores a praticá-la), mais à frente dizendo que tais práticas existem em todos os partidos (tentando tornar natural uma fraude), e, finalmente, defendendo que essa corrupção sempre existiu (procurando legalizar uma ilegalidade); o mesmo Lula, presidente da República, que canta de alto que todos os prevaricadores serão punidos, enquanto todos eles são, sistematicamente, absolvidos; o mesmo Lula que se "orgulha" de que o seu Governo "não rouba nem deixa roubar";
- pelas contas pagas pelos contribuintes, muitas com facturas falsas, a Lula e seu séquito – mulher, filhos e outras companhias;
- pelo chamado "esforço concentrado", um plano que pretendia pôr os deputados, pagos principescamente, a trabalhar em projectos de urgência, e que se saldou no seu vergonhoso absentismo (70 presenças em 513 eleitos);
- pela falta ao serviço, não justificada e não apurada, dos servidores da Câmara e do Senado que, a pretexto da ausência dos políticos, em plena campanha eleitoral, se escusam ao trabalho, apesar de se pagar, em média, 6000 reais (um euro vale, aproximadamente, 2,8 reais) por mês, por servidor, num total de dois milhões por ano.
Toda esta imaginativa rapaziada anda à solta , e, mais do que isso, se candidata às novas eleições (em Outubro próximo). Apesar das cerca de 2000 impugnações de candidaturas feitas pelo Tribunal Eleitoral, a maioria da corja prepara-se, a coberto da má memória e da iletracia do povão, para sacar e saquear, num fartar vilanagem de mais 4 anos.
As relações económicas e financeiras.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- pela fraude fiscal generalizada;
- pela utilização ostensiva de facturas (notas fiscais) falsas, aqui chamadas "notas frias", que alimentam muita gente, incluindo a presidência da República (presidente, mulher do presidente, amigos do presidente, governantes do presidente);
- pela distribuição dos rendimentos, a segunda pior do mundo, só ultrapassada pela Serra Leoa, um país perdido na África, com 10 anos de guerra civil recente, com amplitudes só existentes em países do terceiro mundo onde prevalece o compadrio e a corrupção é senhora e lei;
- pela taxa de juro mais elevada de todo o planeta, da ordem dos 144% (cento e quarenta e quatro por cento) ao ano;
- pelo encerramento de inúmeras fábricas, com falências fraudulentas ou provocadas pelas assimetrias salariais dos Estados da União;
- pela isenção de impostos a quem tem mais obrigação de os pagar;
- pela evasão ilícita de divisas para o estrangeiro, onde foram alimentar contas de políticos, alguns de proeminência na condução dos destinos do país, e de empresários, geralmente ligados ao ramo da publicidade e do marketing, curiosamente, todos eles fornecedores de serviços (sobrefacturados) ao Governo;
- por um superávit primário espectacular, à custa do bloqueio de verbas orçamentadas para o desenvolvimento do país.
As relações pessoais, familiares e sociais.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- por um número surpreendente de 1700 padres acusados de crimes sexuais;
- pelo aumento das agressões (registadas oficialmente) a mulheres e a crianças;
- por aumento substancial da criminalidade sob a forma de assaltos (a pessoas, casas e instituições), estupros, sequestros e assassinatos (alguns deles por brigas de trânsito);
- por aumento de consumo de álcool e drogas;
- por um aumento generalizado da corrupção entre as forças policiais;
- por uma progressiva influência sobre o comportamento social exercida por facções criminosas que comandam o crime organizado do interior das cadeias, através de telemóveis (aqui chamados celulares) e de advogados que pertencem a essas mesmas facções;
- por escândalos no "desporto" futebol, com árbitros comprados para fabricarem resultados, e estrelas a não se esforçarem no campeonato mundial para não contraírem lesões e não ficarem inactivas nas equipas europeias onde ganham fortunas;
- por desvio, para outros fins, nem sempre muito claros, de grande parte das verbas destinadas anualmente à segurança pública;
- pela constatação de que os bandidos estão mais bem armados do que as forças da ordem;
- pela instalação nos cidadãos do sentimento de que o crime compensa, porque a impunidade, em todos os patamares, é uma garantia adquirida pelo criminoso.
Todo este leque de misérias tem a mesma causa: a falta de seriedade na condução dos negócios públicos e, por arrastamento, dos privados.
O poder corrupto instalou-se em todas as vertentes de decisão, e boicota o trabalho dos que pretendem um Brasil diferente – um Brasil independente.
Talvez daqui a alguns anos, se for possível impedir o acesso aos órgãos dos três poderes do Estado dos que se servem desses órgãos em benefício próprio e exclusivo, se consiga ter um país sério. Até lá, muito há para varrer e limpar.
A seriedade constrói-se, não com gostos, desejos ou intenções, mas com factos e realidades – e o que os factos e as realidades mostram é que o Brasil não é um país sério.
Perante isto, a pergunta que se me coloca é: poderá sentir-se independente?



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