Os 100.000 reais (35.714 euros) auferidos pelos deputados brasileiros à sombra do ar condicionado, contra os 350 (125 euros) asperamente suados pela maioria da população, distribuem-se assim:
Para remuneração propriamente dita vão quase 13.000 reais.
A contratação de assessores consome mais de 50.000 reais.
Os restantes 37.000 são gastos em despesas de representação, custos com residência, passagens aéreas, jornais e revistas, selos e faxes.
Não estão aqui incluídas outras mordomias contabilizadas nas contas da União.
É interessante referir que dos colaboradores da Câmara dos Deputados, os tais assessores, funcionários considerados em "funções especiais", a ganhar cada um até 8.000 reais por mês, acabam de ser despedidos mais de mil (cerca de metade) porque nunca apareceram para trabalhar – funcionários fantasmas que jamais alguém viu ou sabe quem são; há a certeza, no entanto, de que ou têm emprego noutros Estados, ou são mesmo vadios. Em qualquer dos casos, as tais "funções especiais" sempre se traduziram por invisibilidade.
Quanto aos senhores deputados: desde Março que não aprovam nenhum decreto-Lei; entraram de férias a partir de Junho; o "esforço concentrado", operação que consistiu na convocatória extraordinária, com pagamento extraordinário, para discussão e aprovação de projectos importantes, saldou-se por um absentismo maioritário; em Setembro só trabalharam 3 dias, partiram para a campanha eleitoral (urnas em 1 de Outubro próximo), mas receberam as verbas do mês por inteiro; dos 107 projectos aprovados até agora, desde o início do ano, apenas 15 são da sua autoria, já que os restantes tiveram origem na presidência da República, no Supremo Tribunal, no Tribunal de Contas e noutros órgãos.
Apesar desta assimetria de rendimentos entre os que trabalham no duro (às vezes sete dias por semana) e ganham miseravelmente, e os que ganham principescamente e trabalham no mole (três dias por semana), apesar desta relação custo/benefício perversa e ruinosa para o Brasil, o deputado.com.br entende que o que rapa dos impostos do povo não lhe chega para viver.
No intuito de arredondar o salário, que a vida está difícil, lança-se, então, em expedientes de que a Ética está ausente e, não poucas vezes, a Lei também.
Ficaram em evidência neste ano, mas transladados já de anos anteriores, o esquema do "mensalão", pagamento a deputados oposicionistas de chorudos prémios para que votassem favoravelmente propostas do governo (as verbas tiveram origem em verdadeiros assaltos aos cofres públicos e lavagem de dinheiro, consumados pelo Partido dos Trabalhadores, PT, o partido que apoia o actual presidente da República que se recandidata, Luís Inácio Lula da Silva, que já foi seu líder); o recebimento de comissões, aqui chamadas "propinas", algumas delas por extorsão, como foi o caso do penúltimo presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, que, despudoradamente, também se recandidata, a empresários de vários ramos de actividade, em troca da concessão de benefícios por parte de órgãos de Estado; o caso dos "Vampiros", arrecadação de dinheiros públicos, pela compra sobrefacturada de hemoderivados, produtos para tratamento de hemofílicos e portadores do vírus da SIDA/AIDS; o escândalo dos "sanguessugas", desvio de dinheiro dos cofres da União através da compra sobrefacturada de ambulâncias destinadas às autarquias.
E a apresentação da escandaleira poderia continuar.
Isto explica por que há tantos candidatos a deputado, e responde a uma pergunta pertinente do cidadão contribuinte: como pode um candidato gastar com custos de campanha várias vezes mais do que vai ganhar ao longo dos quatro anos de mandato? Como diz o português, "quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem"...
Os tribunais eleitorais rejeitaram para cima de 2.000 candidaturas que feriam a Lei Eleitoral, nas mais diversas facetas, incluindo candidatos a contas com a Justiça por burlas e outras trafulhices, e crimes que chegam ao envolvimento, directo ou indirecto, em assassinatos.
Mas os que escaparam às malhas do Judiciário, por artimanhas e malabarismos, alguns bem pitorescos, como a renúncia ao mandato antes que fossem indiciados pelos Conselhos de Ética do Legislativo (porque, nestes casos, a Lei perdoa e permite a recandidatura, mesmo com crime eleitoral confirmado), a absolvição corporativa feita pelos pares, iguais ou opositores, nos plenários do hemiciclo, convocados para o julgamento, e a capa protectora dos partidos que, ao invés de se expurgarem da malandragem, lhe dão cobertura e apoio, esses fora-da-lei contam com a má memória e o elevado analfabetismo do povão e com o caciquismo ainda muito vivo para se elegerem.
É vê-los passearem-se em garridas caravanas, ou retratados em coloridos paineis grandes, grandes, grandes como a sua falta de vergonha. O mesmo olhar insolente, o mesmo riso alvar com que protestaram nas televisões e nos jornais a sua inocência, mesmo depois de comprovados os crimes cometidos.
Seguem impantes, cheios de certezas e de uma inabalável vontade de continuar a roubar e a servir-se do povo para atingir os seus objectivos particulares.
Atroam os ares com as mesmas promessas que não cumpriram nos quatro anos anteriores.
Empunham dezenas e dezenas de bandeiras, mas entre elas não se vê flutuar a da honestidade – e, muito menos, a do serviço público.
O povo segue, desinteressado, à sua vida, sem lhes dar atenção, desiludido, desenganado, descrente.
Os cães passam, as caravanas ladram...