A expressão "todos os homens [e mulheres] são iguais" traduz um perfeito disparate, porque, por razões biológicas e de educação, quaisquer dois seres humanos que se tomem como amostra, por mais e mais vastas semelhanças que existam entre eles, serão sempre diferentes.
A expressão "todos os homens [e mulheres] são iguais perante a Lei" tem o carácter de afronta moral e jurídica lançada à cara do homem comum, pois torna-se por demais público e notório que a celebrada cegueira da Justiça é bem selectiva em certa comunidades, pendendo o prato do benefício da balança para aquele que possuir mais poder económico e financeiro, ou político, ou de influência em qualquer destes e/ou outros campos.
A expressão "todos os homens [e mulheres] são iguais em oportunidades" representa uma clamorosa distorção da realidade social, pois basta olhar à volta, sem precisar ir muito longe, para perceber com facilidade que o Estado não contempla de igual forma todos os seus membros com um mesmo leque de opções de livre escolha.
Enfim, parece que o capítulo que trata das eventuais igualdades entre as pessoas está cheio de equívocos, sendo ele mesmo um engano, já que tais igualdades, se não esxistem, não podem dar corpo a um assunto que pretende tratar da sua existência e, mais do que isso, afirmá-la.
Mas, se há igualdades que, pela sua própria natureza, não podem ser forçadas, como a de características físicas ou a de personalidades, outras, a bem da dignidade e da harmonia no convívio humano, terão de ser, ao menos, estimuladas, quando não necessariamente impostas. Neste caso cai a igualdade perante a Lei; naquele, a igualdade de oportunidades.
O tema desta crónica emerge do último exemplo.
Criar uma igualdade de oportunidades para os cidadãos, em todas as manifestações da actividade social, deveria ser uma das preocupações e das tarefas primordias e prioritárias de qualquer governo, independentemente da ideologia que o orientasse e servisse de âncora.
É preciso, contudo, sublinhar que tal igualdade só valeria se pudesse ser sentida e experimentada por todos, e não apenas por maiorias ou minorias, fossem elas elites ou não. Uma igualdade no papel ou nas aparências apenas serve para tornar ainda mais discricionário o acesso às oportunidades.
Perante a existência duma igualdade de facto, cada um faria a si próprio a sua própria justiça, chamando a si, plena e inequivocamente, a responsabilidade pelo seu destino, pela sua vida integral. Ao desperdiçar uma ou outra oportunidade, ao seleccionar esta em detrimento daquela, estaria a assumir as consequências das escolhas feitas em consciência. E, ao explorar com empenho as oportunidades preferidas, triunfariam sobre os seus pares os que revelassem, de forma honesta, melhores qualidades (de trabalho, de persistência, de conhecimentos, de inovação, de inteligência, de liderança, por exemplo) para a execução excelente duma função – de limpadores de ruas, a presidente da República.
Deste modo, o todo enriqueceria, a comunidade progrediria.
Contudo, o que habitualmente acontece é uma realidade bem diversa: num contexto social de desigualdade extremada de oportunidades, induzida por variados factores que actuam com diferentes intensidades, oferecem-se, frequentemente, oportunidades a quem não as quer aproveitar, ou não está em condições de o fazer (é o caso dos filhos de família que enveredam pelo mundo do crime, apesar do manancial de opções construtivas de que dispõem); ou, por outro lado, forçam-se alguns a aproveitar oportunidades que são retirados a outros, instilando venenosas animosidades que, podendo ou não provocar confrontos, conduzem, pela certa, a desiquilíbrios e rupturas no relacionamento entre indivíduos e grupos.
Foi isto que o actual governo brasileiro levou a cabo, quando estabeleceu a o sistema de cotas para o acesso dos negros às universidades do Brasil, obrigadas a recervar-lhes uma percentagem de lugares.
Quero acreditar que há no Governo inteligências capazes de reflectir sobre os sérios inconvenientes de tal decisão, mas, do mesmo modo, não me custa a crer que tenham sido mandadas calar pelo Chefe, o mentor da medida, ou que, por cautela, nem sequer se tenham pronunciado. É que, na verdade, não se pretende com aquela resolução um nivelamento de oportunidades, mas sim lançar uma rede ao voto de estudantes negros e suas famílias.
Porém, sentir-se-ão os estudantes negros dignificados e tratados com imparcialidade por essa "oferta" do chefe do Governo, o presidente Lula da Silva? Estimo que não, por vários motivos.
Primeiro, é tão evidente o objectivo eleitoralista que se torna eleitoraleiro, isto é, ridículo e sujo ao mesmo tempo.
Depois, o acto é proteccionista, numa esfera em que o proteccionismo tem como resultado a obstrução ao desenvolvimento. É, pois, também, demagógico. Se o Governo quer proporcionar a negros e brancos o acesso às universidades, com contrapartidas positivas para o país, não será com processos administrativos que o conseguirá, mas com medidas de fundo, estruturais, da sua competência, no campo da saúde, da alimentação, da habitação, do emprego para jovens, do preço dos livros didácticos e demais material escolar, entre outras – o que implica pensar, decidir, actuar, trabalhar, gastar dinheiro, dispender tempo e esperar pela colheita dos benefícios, isto é, um conjunto de acções sem repercussão popular imediata.
É, também uma medida injusta, já que, por causa da cor da pele, ocupa vagas, sem saber se o faz em detrimento de outros com melhores e mais evidentes potencialidades e capacidades para assegurar êxito, pessoal e ao país. Além disso, parte do princípio errado, de que não há entre os brancos carências do memso tipo das observadas nos negros.
Além disso, a medida é instigadora de preguiça. Se alguém sabe de antemão que tem a posse de determinado lugar muito facilitada, seguirá a lei do menor esforço, procurando obter apenas o indispensável para lá chegar, protegido de uma competição generalizada.
Finalment, a medida tem um forte colorido racista, enquanto pressupões que determinados indivíduos da malha social, porque são pretos, precisam de uma mãozinha do Estado para subirem na vida, e que, sem esse empurrão, nunca serão ninguém. Constata-se alguma menoridade física, intelectual, cognitiva, volitiva, dos pretos em relação aos brancos? Se afirmativo, diga-se isso claramente, fundamentando, e acabe-se com a hipocrisia das campanhas anti-racismo. Se negativo, acabe-se com a hipocrisia das cotas para negros nas universidades, e fomente-se uma verdadeira mentalidade de integração social sem racismo.
Numa sociedade saudavelmente organizada (que não é o caso do Brasil) o sistema de cotas para o acesso de negros às universidades não faz nenhum sentido; nem para isso, nem para qualquer outro propósito. As oportunidades devem privilegiar o mérito próprio e a competência. E só. Por isso, em tal sistema, os empenhos pessoais, familiares, políticos, por apadrinhamento, por amiguismo, por suborno, por chantagem, por troca de favores são lances contranaturais.
Mas esta filosofia não parece ser partilhada pelo presidente Lula, e a prova disso pode-se encontrar na composição dos seus sucessivos Governos.