CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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quinta-feira, junho 28, 2007

SER PACÍFICO NUM PAÍS DE VIOLÊNCIA CRESCENTE

Salvador, capital do estado da Bahia, no Nordeste.
Dentro dum supermercado está formada uma fila em frente a uma máquina de atendimento automático duma instituição bancária. Cad um aguarda serenamente a sua vez.
Um homem entra no supermercado, ultrapassa a fila, passa à frente de toda a gente, e prepara-se para fazer as suas transacções. Um cidadão reclama do desrespeito, e, imediatamente, leva do homem um soco que o atira ao chão.
O agredido não consegue levantar-se.
Os seguranças do supermercado não deixam fugir o agressor. Chega a Polícia.
O homem é um agente do departamento de Perícias da Polícia. Os colegas tomam conta da ocorrência e deixam-no partir em paz no seu automóvel.
O que está no chão é socorrido. Tem traumatismo craniano. Após 5 dias em coma, morre, aos 57 anos. Deixa mulher e 4 filhos.
Rio de Janeiro, conhecida como "cidade maravilhosa, cheia de encantos mil".
Às 5 horas da manhã, uma mulher aguarda na paragem o transporte colectivo.
Pára um carro e dele saem 5 indivíduos que lhe roubam a bolsa e a agridem selvaticamente a soco e pontapé, deixando-a no chão com traumatismos vários nas pernas, nos braços e, principalmente, na cabeça, onde há fractura da face.
Um motorista de táxi vê a cena, e fornece à Polícia o número da matrícula do veículo. Pouco depois o condutor é preso e denuncia os comparsas. Dois são apanhados de imediato, o quarto horas depois; o quinto entrega-se no dia seguinte; e um sexto que ficara no carro apresenta-se no posto da Polícia passados dois dias, após ter sido inadvertidamente mencionado por um dos outros.
A mulher tem 32 anos, é empregada doméstica, mora nos subúrbios, e esperava um transporte para ir a uma consulta médica.
Os agressores têm entre 19 e 23 anos, e são estudantes universitários, filhos de famílias abastadas que moram num dos bairros mais "nobres" da cidade. Confessam o crime, mas desculpam-se, alegando que pensavam que a mulher fosse uma prostituta. – com a naturalidade de quem acha que isso justificaria a barbárie.
No decorrer das investigações apura-se que mais duas mulheres que conseguiram fugir começaram a ser agredidas no mesmo local pelo gang que, ali perto, momentos antes, armara uma briga junto duma bomba de gasolina.
Os moradores das imediações reconhecem-nos como arruaceiros violentos da noite, e consumidores de droga. Um deles já sovou a mãe. Quando alguém interpela os pais pelos desacatos que fazem, é por eles, pais, insultado.
Às câmaras de televisão, depois de todo o bando encarcerado, o pai de um deles declina qualquer responsabilidade no assunto e, contristado, não pelo acto, mas pelas consequências para os meninos, queixa-se de que é uma injustiça que jovens, jovens estudantes, que trabalham, estejam presos...
Bom, se me permitem o parecer (e o desejo irreprimível) sobre tão sublime sentir, pai para a cadeia, já!
Na véspera, logo após o brutal espancamento, às mesmas câmaras de tv o pai da mulher agredida, um homem modesto mas interiormente rico, talvez de poucas letras mas de grande sabedoria, numa serenidade comovente, a serenidade de quem é capaz de perdoar, dissera que os pais se preocupam em dar muitas coisas aos filhos, muitas mordomias, mas não se interessam em saber com quem eles andam, nem se incomodam com o que eles fazem fora das portas de casa.
Dois casos exemplares de violência grosseira, bárbara, bestial, obscena e vil, reles e sórdida, que, pelo contexto em que se mexem os agressores de ambos os casos, poderão facilmente cair na impunidade, ou na pena ridícula, atentatória da dignidade das vítimas e da sociedade, e que nada mais é do que impunidade também.
No primeiro funcionará o habitual espírito corporativista que contamina de forma endémica as instituições policiais, em particular as que têm por missão defender os cidadãos de ofensas e agressões. No segundo falará alto o nome das "famílias boas" (que geram filhos maus) e o pecúlio associado, já pronto para o suborno fácil dos que estão sempre à espera da oportunidade de serem subornados.
Em 1997, 5 malandrins com idênticas características de idade e de estrato social atearam, com álcool, fogo num índio que dormia num banco de jardim duma cidade aonde se deslocara para festejar o dia da sua raça. Com 95% do corpo queimado, morreu poucas horas depois.
Presos, confessaram; desculparam-se dizendo que pensavam que se tratava de um mendigo. O mesmo tipo de justificação abjecta.
Foram condenados a 10 anos de cadeia em regime fechado, mas cumpriram apenas 4, sempre rodeados dos maiores confortos e regalias. Por exemplo, a biblioteca do presídio foi desactivada como tal para se transformar na sua área exclusiva de que possuíam a chave.
Um apontamento: há 10 anos, um índio; hoje, uma negra; os meninos, esses eram brancos.
Este tipo de violência – a prepotência e a agressão para obter vantagens por parte das "autoridades fardadas", e o vandalismo recreativo dos meninos desaforadamente chamados "filhos de família" – cresce no Brasil sem que alguém manifeste vontade de o conter.
Deixo aos sociólogos, psicólogos, antropólogos e politicólogos o cuidado de nos explicarem o fenómeno. Eu fico-me pelos factos para reflexão.
E quando as Polícias dizem que vão instaurar inquérito, e os pais dizem que não são responsáveis pelos rebentos que vivem sob os seus tectos, eu reafirmo que é preciso ter muita coragem para se ser pacífico.



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