CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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terça-feira, julho 24, 2007

"BEM-VINDO AO CONGO"

O cartaz "Bem-vindo ao Congo" com que os atletas dos states foram recebidos pelos seus conterrâneos gerou alguns comentários, discretos mas jocosos, pelo planeta fora, e, perante isso, os norte-americanos substituíram-no por "Bem-vindo ao RJ", sem se darem ao trabalho de escrever o nome da cidade por inteiro, e oferecendo com displicência a desculpa esfarrapada de que a palavra "Congo" se referia ao calor sentido no Rio, como se eles não tivessem na sua terra temperaturas iguais ou mais elevadas, em comparação com as do Rio de Janeiro nesta época, a menos quente do ano.
A identificação pública do Brasil com um "Congo" poderá ser deselegante por parte dos estrangeiros oficialmente hóspedes, mas não é de todo descabida, e os próprios brasileiros reconhecem o facto, e, muitas vezes, com tristeza mas sem complexos, o referem abertamente para quem quiser ouvir.
Se não, vejamos, à guisa de dicas de sobreaviso para quem pretender visitar o Brasil.
No imaginário do europeu e do norte-americano, não falando de outros, o Brasil existe porque está associado:
- a um ambiente exótico, da comida ao sexo (aliás, ambas as coisas se relacionam intimamente), passando por usos e costumes de indígenas resistentes à depuração colonial e posterior, de africanos descendentes de escravos, e duma mistura dos dois;
- a paisagens luxuriantes e inofensivas que podem ser visitadas sem o risco de picadas de escorpião, cobra venenosa, crocodilo ou jacaré, mosquito da malária ou da dengue, aranha peçonhenta, onça;
- a um clima de sol permanente sem perigos para a pele, de ausência de chuvas ou dias nublados, em que vendavais são impensáveis, de calor jamais insuportável e humidade adequada;
- a águas puras, tranquilas, transparentes, límpidas e, acima de tudo, limpas;
- a praias de paraíso cheias de bandeiras azuis a assegurar a excelência da qualidade sanitária da água, e de bandeiras verdes a permitir tomar banho diário sem medo de tubarões ou orcas;
- a um carnaval sem fronteiras nem censuras, permissivo e desregrado até onde a incontinência conduza à inconsciência.
Como em todo o imaginário, há alguma parte de verdade e muita parte de mentira.
Infelizmente, demasiadas vezes e demasiado tarde o visitante se apercebe da real realíssima realidade que é o Brasil – se chegar a aperceber-se.
A morte violenta dum filho, dum cônjuge ou dum amigo, vítimas de uma acção descontrolada de bandidos, ou de uma não menos descontrolada acção da Polícia, uns e outros impunes, congelarão a capacidade de discernir, levando a tomar o todo por algumas das partes observadas, ou algumas das partes em função do todo que se observa.
Não pretendo fazer aqui tais distinções. Limitar-me-ei a fornecer alguns "avisos à navegação" que, de acordo com a minha experiência de vida no Brasil durante sete anos (de que posso dar exemplos para quem quiser solicitá-los), talvez contribuam para tornar menos desagradável e frustrante a passagem do turista por este país tropical.
Antes de mais, não se deixe cativar pelo sorriso aberto do brasileiro; se a mostra de dentes é adequada à situação, pense duas vezes antes de acreditar; se é despropositada, do tipo "a minha avó morreu" e ele ou ela não despregam o sorriso, não pense duas vezes: vigarice vem a caminho; habitue-se à ideia: brasileiro, no geral, é aldrabão, vigarista, trapaceiro, sempre à espreita da oportunidade de lhe "passar a perna". Isto é a opinião dos próprios brasileiros, de jornalistas e escritores, de professores e funcionários públicos, de empresários e comerciantes.
Assim sendo, acautele-se, pois golpes e contra-golpes podem estar a ser aprontados: confira todas as informações em várias fontes, confirme em várias fontes também os horários que lhe indicam, e, acima de tudo, confira todas as contas que lhe apresentarem; confira à mão e confira à máquina; se o seu resultado, por acaso, não tanto acaso quanto isso, não condiz com a factura, a nota, o extracto, seja lá o que for que lhe apresentam, indague junto do empregado, do gerente, do director-geral; verá que todos vão reconhecer um engano que aumenta de erro à medida que você subir na escala hierárquica das responsabilidades.
Falei atrás da necessidade de confirmar informações e horários; a verdade é que uma e outra coisa são realidades virtuais no Brasil.
Os horários, ideias vagas. Perguntará você – então como é? E eu responderei – é assim mesmo. Os horários são ideias vagas porque, embora existam no papel, o seu cumprimento depende da disposição, melhor ou pior, geralmente pior, do funcionário, seja ele público ou privado, que o deveria cumprir. Por isso, a maioria dos brasileiros em viagem de turismo pelo estrangeiro perde sistematicamente as visitas guiadas em que se inscreveu no hotel. Portanto, já sabe: um evento marcado com a devida antecedência pode antecipar meia hora como adiar dois dias ou não ser, pura e simplesmente, realizado. Tudo isto sem aviso prévio, como é lógico.
Quanto às informações, o conselho é munir-se dum bom mapa, duma bússola e dum roteiro da povoação em que se encontra ou para onde deseja ir. Parta do princípio de que as informações no Brasil são geralmente desencontradas, tanto nos órgãos de comunicação, quanto nas instituições, como na rua. Não se espante se alguém que mora a 50 metros de determinado local que você pretende conhecer (museu, igreja, monumento) lhe disser que não sabe onde fica: não está a mentir; a tristeza é que não sabe mesmo... Se você tiver a lógica mas infeliz ideia de perguntar a um polícia qual o caminho para tal rua, ou tal canto, por mais conhecidos que sejam, é provável que ele entre na farmácia mais próxima para perguntar; então, antecipe-se, entre na farmácia e pergunte; mas cuidado, confira em mais três lojas, embora seja possível que lhe respondam "não sei, a... sei não". A Polícia geralmente desconhece a zona em que actua; em zonas mais afastadas, pior; como não tem roteiros nem usa os intercomunicadores para pedir esse tipo de esclarecimento à Central, nunca, mas nunca, peça informações à Polícia – a não ser tenha a sorte de encontrar por perto um polícia de trânsito (geralmente deslocado em locais de caça-multa).
Ainda sobre a Polícia, quando você aborda na rua um destes "agentes da autoridade" fardado a rigor, tenha em conta que: ele pode ser um polícia íntegro, absolutamente assumido (não muito frequente); ele pode ser na realidade visível um polícia, mas integrante, nas horas vagas e/ou de serviço, de uma qualquer quadrilha de assaltos, roubos, extorsões, sequestros, extermínios, tudo o que se possa imaginar de malandragem, ou ser guarda-costas de um político corrupto que lhe assegura a impunidade – outro tipo de malandragem; ele pode ser, finalmente, um bandido que roubou a farda, que comprou sem impedimentos a farda no mercado local, ou a quem a farda foi emprestada por um polícia encartado.
Como os agentes policiais cobram percentagem aos bandidos sobre o produto de roubos e assaltos, se você for vítima duma desdita dessas (longe vá o agouro) e apresentar queixa, eles dirão que nada podem fazer por falta de meios humanos e materiais para actuar. A parte (grande) de verdade nesta história é o escudo para que você seja empatado e desista até se ir embora do país. Apresente sempre uma cópia da queixa que fez na Polícia ao seu Consulado ou à sua Embaixada (de preferência aos dois), e peça um recibo de entrega.
Siga um princípio: reclame, reclame e reclame; se estiver em lugar público, restaurante, supermercado, loja, reclame alto e bom som para que toda a gente ouça; isto tem (ou poderá ter) três vantagens: os presentes começam a encarar o local com outros olhos, e a aprender o direito de reclamar (que não existe entre os brasileiros); os comerciantes ficam com medo de perder clientes pelo escândalo e por possíveis acções da Justiça (se você ameaçar com isso); no final das contas, acaba por ser atendido de acordo com a reclamação que fez; não é um esquema certo, mas geralmente funciona, principalmente nas empresas que têm um nome a defender.
Há uma expressão muito brasileira que diz "isto só lá vai na base do cacete". Então, use o cacete; não literalmente, embora, por vezes, à portuguesíssima maneira de Eça de Queiroz isso apetecesse. Use e abuse (se não abusar não faz efeito) do "cacete" na exigência do cumprimento dos seus direitos – um dos quais é a apelação para a Justiça. Mas já sabe: tem de chatear, chatear e chatear, insistir, insistir e insistir.
Como já disse e deixei entender, se vier ao Brasil estará sujeito a golpes e contra-golpes, tal qual estará exposto aos raios solares. Sem tirar nem pôr.
Não entre em nenhuma das casas de jogos (existe uma de 5 em 5 metros em cada rua) que florescem (de facto) no Brasil como cogumelos em pinhal molhado. Não faça isso, embora, e até por isso, sabendo que muito desse jogo alimenta as democráticas campanhas eleitorais, do deputado, ao presidente da República, passando pelo autarca. Se o fizer porque gosta de experiências novas, depois não se admire nem se queixe; se é um jogador viciado, aí o problema é seu (e do seu terapeuta, se o tiver).
Nunca empreste dinheiro a quem quer que seja, repito, a quem quer que seja, mesmo uma pequena quantia, porque ela tornar-se-á, progressivamente, maior, e será incluída numa sua rubrica contabilística de "fundo perdido". E muito menos empreste a um conhecido de ocasião – são os piores.
Não se deixe acompanhar por um brasileiro a um banco ou a uma caixa de levantamento automático.
Lembre-se sempre de que a aldrabice, a fraude e o roubo (directo ou através da Internet ou outros meios informáticos) são uma constante no Brasil.
Aliada a isto vem a mentira. Se o brasileiro diz que é assim, há grandes probabilidades de ser o contrário ou outra coisa qualquer.
Associada à mentira comum existe outra mentira que é a incompetência. Grande parte dos auto-chamados "técnicos" não passam de remendões, curiosos, biscateiros oportunistas que deixam o seu aparelho em pior estado do que estava quando você confiadamente (inocentemente) o entregou para reparar.
E quando comprar um artigo com garantia, tenha em conta que as garantias no Brasil não funcionam, até porque muitas empresas estrangeiras retiraram a sua assistência para não verem denegrida a imagem da marca.
Se pretender viajar para conhecer as belezas naturais deste extenso país, tome note: o prático e económico comboio, o simpático e relaxante comboio, o nostálgico e romântico comboio, o simplesmente comboio é coisa que não existe; os autopullman de longo curso só percorrem alguns trechos, curtos para a dimensão do território, entre algumas das principais cidades ou dentro das suas zonas metropolitanas; o resto pode ser amargamente saboreado em camionetas apertadas que, nalguns estados, se esforçam com denodo em gincanas de buracos e crateras que ligam pedaços de estrada a esboroar; eventualmente será uma experiência única e palpitante, mas é bom que conheça um fisioterapeuta experiente; além disso, os assaltos à mão armada aos autocarros são frequentes, o que pode pincelar de inédito e pitoresco a viagem, mas, por outro lado, se não tiver espírito de aventura, a tornará angustiante e deprimente; se optar pela rapidez do avião em detrimento da paisagem, o conselho é prevenir-se com um saco de dormir, uma pipa de água, um contentor de comida, e toda a paciência do mundo, pois é certo e sabido que o voo vai atrasar muitas horas ou ser, simplesmente, cancelado; ao mesmo tempo, procure informar-se junto de autoridades internacionais sobre a segurança dos aeroportos que pretende utilizar; o mais acertado de tudo, porém, dado o caos que reina no tráfego aéreo brasileiro, e os consequentes riscos das viagens aéreas, é não utilizar mesmo o avião, copiando o que fazem alguns dirigentes sindicais e outros responsáveis por associações e federações de profissionais ligados à aviação civil – eles declaram publicamente que não viajam de avião, preferindo, mal por mal, o transporte rodoviário.
Haveria muito mais a dizer.
Troque informação com quem já aqui esteve.
Proteja-se.
Tenha cuidado com a água de algumas praias, extremamente poluídas sem que se saiba (peça informações escritas às autarquias). Não beba água da torneira. Não consuma líquidos de garrafas com a tampa já aberta (seja onde for, mesmo em restaurantes de luxo!).
Exija sempre recibos (aqui chamados notas fiscais), e confira-os com atenção.
Pela sua saúde (financeira e não só) não assine em branco seja o que for.
Finalmente, acima de tudo, não confie só na sua "boa estrela", porque, a qualquer momento, ela pode ser sequestrada.
Posto isto, se ainda lhe sobrar coragem, ou não acreditar, seja bem-vindo ao Brasil/Congo.



1 Comments:

Anonymous Zé Capeta said...

Já não sei mais onde estou. Acabo de regressar da tal queima das fitas, festa popular de onde mesmo? Vá lá!, que já levo uma ano por aqui, lugar para onde vim com data marcada para voltar (graças ao bom Deus!).
E o que vi no período não difere muito do que relata esse arremedo de crônica. Bom, quem não acredita, que abra amanhã os jornais do Congo (ou Brasil, ou Portugal, chamem do que queiram) para ver o infeliz saldo de mais uma noitada das quinas.

E Farinha, como não sou afeito às alegorias que você usa para os palavrões, pergunto-lhe logo: o que caralhos faz um filho da puta como você no Brasil? Volte para o seu lar!

segunda-feira, maio 04, 2009 3:44:00 da manhã  

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