CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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terça-feira, junho 05, 2007

UMA DIABÓLICA TRINDADE

Desde Maio do ano passado, mensalmente, quando não todas as semanas e, por vezes, todos os dias estalam na comunicação social, como foguetes em noite de São João, variados e, até então, impensáveis escândalos, envolvendo na mais abjecta promiscuidade empresários de nomeada, responsáveis de topo de instituições bancárias, altos funcionários de empresas estatais, juízes, presidentes de municípios e vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, governadores de estados, ministros e assessores de ministros, familiares à mistura, roçando, até, a face do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que a tudo diz, com ar falsamente indignado, que nada sabe, nada ouviu, não esteve lá, e outras afirmações de elevada estatura política e ética.
Então, o Brasil e o mundo percebem que esse sórdido e imparável deboche que é a política à brasileira resulta da governação de uma diabólica trindade, a trindade dos ii – impudência, imoralidade, impunidade – coadjuvada por outros ii menores (incompetência, irresponsabilidade, indiferença, indisponibilidade, insuficiência, indefinição, inactividade, inaptidão, inutilidade, incapacidade, inviabilidade, ignorância, imbecilidade, i, i, i, etc.).
O último escândalo político e financeiro apresentado ao Brasil, apalermado perante a audácia e a completa ausência de vergonha dos seus "homens de negócios" e dos "seus políticos", decorreu da operação "Navalha", assim chamada pela Polícia Federal que a desencadeou.
A história conta-se depressa: de 2000 para cá foram retirados dos cofres públicos cerca de 200 milhões de reais (74 milhões de euros), supostamente destinados a obras públicas em 9 estados e no Distrito Federal: bairros de casas populares, quadras desportivas, edifícios para órgãos estatais e federais, pontes, estradas, iluminação pública. Curiosamente (talvez ingenuidade minha...), todas as licitações foram ganhas pela mesma empresa, muitas das vezes sem qualquer concorrente para competir. Depois, vai-se à procura da obra e ou está inacabada e é imprópria para utilização, ou nem sequer começou – mas o dinheiro saiu todo dos cofres em passo de corrida. Começa-se a puxar a ponta do novelo, e lá vem o rol habitual dos patronos da corrupção - empresários de nomeada, responsáveis de topo de instituições bancárias, altos funcionários de empresas estatais, juízes, presidentes de municípios e vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, governadores de estados, ministros e assessores de ministros, familiares à mistura.
Pataca a ti, pataca a eles, lá se foi o dinheirinho que tanto custou a ganhar aos contribuintes.
Quando a granada rebentou nos ecrans de televisão, nas ondas das rádios e nas páginas dos jornais, dois estilhaços imediatamente se destacaram: o então ministro das Minas e Energia (Silas Rondeau) e o presidente do Senado (Renan Calheiros) – tudo gente fina, portanto; finíssima...
O primeiro, acusado de ter recebido 100 mil reais (37 mil euros) da empresa corruptora (Galtama) para conceder privilégios num projecto de fornecimento de energia eléctrica a povoações, chamado "Electricidade para Todos" (que, a bem dizer, deveria chamar-se "Comissões para Alguns"), protestou a sua inocência e... pediu (ou obrigaram-no a pedir) a demissão. No entanto, supremo gracejo de humor negro, foi solicitado o seu parecer para a nomeação de um ministro substituto de confiança. Este país é impagável de pândego...
O segundo, acusado de ter recebido dinheiro de outra empresa de construção civil, que seria destinado ao pagamento da pensão alimentar devida a uma filha nascida fora do casamento há 4 anos, segredo, ao que tudo indica, só nessa ocasião foi revelado à família Calheiros através de uma revista, negou, negou, negou tudo, mesmo contra as provas que a mãe da criança e seus advogados afirmam possuir quanto às origens de tais contribuições, e declarou não arredar pé da cadeira da presidência do Senado (pudera... enquanto pode...). se esta "transferência de fundos" (que me perdoem a suavidade da linguagem) aconteceu, alguma coisa o sr. Renan Calheiros teria (ou teve) para dar em troca. Na verdade, a Lei do Mecenato no Brasil não contempla (deverei dizer "ainda"?) beneméritas doações de empresas privadas para as despesas dos bastardinhos dos políticos.
É pouco provável que a verdade, verdadinha, venha algum dia a ser conhecida do cidadão contribuinte. Por várias razões: a palavra "verdade" tem, nesta terra de impudor, um carácter de ambigüidade tal que a torna de significado quase esotérico; depois, nesta terra de imoralidade, enquanto o presidente da República, o sr. Lula da Silva, diz publicamente que é preciso averiguar tudo até à exaustão (na realidade esta palavra ele não conhece, mas utiliza outra com o mesmo sentido), o seu ministro da Justiça, Tarso Genro, homem do seu partido e de já sobejamente demonstrada confiança servil, dá instruções à Polícia Federal para que se comprem carros celulares para "clientes VIP", com janelas completamente fumadas (o que a Lei proíbe expressamente) por causa das indiscrições da comunicação social; em terceiro lugar, nesta terra de impunidade há a preocupação dos Poderes para que tudo o que diga respeito às escandaleiras com que os membros desses Poderes vão dissolvendo o país seja abafado, talvez para que as moscas não pousem – e fiquem sujas.
Independentemente de a verdade conseguir ou não emergir de tamanho lodaçal, uma pista pode, desde já, ser seguida, e que indica que tudo vai ficar na mesma, num melancólico esquecimento, à semelhança dos escândalos que desde há muitos e muitos meses, anos, têm pulverizado o que ainda resta da dignidade do Brasileiro.
Isto é, prevalecerá a monótona rotina da governação da trindade dos ii – impudência, imoralidade, impunidade.



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