CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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segunda-feira, maio 22, 2006

TERRORISMO URBANO EM SÃO PAULO

Os dias 12, 13, 14 e 15 de Maio não vão ser esquecidos tão cedo, quer pela população pacífica, quer pelos bandidos e pela polícia de São Paulo.
Para além da carnificina que fez centena e meia de vítimas mortais, há que acrescentar os feridos, os mais de cem autocarros (ônibus, como aqui se diz) carbonizados, as vitrines de lojas espatifadas, as agências bancárias estouradas, os edifícios policiais alvejados a tiro, e os 12 milhões de reais perdidos pela hotelaria em 4 dias (cerca de 4 milhões de euros).
O arranque foi dado pela eclosão simultânea de motins numa dúzia de presídios do Estado. É dos presídios que saem as ordens de terrorismo urbano e as orientações para a sublevação civil.
E o Estado de Direito (será?) que o Brasil tenta vender como imagem à comunidade internacional só consegue controlar (conseguirá mesmo?) a situação caótica conferenciando, negociando e perdendo com os chefes do crime organizado – embora garanta que não, mas sem êxito, contrariado nessa sua negativa por reportagens de investigação levadas a cabo por órgãos de comunicação fidedignos.
Tudo começou quando um funcionário responsável pelo sector de áudio e vídeo das sessões da Câmara dos Deputados vendeu por 200 reais, menos de 7 euros, informações secretas sobre transferências prisionais de líderes do crime, previstas para esse fim-de-semana.
Num país de miséria, todo o preço é bom preço...
Os compradores foram dois advogados dos criminosos.
Através desses advogados, há advogados para todos os gostos e necessidades, os seus clientes, bandidos comprovados, ouviram na íntegra, via telemóvel (aqui chamado celular) as decisões que a Câmara tomara na sua reunião secreta, uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga o tráfico de armas.
Curiosamente, tal Comissão era desconhecida do grande público, e, até, da imprensa, e só foi divulgada na sequência dos acontecimentos.
Posteriormente, um membro dessa Comissão afirmou à TV que os bandidos puderam, inclusivamente, assistir nas suas celas à reunião, por vídeo conferência recebida nos telemóveis, ou celulares, como se queira.
O banditismo envolvido enquadra-se, na sua maioria, no chamado PCC (Primeiro Comando da Capital), organização criminosa que tem como lema "Comando único – União – Obediência".
Neste aspecto, batem aos pontos as várias polícias existentes, inúmeras e ineficazes polícias, sem órgão coordenador central, sem troca de informações entre si, disputando resultados que acabam por ser os que estão à vista. Os seus chefes não falam uns com os outros, não planeiam estratégias, não trocam informações, não sabem o que cada um está a fazer ou vai fazer, não actuam de forma combinada.
Reina na polícia o descontrolo e a disritmia, tão favoráveis à corrupção que cresce na polícia como cogumelos em chão húmido.
O homem que dá a cara pelo PCC é um tal Marcos Camacho, conhecido por Marcola, de 38 anos, que começou a sua carreira nos cadastros policiais aos 9, roubando carteiras. Da prisão de "alta segurança" em que se encontra, ele controla com um simples telemóvel 100 mil presos, fora os "adeptos" que andam na rua, não identificados.
Resta saber se ele é, de facto, o mentor e grande-chefe, ou um simples peão com o papel de cortina de fumo. No entanto, foi com ele que o Governo conferenciou para cessarem as hostilidades.
E as hostilidades cessaram. As previstas transferências dos líderes do crime, até agora, não se realizaram.
À pressa, o gordo, principescamente pago, adormecido e preguiçoso Senado aprovou 11 medidas de segurança pública que se encontravam congeladas há 10 anos, imagine-se, e enviou-as para discussão pela Câmara dos Deputados, onde ficarão em lista de espera, presumo, por uma batelada de tempo, tanto mais que a situação em São Paulo se encontra sanada, e há muitos interesses em jogo.
É mais que sabido que essa Câmara de Deputados é um antro de banditismo também, como o mostram as recentes denúncias, comprovadas em investigação, que envolvem cerca de metade dos seus membros em compras sobrefacturadas de ambulâncias. Assim sendo, pouco se espera desses parlamentares, a não ser uma união cada vez maior com o banditismo.
As empresas de telefonia móvel têm agora 48 horas para bloquear os sinais dentro dos presídios, o que acarreta alguns problemas técnicos, como seja não afectar utilizadores inocentes das imediações.
Pergunta a minha cínica ingenuidade: por que nunca houve a vontade séria de confiscar todos os telemóveis em poder dos presos? Por que se permitiu a entrada descarada e fluida de telemóveis nas prisões? Respondo com o mesmo cinismo: porque os guardas prisionais e gente mais graúda ao longo da escala de responsáveis, dentro e fora das prisões, está comprometida com o esquema e interessada na sua manutenção.
Há muito dinheiro em jogo num país de miséria.
Arma-se um carnaval que se pretende fazer passar por seriedade para o contribuinte ver: colocam-se na rua 130 mil polícias, à procura dos responsáveis do PCC que promoveram os distúrbios. Isto, deixem-me rir de gozo, quando toda a gente sabe quem são esses responsáveis directos, como se chamam, qual o cadastro, e onde se encontram – nas cadeias do Estado.
Entretanto, no meio da palhaçada, apreendem-se armas ligeiras, metralhadoras, armas pesadas, dinamite e granadas. Algum deste material está na mão de menores – 10 a 12 anos, que o exibem sem medo de morrer daí a pouco, conforme o declararam numa reportagem recente da CNN.
As apreensões são exibidas na TV como troféus, como se a polícia não soubesse há muito tempo em que mãos se encontravam...
Tudo voltou à normalidade, dizem os comunicados oficiais.
Desde há dois anos, as verbas destinadas à segurança pública nacional vêm sendo sistemática e drasticamente cortadas.
O campeonato do mundo vai consumir boa parte dessas verbas, porque o dinheiro não chega para tudo, e há que estabelecer prioridades...
O Brasil prepara-se, coeso, unido, solidário, para enfrentar esse grande desafio...
Quanto ao país real, isso fica para depois da festa – quando, e se, houver tempo.



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