CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

Statistiche sito,contatore visite, counter web invisibile TRANSLATE THIS PAGE

sexta-feira, abril 21, 2006

DIZER MAL, OU MALDIZER?

O "Aparas de Escrita" completou um ano no dia 5 de Abril.
Por tudo aquilo que aqui foi escrito, é possível que alguns leitores tenham já perguntado por que não me vou embora desta terra, uma vez que tão mal digo, que tanto me queixo dela. Eu, que vim de um país com outro grau de civilização, por que não regresso, a esse ou a outro ainda mais civilizado?
Poderão julgar que me fico por aqui por obrigação ou fuga.
Ora, isto propõe-me algumas considerações, sempre saudáveis porque me obrigam a pensar.
Primeiro, não desdigo nada do que tenho dito nestas crónicas, porque, felizmente nuns casos, infelizmente na maioria, não há motivos para desdizer.
Em segundo lugar, obrigações tenho para com a minha consciência, para com aqueles que amo e me amam, para com os que partilham comigo esta nau chamada Terra, e para com os que me governam, bem ou mal, para meu bem ou para meu mal.
Para com Deus, para com o meu Deus, não tenho obrigações. Ele nada me exige. Só eu posso exigir de mim para com Ele.
Sobre a minha consciência cabe dizer que nada me pesa, e que ela de nada e a nada me condena. Apenas me recorda, de vez em quando, que devo ter um comportamento ético para comigo e para com o meu semelhante.
Quanto àqueles que me amam, a nada me obrigam, também, nem mesmo a pagar-lhes na mesma moeda de Amor, nem que seja por demonstrações, públicas ou privadas.
Para com os companheiros caminhantes nesta viagem, esses me obrigam, pelo facto de existirem, embora sem palavras nem escrituras, a que os reconheça como iguais na mesma ânsia de alcançar a felicidade. Nada de imposto, pois, por eles próprios.
Perante os que me (des)governam, cumpro as normas, mesmo não concordando com elas, pois isso faz parte da aceitação das regras democráticas, ainda que as considere, pelo menos, discutíveis.
Fugas, a única que poderia tentar empreender seria a fuga de mim mesmo, por algum fantasma que eu representasse e me assustasse. Mas já me habituei o suficiente, o quanto baste, a aceitar-me e a viver comigo próprio.
Não tenho, pois, razões de fuga, nem de natureza pessoal, nem de carácter institucional.
Vivo neste país por opção, por desejo, legalmente, com todas as autorizações concedidas pelo Estado Brasileiro.
Portanto, nada de segredos, nada de mistérios, nada de motivos escondidos.
É por viver aqui por opção, que aqui, aqui mesmo, fiz crescer a minha nova família com sangue brasileiro.
E é por viver aqui por opção, uma opção que nasce em causas que, porventura, eu próprio desconheço, que não regresso agora a passados culturais em que me criei, cresci e vivi.
Motivos vários, quase todos profissionais, me levaram a viver em muito chão. Em todos eles as minhas raízes se agarraram com facilidade, sempre na certeza de que a árvore haveria de crescer.
Deixei para o fim o "dizer mal".
Dizer mal, ou maldizer? Porquê dizer mal, ou porquê maldizer?
Nas minhas crónicas não pretendo dizer mal, maldizer sim, e a diferença é do tamanho da intenção de cada um.
Dizer mal pressupõe vaidades, vinganças, mentiras, mesquinhez, coisas gratuitas que acabam por sair caras, ao próprio e/ou a terceiros. Dizer mal para seguir a corrente, porque parece mal estar fora da corrente, porque estar fora da corrente cria mal-estar, exclusão. Então, para estar bem, fica bem dizer mal.
Maldizer é diferente. É o mal dizer do tronco medieval da crítica a pessoas, a grupos e a instituições que incita a modificações de hábitos, de modos de ser e de agir, para que o ser e o agir se comportem com ética, a Ética.
Porque vivo neste país por opção, é aqui que tenho de exercer a minha cidadania, tal como fiz quando vivi em Portugal, na Guiné-Bissau, ou em Angola, tal como fiz quando andei à descoberta de outros países do mundo.
Mais do que um direito, é uma obrigação este exercício de cidadania, entre povos em que vivo ou que visito.
A Constituição do Brasil me dá, como estrangeiro, direitos e deveres iguais aos que aqui nasceram.
Por isso, nesta luta com os meus pares por uma vida melhor para todos, exerço a minha cidadania com os meios que me são mais fáceis de manejar – escrever.
Vou continuar, pois, a maldizer, sem querer, nunca, dizer mal.



1 Comments:

Blogger Luís Alves de Fraga said...

Excelente «confissão» que se deu e que nos deu no aniversário do seu blog (excelente, ele também). Esse estar de bem com a consciência é fundamental e só isso constitui os Norte para quem escreve sem dizer mal. Como sabe, meu Amigo, as suas crónicas têm sido uma óptima forma de eu (e tantos outros...) tomar contacto com uma realidade que desconhecia em pormenor. Fico-lhe grato pelo seu esforço; fico-lhe grato pelo tempo gasto no prazer da escrita; fico-lhe grato pelo acto de extraordinária amizade que representa o partilhar com todos nós a sua visão da sociedade brasileira - sua terra de abrigo; obrigado por ter sido um profissional, dando-nos as Aparas de uma escrita elegante; obrigado por ser um observador atento e um cidadão participativo. Acima de tudo, parabéns.

sexta-feira, abril 21, 2006 5:18:00 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home

[View Guestbook] [Sign Guestbook] Votez pour ce site au Weborama Estou no Blog.com.pt
eXTReMe Tracker Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons para José Luiz Farinha.