CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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quarta-feira, setembro 19, 2007

IMUNIDADE, COMPADRIO, IMPUNIDADE

Quinze dias depois do exemplo de combate à impunidade dado pelo Supremo tribunal Federal, aceitando as denúncias do Procurador Geral da República, e convertendo em réus 40 denunciados, figuras proeminentes dos negócios (empresários de empresas privadas e administradores de empresas estatais), das finanças (proprietários e directores de bancos públicos e privados), e da política (vereadores, parlamentares e ex-ministros), acusados, no seu conjunto, de corrupção, desvio de fundos públicos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal e formação de quadrilha, a absolvição do senador Renan Calheiros pelos seus pares do Senado tornou-se num balde de água gelada despejado sobre as quentes expectativas da generalidade dos brasileiros.
Além do clima político gerado na Casa, aparentemente favorável à cassação, e da pressão da opinião pública cada vez mais indignada, face às provas sucessivamente apresentadas contra o presidente do Senado, 41 dos 81 integrantes do plenário tinham garantido votar pela cassação do mandato de Renan; mas, no final, apenas 35 o fizeram, e, no dia seguinte, em entrevistas várias, 46 afirmaram ter votado pela cassação, donde se depreende que pelo menos 11 dos mais ilustres representantes da Nação mentiram à Nação.
Coisas que o voto secreto propicia a quem não tem vergonha nem dignidade.
Em vez de se debruçarem sobre os factos delituosos apresentados no relatório final, os senadores preferiram ignorá-los, e procederam a um julgamento político. Com tal atitude, a única sentença possível teria de ser, como foi, a absolvição.
Porquê?
1. Renan Calheiros tem sido o principal aliado do presidente da República, Lula da Silva, no Senado. Se fosse afastado agora da cadeira da presidência, a Oposição poderia tomar conta do lugar. A discussão e a votação de projectos de iniciativa governamental correriam o risco de ser adiadas indefinidamente. O espectro da recusa da prorrogação do prazo de vigência da CPMF, contribuição conhecida como Imposto do Cheque, paira sobre a cabeça do Governo. – a concretizar-se, como a Oposição deseja, provocaria um rombo de 39 bilhões de reais no Orçamento (14,5 bilhões de euros).
2. Pensando nisso, o presidente Lula da Silva articulou directamente com a senadora líder do PT (Partido dos Trabalhadores, o partido do presidente), e com o senador líder do Governo o apoio da base aliada a Renan Calheiros. Do PT, Renan poderia contar, teoricamente, com 12 votos de absolvição.
3. Renan Calheiros pertence ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o maior partido político do Brasil, e tem nele grande ascendente de prestígio e autoridade. Além disso, é protegido do influente senador José Sarney, seu correligionário e antecessor na presidência do Senado, ex-presidente da República, chefe de uma das mais poderosas famílias brasileiras.
4. O PMDB é peça fundamental na base aliada do presidente Lula da Silva. A troco do apoio da bancada, Lula teve de conceder 3 ministérios a esse partido.
5. A Maioria dos senadores tem telhados de vidro no que toca a honestidade. Decorrem no Supremo Tribunal Federal acções contra 21 deles; no Tribunal Superior Eleitoral há 2 a responder por crime eleitoral; muitos outros devem pequenos ou grandes favores à máquina do Senado, um gigante com 5.000 funcionários e verba anual de 2,7 bilhões de reais (1 bilhão de euros). Consta à boca pequena que Renan terá chantageado alguns dos seus pares: "Há mais 'Renans' aqui do que eu. Vocês querem que eu revele este segredo?".
6. Dentre todos os partidos que compõem o Senado, pelo menos 13 senadores deviam favores pessoais a Renan (12 por ele os ter livrado da Justiça em grandes trafulhices cometidas), e um deles, para pagar os favores, arrastou consigo para a absolvição os outros 6 senadores companheiros de bancada.
Em pesquisa recente, verificou-se que 82% dos eleitores brasileiros não confiam nos partidos políticos, e 76% não acreditam no Congresso. Casos como os de Renan dão-lhes razão.
O presidente do Senado tem ainda mais 3 acusações pelas quais terá de responder perante os parlamentares: compra de uma rádio e de um jornal, usando o nome de terceiros como falsos proprietários, e sonegação ao fisco das respectivas declarações; interferência junto de órgãos federais para negociar uma dívida de 100 milhões de reais (37 milhões de euros), na transacção de uma empresa cervejeira em que um dos seus irmãos, o deputado Olavo Calheiros, foi parte interessada; arrecadação de dinheiros de empresas estatais controladas por elementos do PMDB cuja colocação fora por si "sugerida" (negociada com o Governo).
Difícil se torna acreditar numa justiça diferente da que lhe foi feita neste julgamento.
Uma das saídas para esta situação seria a abolição do voto secreto, ideia já defendida por alguns senadores. Fica a dúvida sobre a seriedade ou hipocrisia desta sugestão, uma vez que o lamaçal que inunda o Senado dificilmente deixaria que tal proposta vingasse – o Senado funciona num arraigado espírito de corporação, em que os seus membros se defendem mutuamente e incondicionalmente. O voto aberto revelaria ao público a verdadeira face dos senadores que o Povo elegeu.
Outra solução seria acabar com o foro privilegiado dos parlamentares e dos políticos em geral, já que está provado que tal benefício só tem servido para acobertar assaltos e roubos ao tesouro público, e outras malandragens e poucas-vergonhas que, face à imunidade que protege os prevaricadores, ficam impunes.
Está visto que os senadores não podem julgar-se com imparcialidade uns aos outros, dados os rabos de palha que todos têm. Então, entregue-se essa função aos tribunais comuns.
Já é tempo de perceber e assumir que corrupção e ladroagem não têm diferença de grau para o Zé do Povo ou para o representante do Povo.
O Povo ficaria agradecido.



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