CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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quarta-feira, março 07, 2007

PÃO E CIRCO

Passadas duas semanas sobre a quarta-feira de cinzas que, no Brasil, não é limite para a folia, bem pelo contrário, se constitui em provocação para continuar, se possível até à eternidade, a poeira levantada pelos forrós, pelos frevos, pelos sambas, pelos desfiles das escolas começa a assentar um pouco.
Não que se tenha posto um ponto final no assunto, longe disso: encerradas oficialmente as festas, começa de imediato a preparar-se o carnaval do ano que vem.
Por outro lado, muita gente não vai esquecer este carnaval, como outras gentes não esqueceram anteriores, pelas máscaras de tristeza que a folia lhes estampou no rosto, talvez para sempre: são aqueles que perderam parentes e amigos, mortos à facada ou à bala, por vingança adiada ou rixa acesa nos calores da cerveja ou da cachaça; são aqueles que ficaram definitivamente deficientes por acidente de trânsito provocado por algum bêbado que fugiu do crime ou foi libertado cedo para não super super lotar as super super lotadas cadeias brasileiras; são as mulheres que engravidaram sem saber quem é o pai do filho que lhes empina a barriga; são aqueles, maridos ou mulheres, filhos ou filhas, que viram os lares desfeitos porque um dos pilares da casa saiu para dar um pulinho carnavalesco e nunca mais voltou, preso nas cadeias de braços e abraços de ocasião; é aquele e aquela que lavaram para casa para toda a vida vírus e doenças de sexos desconhecidos.
Pão e circo. Mais circo do que pão.
Bilhões de reais (1 real vale cerca de 0,37 euros) foram investidos no Carnaval pelas autoridades locais, à boa maneira dos imperadores romanos dos primeiros séculos da nossa era.
Aqui e agora, tal como lá e nessa época, trabalha-se pouco e pretende-se o prato cheio.
Aqui e agora, tal como lá e nessa época, os novos imperadores escondem-se atrás do Carnaval, para deixar para lá, para amanhã ou, de preferência, para depois de amanhã, pensar nos problemas da falta de infra-estruturas na saúde, na habitação, no saneamento básico, nos transportes terrestres, marítimos e aéreos, na agro-pecuária; nos problemas da violência crescente, com especial destaque para protagonistas crianças e adolescentes; nos problemas da corrupção generalizada na classe política, nas Polícias, nos servidores públicos;nos problemas do modelo económico, o de pior crescimento em 2006 de toda a América Latina.
Aqui e agora, tal como lá e nessa época, ninguém repara nos sinais de implosão iminente; nem nas sombras dissimuladas dos novos Bárbaros que, pacientemente, esperam à porta para poderem entrar sem pedir licença.



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