CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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domingo, dezembro 17, 2006

QUEM PARTE E REPARTE...

O Congresso brasileiro (81 senadores e 583 deputados federais) regateia até ao centavo, dividido entre governistas e oposicionistas, um aumento de 7% (sete por cento) no salário mínimo (com que tem de sobreviver grande parte da população que conta com 40 milhões de miseráveis num total de 200 milhões de habitantes), salário actualmente fixado em 350 reais (129,63 euros).
Entretanto, no dia 14, sem qualquer discussão nem votação dos congressistas, as mesas directoras do Senado e da Câmara dos Deputados passaram por cima da Constituição e aprovaram um aumento de 91% (noventa e um por cento) para os parlamentares.
Com este aumento, a verba total, salários mais benesses inerentes à função, de cada representante do povo passará a ser de cerca de 120 mil reais (44.444 euros).
Isto representa 3 vezes mais do que ganham os seus pares americanos, 5 vezes mais do que os canadianos, e 10 vezes mais do que os argentinos.
Já que o Brasil não tem qualquer comparação, em termos de desenvolvimento económico, com algum destes três países, só pode classificar-se a operação como um descarado e violento assalto do Legislativo aos bolsos dos contribuintes.
O escândalo é tão evidente quanto isto: um parlamentar ganhará num mês aquilo que um trabalhador de salário mínimo ganha em 29,5 anos; estudos recentes dizem que o salário agora aprovado para os congressistas equivale a 22 vezes o salário médio das capitais dos 27 estados da União e do Distrito Federal (Brasília).
Como 60% dos parlamentares se reelegeram para a legislatura que terá início em 2007, este aumento foi um presente de Natal que eles deram a si próprios. E, em jeito de comemoração, no dia seguinte ao da decisão em conluio das duas mesas o plenário fechou: estava completamente vazio, numa clara demonstração de que a defesa dos interesses do povo brasileiro anda por boas mãos.
O presidente Lula, a quem caberá a última palavra, deixou transparecer em entrevista um mal disfarçado desconforto perante a situação, dizendo que é preciso estabelecer um tecto para os aumentos, "é preciso fazer qualquer coisa", mas sem se pronunciar sobre o aspecto ético da deliberação.
É claro que se o presidente, atendendo à indignação generalizada do povo, fosse obrigado a vetar o aumento decidido, abriria um contencioso que lhe dificultaria fazer aprovar na Câmara e no Senado pelo menos alguns projectos de lei, seus ou do seu governo.
Mas isso não acontecerá. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), órgão que lhe é afecto, já condenou publicamente o aumento, aliando-se ao repúdio também já expresso pela OAB (Ordem dos Advogados Brasileiros), pela CNBB(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e por dois partidos da oposição que moveram na Justiça pedido de impugnação do aumento.
No entanto, enquanto o pau vai e vem já muitos esfregam as mãos pelo efeito cascata que o aumento provocará se for definitivamente aprovado. É que outros salários são indexados aos do Congresso. Assim, deputados estaduais e autarcas poderão ver os seus proventos aumentados substancialmente.
Num país em que a distribuição dos rendimentos é a segunda mais injusta do mundo, só ultrapassado por Serra Leoa, em que os deputados, na legislatura que agora termina, não discutiram e muito menos aprovaram a maioria dos projectos legislativos que foram apresentados nos plenários, em que os plenários só funcionaram três dias por semana e, mesmo assim, muitas vezes quase vazios, em que 1 em cada 5 parlamentares tem a decorrer contra si processos judiciais que vão do homicídio à compra de votos, em que durante os últimos quatro de legislatura se assistiu à mais desenfreada roubalheira do Tesouro para comprar parlamentares da oposição, em que centenas de parlamentares foram objecto de processos de cassação por falta de decoro parlamentar e condenados pelos respectivos Conselhos de Ética mas, inacreditavelmente, sempre e de modo sistemático absolvidos pelo plenário mediante voto secreto, num país assim, o cambalacho dos líderes do Congresso para além de uma grosseira provocação à dignidade dos eleitores, principalmente dos mais desfavorecidos, constitui uma perigosa leviandade política.
E uma leviandade política pode custar mais caro ao país do que o aumento agora pretendido – e por tempo indeterminado.



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