Bush, o vizinho distante, rico e somítico, no papel hipócrita de ambientalista percorreu algumas das favelas (Brasil, Uruguai, Colômbia, México) cujas comissões de moradores (Governos e governantes) ainda lhe dispensam sorrisos de ocasião, embora os próprios moradores gostem dele à pedrada; ignorou aqueloutras em que as portas nem lhe seriam abertas, mas que lhe lançariam por cima do muro os dejectos da noite anterior.
Chávez, o vizinho do lado, rico e perdulário, no papel carcomido de traça de exportador de revoluções de museu evitou o caminho do outro e foi arrotar os impropérios a que nos habituou nos países que lhe tiram o chapéu por oportunismo, demagogia ou analfabetismo político (Argentina, Nicarágua, Bolívia, Equador).
Bem vistas e pesadas as figuras dos figurões, minha gente, que os leve a ambos a cauda de um foguete interestelar.
Por caminhos distintos, para não correrem o risco de se encontrar e terem de pedir aos respectivos guarda-costas para trocarem umas cacetadas, os dois líderes (se é que ainda se pode chamar assim com rigor a qualquer um dos dois presidentes) foram à vidinha tentando cumprir a missão, sendo a de Chávez impedir ou subvalorizar o cumprimento da missão de Bush.
Bush escolheu à lupa os visitados donde pretendeu obter vantagens comerciais, militares e políticas, deixando em troca promessas vagas, sem compromisso, de discurso adequado ao país em que se encontrava (dividir para reinar, oferecer sem se obrigar).
Na favela Brasil, o pretexto foi a produção de etanol, uma questão económica. Bush interessou-se muito pela técnica da produção do álcool combustível a partir da cana do açúcar, e pela técnica da construção e do funcionamento do motor a etanol.
Garantiu que pretende aumentar a importação americana de etanol combustível, mas, ao mesmo, garantiu também que não vai baixar as pesadas taxas (46%) de importação do álcool combustível, pelo menos até 2008, para proteger os produtores americanos que, a partir do milho, obtêm, para a mesma quantidade de cana brasileira, etanol em menor quantidade, de qualidade inferior no que toca ao rendimento do motor, mais poluente, mais caro, e com a agravante de precisar de petróleo para o processo produtivo, o que não acontece no Brasil.
Recusando-se a rever os impostos sobre este combustível, dá a impressão de que Bush não está interessado num possível negócio de etanol com o Brasil.
Esta é a verdade. Bush viajou ao Brasil a coberto do etanol, mas por outros motivos de que o etanol é uma das vertentes não prioritárias neste momento:
- pressionado pelo Congresso americano, Bush tenta fazer marcha atrás no tempo – o que é impossível – e apresentar-se aos contribuintes como um ecologista arrependido de não ter assinado o Tratado de Kyoto em 1992 no Rio de Janeiro; tarde demais, ninguém lhe dá crédito, mesmo com a conversa do etanol;
- incomodado, senão assustado, e esta é a principal motivação da viagem, pelo protagonismo político e pela liderança na América Latina de Hugo Chávez, um dos grandes produtores de petróleo, e amigo do peito e de cartilha do cocaleiro Evo Morales que dirige a Bolívia, um dos maiores produtores de gás natural, Bush teme, com alguma razão, que o venezuelano procure pôr em prática a sua ambição de criar uma zona de instabilidade em toda a América do Sul; na verdade, Chávez tem facturas a receber em relação à Bolívia, ao Equador e à Nicarágua, pelo menos, à Argentina, talvez, por empréstimos a fundo perdido para "campanhas eleitorais de sucesso", pagas pelo petróleo da Venezuela.
Acredito que as intenções de Bush, mostrar ao mundo um périplo de boa-vontade a favor do controlo da poluição, construir uma aliança com terceiro-mundistas para a produção de combustíveis baratos e menos poluentes, e, para consumo interno, dar a imagem do zelador pela limpeza do planeta, não tenham colhido qualquer efeito positivo (de credibilidade) sobre os destinatários das mensagens. Do ponto de vista da comunicação social, pior ainda: as televisões nacionais e estrangeiras deram mais destaque às vaias, aos apupos, às manifestações contra a sua presença no cone sul do que às beijoquices e apertos de mão, seus e da "primeira dama".
Vejamos agora o comportamento de Hugo Chávez.
Desregrado, tanto nos hábitos como nas palavras, com fome desmedida de Poder, quer mostrar, principalmente aos seus companheiros (da sua terra e do exterior) da escola do populismo, que o "grande chefe" corajoso, poderoso e carismático é ele, por direito próprio, e não o Brasil, como chegou a ser ensaiado, embora com alguma timidez ( mais aparente do que real, convenhamos) pelo presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva.
Este, ao ceder ao canto da sereia americana, deita por terra os planos hegemónicos de Chávez. Se for criado um núcleo duro de produção de etanol e biodiesel para substituir, em parte que seja, o uso exclusivo dos derivados de petróleo, Hugo Chávez, que deve o seu fulgor, precisamente, à extracção do petróleo, virá a ficar a médio e ainda mais a longo prazo desarmado. Tanto pior quanto tem sido o petróleo a moeda que tem pago as suas "extravagâncias amorosas" com os países seus irmãos. Deixaria, pois, de ter o ascendente sobre os EUA, de Bush ou de outro qualquer, que é a pedra angular da sua política externa.
Por isso H. Chávez insulta provocatoriamente Bush, seja onde for, mesmo em casa de Bush. Este, civilizadamente, não lhe responde, ignora-o, até porque os EUA são o principal parceiro comercial da Venezuela.
Por isso H. Chávez torce o nariz ao Brasil, com quem tanto contava para o apoio ao afrontamento com Bush, e diz, de uma forma pateticamente infantil , que não apoiará um grupo de países produtores de etanol e biodiesel porque estes servirão para "alimentar os carrões americanos".
Por isso H. Chávez conseguiu alterar a Constituição do seu país e estabelecer uma forma de governação decalcada do despotismo esclarecido do século XVIII, aqui mais despótico do que esclarecido, com uma Assembleia praticamente sem oposição, a garantia de reeleição até à eternidade (estilo castrista) e a permissão parlamentar para governar por decreto.
De tudo isto, é preciso não esquecer que a Venezuela:
- sem os EUA comprometeria gravemente a sua balança comercial;
- aumentou a mortalidade infantil em 9%, entre 1998 e 2003;
- quebrou a produção de petróleo em 30% nos últimos oito anos;
- teve um crescimento de renda per capita inferior a 1% entre 1999 e 2005;
- apresenta uma inflação anual de 17%, uma das maiores do mundo, e em crescimento;
- registou um aumento de 18% no número de famílias classificadas como pobres, desde que H. Chávez é presidente;
- viu a classe média encolher 30% desde 1998;
- afugentou o investimento estrangeiro em 86% no primeiro trimestre de 2006, comparativamente ao mesmo período do ano anterior;
- reduziu de 17 mil para 8 mil o número de empresas nos primeiros oito anos de governo de Chávez;
- teve um acréscimo de gastos públicos em 2006 da ordem dos 124% (em relação a 2005), com previsão de aumento de mais 32% neste ano.
Até quando a Venezuela vai aguentar isto?
O caos instalou-se na Administração; da corrupção não se fala; o crime e a violência dispararam; os supermercados subvencionados pelo estado esgotaram os géneros de primeira necessidade e têm as prateleiras vazias.
Então, entre os temores e as palhaçadas de Bush, e a auto-confiança negligente e as palhaçadas de Chávez, talvez o Brasil possa lucrar alguma coisa, no médio e no longo prazo, se souber aproveitar-se da situação – e se for capaz de pôr cobro à palhaçada que é a sua política, tanto interna como externa.