CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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sábado, julho 01, 2006

BRASIL DO REAL, CAI NA REAL

A eliminação do Brasil do Campeonato Mundial de Futebol poderá ser uma boa lição para os brasileiros, se os brasileiros se dispuserem a pensar sobre o assunto. Ora vejamos:
O Brasil entrou em campo "de salto alto", ou seja, tendo como certa uma vitória. Mas as perspectivas de vitória antecipada só fazem sentido quando há fundamentação inegável para nelas se confiar. Isso não era o caso. O Brasil trazia um desejo de vingança desde 1998, quando a França lhe arrebatou o título na final. Mais uma razão para estar bem preparado para saborear essa vingança. O que também não foi o caso.
As estrelas, as vedetas da selecção, os fenómenos nada jogaram, porque, na verdade, onde eles se esforçam é onde ganham dinheiro, em euros ou em dólares, por esse mundo fora, em particular nos clubes europeus.
Depois, não ajudou a falta de humildade, de modéstia e de decoro do seu treinador, o sr. Parreira, que afirmou publicamente que se a selecção brasileira fosse treinada pelo Filipão, há muito estaria de volta. A verdade é que o Filipão conduziu a equipa de Portugal até às meias-finais (e está para se ver o resto), enquanto que esse tal sr. Parreira regressou a casa com os seus meninos, ao som de vaias.
Todos aqueles astros da selecção brasileira não formam, na realidade, uma equipa. Cada um joga por si, cada um pretende bater os seus recordes pessoais, andam zangados uns com os outros... Isso não é futebol. Futebol é jogo de equipa.
Essas estrelas brasileiras, depois de conhecerem a cultura e a civilização europeias, depois de verem engrossar as contas bancárias, não querem voltar a viver no Brasil, que consideram uma imensa favela. Aqui, na sua selecção, não se esforçam, porque quem lhes paga bem são o Barcelona, o Real Madrid, o Arsenal, e por aí fora.
Aqui não trabalham. Dão-se ao luxo de ser preguiçosos, e não se importam que se lhes chame um bando de vagabundos. Mas lá fora, nas suas equipas, se assim se portassem, no dia seguinte estariam no olho da rua. Disse Pelé: "Havia muitos jogadores em campo sem fazer nada".
É claro que o futebol há muito deixou de ser desporto. É negócio convertível em euros, em dólares, em francos suíços, em ienes, em moedas fortes.
Futebol bonito e despojado era o do princípio do séc. XX, quando os ingleses o inventaram.
Agora é dominado por máfias, vê-se envolvido em escândalos, leva à prisão árbitros comprados para favorecerem resultados.
Os clubes não são mais agremiações de simpatizantes, mas empresas com títulos cotados nos mercados de acções.
Os jogadores transaccionam-se como qualquer mercadoria: compram-se, vendem-se, trocam-se, alugam-se, do mesmo modo que máquina de recreio. Só não se emprestam. Mas, muitas vezes, como máquinas de recreio, destroem-se, põe-se de lado como coisa inútil.
Os governos investem milhões nas suas equipas para se auto-promoverem, e, acima de tudo, para desviar as atenções dos eleitores para o futebol, fazendo-os esquecer os reais problemas do país.
Esta Copa foi perdida pelo Brasil, e foi muito bem perdida. Terminou sem honra nem glória. Terminou por vontade própria da selecção. Terminou de uma forma indigna. E os brasileiros, que tanto acarinham a sua selecção não mereciam isto.
Por outro lado, ainda bem que terminou para o Brasil. Se assim não fosse, teríamos mais três ou quatro dias em que tudo, mas tudo, repartições públicas, notários, empresas privadas, comércio, indústria, construção civil, centros comerciais, clínicas, até, toda a actividade do país, pararia nos dias em que houvesse jogo. O Brasil perdeu milhões com este Mundial de Futebol – no que investiu nele, e no que deixou de produzir.
Vamos ver se agora o Brasil começa a pensar naquilo que é importante – as próximas eleições, a corrupção no legislativo, no executivo e no judicial, o assalto aos cofres públicos feito pelo partido que apoia o presidente da República. E se começa a perceber que o futebol não é o seu futuro. Se o Brasil tivesse ganhado, a qualidade de vida dos brasileiros não aumentaria, do mesmo modo que não vai ser ainda pior porque o Brasil perdeu.
O presidente Lula da Silva telefonou ao treinador Parreira, à comissão técnica, aos jogadores, expressando a sua solidariedade – solidariedade na derrota. Lula anda em todas, até nas derrotas...
Mas, para além de todos estes folclores, as coisas continuam na mesma: os assassinatos, os sequestros, os estupros, o crime organizado, a pouca-vergonha dos políticos, a fome, a miséria, a doença, a falta de habitação decente, o analfabetismo.
Acabou a Copa para o Brasil, porque não há vitórias antecipadas, nem no desporto, nem na política. Entre a vitória e a derrota possíveis no terreno vingou a derrota – bem merecida, como é sempre para quem não se esforça por vencer.



2 Comments:

Blogger Luís Alves de Fraga said...

E não imagina o meu Amigo o que foi em Portugal! Esse Felipão transportou para cá o que de pior havia no Brasil: um patriotismo populista que só agrada aos políticos que já estão adoptando a trilogia de Salazar: Fátima, Fado e Futebol.
Não tem importância... Em 1988, aí diziam-me que só queriam que o Brasil fosse o último do 1.º Mundo! Passados todos estes anos o Sr. Scolari realizou em Portugal o sonho do Brasil: somos, de facto, os últimos dos mais desenvolvidos e na copa do mundo ficámos sendo os primeiros dos piores!
Será por isso que Portugal e Brasil se dizem povos irmãos?

terça-feira, julho 11, 2006 5:04:00 da manhã  
Blogger Luís Alves de Fraga said...

Caro Amigo,
Estou à espera de ver mais um artigo seu. Os seus retratos do Brasil são de um grande realismo e excelente profundidade.
Toca a escrever sobre essa realidade tão pouco conhecida entre nós, aqui em Portugal!
Um abração. Dê notícias.

terça-feira, agosto 15, 2006 8:16:00 da tarde  

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