Ouço, por vezes, nesta terra que já se chamou de santa Maria, que os Portugueses muito roubaram no Brasil, pretendendo, ainda que de forma velada, tímida e enviesada, que a isso se deve o estado de atraso em que o Brasil se encontra hoje.
A graça, se alguma graça tem, está no facto de essas vozes fazerem remontar a pretendida rapina aos primeiros 250 anos da colonização, quando já passaram outros 250, durante os quais, ao que parece, não conseguiram refazer-se do trauma.
Embora tal opinião, porque, a meu ver não pode passar disso, de uma opinião, por lhe faltar sustentáculo que lhe dê crédito científico, seja irresponsavelmente transmitida por alguns professores (serão?) de História (qual?) do ensino médio (alunos entre 12 e 18 anos), não vou atribuir-lhe o anátema da má-fé ou da intriga, mas, tão-só, recomendar, se mo permitirem, a quem a ouve ou lê, que a ouça ou leia como um fruto acabado da ignorância, quer da História do Brasil, quer da História de Portugal, quer, ainda, da História da Europa, situadas todas elas no contexto da época.
Quando Portugal conseguiu negociar com a Espanha, pelo Tratado de Tordesilhas, a partilha do mundo a descobrir (todo ele já descoberto, na maioria por empreendimentos portugueses, daí a inegável astúcia do tratado), ficou incluído na posse de Portugal esse território Brasil.
A legitimação foi ratificada pela maior – e única – autoridade de direito internacional da época, o papa, neste caso Júlio II, em 1506.
Portugal fez com a sua nova colónia o que outros povos colonizadores fizeram com a s suas – exploraram-na para enriquecimento da metrópole. Assim foi com os Espanhóis, os Ingleses, os Franceses, os Belgas, os Alemães, os Italianos, os Holandeses, para não falar já de Cartago, Grécia e Roma, muitos séculos antes.
Considerando que ninguém rouba aquilo que é seu por direito, o fluxo de bens do Brasil para Portugal insere-se na lógica das relações metrópole-colónia. E aqui há que reconhecer que fluxos no sentido inverso também aconteceram, como investimento, e que não foram tão poucos quanto isso.
Portugal explorou. Explorou o que os nativos não quiseram, ou não souberam, explorar.
E quando nos nativos se tentou elevar a sua forma de vida ao nível da dos colonizadores, eles fugiram. Trabalho, tal como o entendiam nessa altura os europeus, nem pensar. A sua filosofia de vida era outra.
A conotação negativa que o termo "explorar" adquiriu deforma o modo como a notícia histórica da época deve ser lida.
As principais riquezas que vieram a ser aproveitadas no Brasil eram desprezadas pelos Índios.
O pau-brasil, usado em tinturaria, não tem sentido para um povo que vive nu, e que atira flechas aos papagaios e às araras para enfeitar os seus capacetes como uma aura visível.
A cana-de-açúcar, nem a conheciam. Foi levada da ilha da Madeira pelos Portugueses.
As pedras preciosas não lhes interessavam. Eram coisas sem valor. Tal como o ouro.
E aí é que bate o ponto. A acusação de roubo incide sobre o famigerado ouro do Brasil, de resto, inferior em quilates, aos de outras regiões do planeta.
O ouro que, pretende-se insinuar, fez fortunas sem esforço, como se fosse cogumelos a nascer no chão, ou maçãs a cair das árvores. Não se diz que o trabalho nas minas era tão ou mais violento, pela disciplina imposta, como o da extracção de ferro ou cobre.
O caso dos garimpeiros foi pontual, sem expressão económica para o Brasil nem para Portugal.
Poderá ficar a impressão, para quem ouve ou lê esses protestos de pilhagem, de que é possível encontrar em Portugal arcas carregadas ainda de pepitas luminosas, em subterrâneos que os guias turísticos mostram com afrontosa displicência; ou frontarias de prédios chapeadas a ouro, o tal ouro do Brasil.
Nada disso acontece. Alguns monumentos, não muitos, marcam, realmente, a opulência dessa época. Do que não se vê e de que se fala muito, a maioria foi encaminhada para a Inglaterra, por tratados que impunham dívidas a troco de uma protecção militar, e para o Vaticano, que exigia ouro em troca de beneplácitos e honrarias reais.
Malgrado essa sangria fixada do exterior de Portugal, o investimento do colonizador, tanto material, como afectivo, cultural e espiritual, foi grande. Tão grande que ainda hoje subsistem na Cultura e na Civilização brasileiras práticas e instituições de referência com a chancela dos Portugueses.
Seria ridículo que os novos países, das Américas às Áfricas, das Ásias às Oceanias, filhos de colónias recentemente emancipadas, de Portugal e dos outros colonizadores, atribuíssem aos respectivos pais os sucessos ou a miséria – infelizmente predominante – em que agora vivem.
Os Povos fazem-se, assumindo e vencendo a sua História pregressa.
Tal como as pessoas, que não podem (não devem) chegar aos 70 anos queixando-se da sua vida frustrada pelos eventuais, às vezes fantasiados, traumatismos de infância, sinal de que não cresceram, de que desperdiçaram 70 anos, uma vida, também os países, as nações, os povos, devem (têm de) construir o seu destino com o seu querer, as suas mãos, em cada palmo do seu tempo e do seu espaço.
O Brasil sofre de crónica preguiça, física e mental. Se assim quiser continuar, acolhendo-se à sombra do coqueiro, refastelado na areia, ouvindo o marulhar, será uma opção. Mas que não venha depois dizer que não sai da cama por causa de pesadelos onde fantasmas quinhentistas sorriem, troçando, de tamanha insensatez.