Heliópolis, a maior favela do Brasil e a segunda maior da América do Sul, na zona meridional de São Paulo, acolhe para cima de cem mil habitantes, numa área de 1 milhão de metros quadrados.
Nasceu em 1970, quando a autarquia transferiu provisoriamente 60 famílias de outra região. O pequeno provisório transformou-se num gigantesco definitivo, a rebentar de problemas estruturais e sociais: 40% das casas não têm esgoto; mais de 60% das ruas não são asfaltadas; mais de 250 famílias moram em barracos que podem desabar com a chuva; dois grupos disputam o tráfico de droga; mais de 30 mil crianças entre os 7 e os 14 anos vão crescendo por ali.
Em 1996, um incêndio devastou parte da comunidade de Heliópolis. Incêndio com notícia de grandes proporções, quer pela dimensão, quer pelos aspectos histórico e humano da área queimada, foi visto na televisão por muita gente.
Por vezes, determinada pessoa, um lugar certo e um tempo oportuno criam uma convergência feliz que recicla em solidariedade a habitual alienação para que nos remete a tv informativa.
Silvio Baccarelli foi um espectador atento e emocionado da reportagem. Mais: viu naquele drama a possibilidade de concretizar um antigo sonho.
Ao longo da sua carreira profissional, o maestro Silvio Baccarelli cultivou o desejo de ensinar música a pessoas cujos fracos recursos económicos não permitiam tal experiência.
Enquanto se procurava acorrer às famílias especialmente atingidas pelas perdas no fogo, que tentavam, desesperadas, recuperar ainda alguma coisa do que restava de habitações e bens, o maestro propôs a uma escola pública iniciar o ensino de instrumentos de orquestra a crianças e adolescentes.
Poucos meses depois, no Auditório Baccarelli, propriedade do maestro, nas proximidade da favela, 36 jovens iniciaram o estudo de violino, viola violoncelo e contrabaixo.
Inicialmente, todas as despesas inerentes ao projecto foram suportadas pelo maestro Silvio Baccarelli. A partir de 1998, vários profissionais aderiram à ideia e se juntaram ao maestro, permitindo obter o apoio da Lei Nacional de Incentivo à Cultura, ou Lei Rouanet.
A entidade âncora foi a Sociedade de Concertos de São Paulo, criada para incentivar a divulgação da música erudita. Através dela se angariaram patrocinadores do sector privado, o que permitiu ampliar e diversificar as actividades.
Hoje, os jovens contam com uma bolsa de estudo para se dedicarem à música: estudam, ensaiam e fazem concertos.
O Instituto Baccarelli, entretanto constituído sem fins lucrativos, integra os projectos Coral da Gente, Encantar na Escola, Orquestra do Amanhã, e Sinfónica Heliópolis. Conquistou o apoio do Ministério da Cultura e de grandes empresas que actuam na região, algumas de âmbito nacional.
A autarquia de São Paulo cedeu um terreno em Heliópolis para a construção de uma sede própria.
Durante três horas e meia, duas vezes por semana, a Sinfónica ensaia, proporcionando a cada integrante a possibilidade de aperfeiçoamento em técnica e experiência instrumental, bem como em História da Música, por forma a torná-los potenciais concorrentes a orquestras profissionais.
Para além do maestro Silvio Baccarelli, Presidente Emérito do Instituto, e do maestro Roberto Tibiriçá, director artístico, vários professores qualificados dão o seu contributo à preparação musical destes jovens. Alguns são titulares de orquestras, como a Sinfónica do Estado de São Paulo, a Orquestra Sinfónica Municipal, a Jazz Sinfónica e a Orquestra Sinfónica Brasileira.
Ao todo são 21 professores (3 de violino, 2 de viola, 1 de contrabaixo, 1 de flauta, 1 de oboé, 1 de clarinete, 1 de fagote, 1 de trombone, 1 de trompa, 1 de trompete, 1 de percussão, 1 de bateria e 6 de canto coral), além de 5 pianistas acompanhantes.
Uma equipa executiva de 14 elementos presta o apoio necessário à concretização e ao desenvolvimento do sonho-realidade.
Porque "sempre que um homem sonha/o mundo pula e avança/como bola colorida/entre as mãos de uma criança" (António Gedeão, poeta português, 1906-1997).