CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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segunda-feira, outubro 17, 2005

DIA DO PROFESSOR?...

Há poucos dias, as televisões transmitiram imagens da avenida Paulista, a principal artéria da cidade de São Paulo, a maior do Brasil, completamente bloqueada por professores que reivindicavam melhoria salarial.
Ao longo deste ano, várias greves de professores têm sido realizadas, pelo mesmo motivo. A mais recente foi a greve dos professores universitários.
Toda a gente concorda em que os salários dos professores, seja qual for o escalão e o nível de ensino, são baixos. Mas são baixos em função de quê?
Se fosse possível juntar num fórum representantes de todas as categorias profissionais, por certo se chegaria à conclusão de que cada uma delas se arrogava o direito de poder ser considerada a mais forte pedra basilar da sociedade.
Os políticos porque dirigem o país. Mas para que tudo corra em perfeito clima social, é necessário julgar e punir quem perturba a ordem. Aí entram os juízes e os advogados. Mas para julgar, é preciso apanhar os prevaricadores, papel das polícias. E quem prepara as polícias em cultura geral, específica, técnica, física? Os professores, claro. Mas os professores não ensinam sem um espaço adequado, construído por arquitectos, engenheiros, pedreiros, que, por sua vez, precisam de vendedores de materiais de construção, que por seu lado, não vendem sem que os fabricantes os produzam. E quem alimenta toda esta gente?
E assim por diante, numa cadeia imparável, que, com outras cadeias, contribui para a organização de uma teia de interdependências.
A verdade é que todas as profissões são cabíveis no tecido social, desde que condignamente exercidas, porque todas elas contribuem, ou deveriam contribuir, para o bem comum, para a felicidade de todos os cidadãos.
Voltando aos professores, eles estão, na generalidade, mal pagos, como todas as classes profissionais do Brasil, salvo algumas raras e escandalosas excepções elitistas.
Consta de relatórios internacionais que a distribuição da renda no Brasil é a 2ª mais injusta do mundo. O primeiro lugar pertence a um apagado país dos confins da África chamado Serra Leoa.
Por outro lado, seja qual for o grau de ensino que ministra, a responsabilidade que o professor tem de transmitir informação técnica e científica, transmissor do saber fazer, tem de estar aliada à responsabilidade de transmitir princípios de civismo e cidadania, transmissor do saber ser. A Escola não deve, ou não deveria, negar o seu papel na formação tanto profissional, como ética e social dos jovens.
De modo a cumprir estes objectivos, para além da competência específica, domínio das matérias e dos métodos pedagógicos, exige-se do professor gosto, vocação e empenho.
Cabe aqui perguntar quantos professores estarão em pleno nestas condições. Quantos fazem desta actividade, mais do que uma profissão, uma missão? Em contrapartida, quantos estão embalados pela epidemia do "deixa rolar" que contamina tantas outras actividades do país? Quantos se comportam como verdadeiros mercenários, apenas cumprindo um horário, à pressa, mal, sem preparação, sem eles próprios fazerem o trabalho de casa através da preparação de lições, do estudo continuado, da reciclagem? Quantos professores se preocupam com isto?
É verdade que todos temos de pagar o pão de cada dia, e, no fim do mês, a casa em que vivemos. Mas não é menos verdade que todos nós, cada um na sua profissão, tem de dar o melhor de si próprio, sincronizado com aquilo que faz. Para a enfermeira, o sangue é o seu dia-a-dia. Para o piloto, as alturas são o seu dia-a-dia. Para o professor, as crianças, os adolescentes e os jovens adultos são o seu dia-a-dia.
Reivindicar, sim e sempre, melhores condições de trabalho e de vida, mas tendo alguma coisa para, na mesma medida, dar em troca. Exigir e dar são faces da mesma moeda que se chama "contribuição individual para o desenvolvimento da sociedade".
O Dia do Professor foi comemorado no passado sábado 15. Nada mais legítimo, já que neste país de comemorações outras profissões são contempladas.
Segunda-feira 17 é dia dos que se dedicam ao comércio. Os órgãos de comunicação social divulgaram as actividades que estariam a funcionar, e as que cessariam para festejar o seu dia. Todas as lojas, na generalidade, fechadas. Bancos, repartições públicas, escolas, abertos.
É de espantar, pois, que as escolas, pelo menos no Recife, mas tudo leva a crer que foi a nível nacional, à revelia de pais e alunos, tivessem decidido suspender as aulas na segunda-feira, por transferência do Dia do Professor de sábado para este dia.
Que triste exemplo para a sociedade, em geral, e para os alunos, em particular, de quem os professores dizem ser necessário criar e incutir hábitos de trabalho.
Afinal, que fazem os professores no seu dia que não possa ser feito num sábado, e tenha de ser transposto para uma segunda-feira, dia de trabalho? Reúnem-se para discutir melhores programas, melhores métodos e sistemas de ensino? Reúnem-se para trocar experiências e enriquecer a sua bagagem? Reúnem-se para jornadas de luta onde possam exigir do ministério da tutela melhores condições de desempenho para todos os agentes e sujeitos envolvidos na aprendizagem?
Não. Nesse dia, dia de trabalho perdido, faz-se o aviltante elogio da preguiça, preguiça que, afinal, é factor de avaliação e classificação dos alunos no final do ano lectivo.
Que classificação merecem os professores, por conseguirem mais este dia de segunda-feira de não fazer nada? Isso fica à consideração de cada um e deles próprios.



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