CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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domingo, outubro 30, 2005

PÃO E CIRCO

Parece que os brasileiros, decididamente, não gostam de trabalhar.
A afirmação pode parecer injusta, preconceituosa, reducionista, chauvinista, generalizadora e outras coisas pouco abonatórias para o autor.
Sem dar muita importância ao comentário, uns dirão, gracejando, que o pessoal gosta mesmo é de curtir de papo para o ar, barriga brilhante de óleo de coco, a sombra da bananeira, o
dolce fare niente de que falam os italianos. Outros, invocando a imagem bíblica primitiva, defenderão que o trabalho é um castigo imposto por Deus aos nossos ancestrais progenitores, e que de punições ninguém gosta, procurando fugir delas.
Filosofias à parte, a verdade é que há povos que têm feriados e férias ao longo do ano de trabalho, enquanto outros, como o Brasil, ainda encontram espaço para encaixar alguns diazitos de trabalho por ano, entre festas e folguedos, festejos e comemorações, férias e feriados, carnavais e outras coisas que tais, não esquecendo os horários de Verão em que o período de actividade produtiva é reduzido para meio tempo diário.
No passado dia 12 comemorou-se o
dia da criança. Escolas fechadas. Logo a seguir, dia 15, celebrou-se o dia do professor. Como calhou num sábado, transferiram-no para segunda-feira, para obterem mais um dia de nada fazer. Escolas fechadas, pois. Na mesma segunda-feira festejou-se o dia do comerciante (chamado comerciário no Brasil). Neste ramo só fecharam as lojas dos grandes centros comerciais (shoppings, no Brasil). O pequeno comércio, aquele a quem a porta fechada dói na compra do pão, manteve-se, na generalidade, aberto. Na sexta-feira 28 foi o dia do funcionário público. Repartições encerradas.
O Parlamento preparava-se para umas mini férias até ao dia 2 de Novembro, em que se lembram os fiéis defuntos, feriado no Brasil, diferente da maioria do mundo católico que celebra a festa religiosa de Todos os Santos no dia 1. Foi preciso o presidente da Mesa ameaçar com desconto nos salários dos eventuais faltosos. Mesmo assim, na sexta-feira, dos 513 deputados estavam presentes 20. Sessão adiada.
É o governo federal quem estabelece os feriados no Brasil. No entanto, por prerrogativa especial, os governos estaduais podem determinar para os respectivos estados os ditos "pontos facultativos", que outra coisa não são que uns feriados a mais.
Quer queiramos, quer não, isto reflecte-se na qualidade de vida de uma população que reclama, com toda a justiça, das precárias condições da sua existência.
Não é que o trabalho de sol a sol se traduza, necessariamente em riqueza.
Pelo contrário, a civilização tende, nos países mais evoluídos, para uma distribuição do tempo de vida por menos trabalho e mais lazer, embora isso não signifique, de todo, não fazer nada, mesmo nos tempos livres.
Isto acontece em quadros sociais altamente organizados, de grande produtividade, onde abundância e bem-estar permitem outro tipo de preocupações, filosóficas e espirituais, por exemplo, que não cabem nas sociedades que lutam pela mais elementar sobrevivência.
Mas antes de chegarem a este estado, esses povos cuidaram do seu desenvolvimento económico e social. Produziram, ganharam, reinvestiram e distribuíram.
Independentemente de condições geográficas e climáticas adversas, esses países conseguiram ultrapassar os obstáculos, e constituem hoje exemplos para o mundo. São países onde apetece viver.
Não é este o caso do Brasil no que toca à maioria das suas gentes, flageladas por carências quanto às necessidades básicas, e extremadas por desigualdades sociais, de que a mais gritante será a diferença no poder aquisitivo, origem dos mais elevados índices de criminalidade do mundo, e da furiosa corrupção que vinga nos três Poderes do Estado e perpassa, seguindo o exemplo, para todos os patamares da escada social.
Instalou-se a mentalidade do "deixa p'ra lá". Perdeu-se, entre samba e forró, a salutar máxima do "não deixes para amanhã o que podes fazer hoje".
A criminalidade e a corrupção, afinal outra forma de criminalidade, instigam e mobilizam o cidadão para o dinheiro fácil, a qualquer preço, mesmo o preço da vida, própria ou alheia, tanto faz.
À semelhança de Roma antiga, em que os imperadores contentavam o povo com pão e circo, aqui a oferta é de novela, carnaval e bolsa-esmola, com o que se conseguem, até, alguns equivocados, ou hipócritas, elogios internacionais, mas não levam em conta a necessidade, também, de resgatar a dignidade humana.
Porém, é bom não esquecer que aqueles imperadores romanos com tal política fragilizaram o império e o tornaram vulnerável à cobiça dos Bárbaros que acabaram por destruir a identidade desse mesmo império.
O Brasil já foi império. Hoje não é, mas a construção do país por dentro, a partir do país real, sem inspirações magalómanas de figurinos estrangeiros, continua por fazer.
Apesar de azedado e tumultuoso pela impunidade criminal que tende a estabelecer uma relação, em breve, de um homem de bem para um bandido, o Brasil vive num remanso doce e despreocupado de brandos costumes.
Com isso, corre o risco de outro tipo de invasões, não menos bárbaras nas suas consequências, de que a dependência económica, já sentida, tanto na doutrina, como na prática, não será a menos influente no futuro deste povo.



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