CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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terça-feira, outubro 18, 2005

SEM AFTAS NA LÍNGUA

Brasil, o maior produtor de gado bovino do mundo. Uma manada de 190 milhões de cabeças, mais do que um animal por habitante.
Mato Grosso do Sul, o estado de maior concentração de gado, regista 24 milhões de animais.
Brasil, o maior exportador mundial de carne de bovino, enviou para o exterior, entre Outubro de 2004 e Setembro de 2005, 2,4 milhões de toneladas, no valor de 3,1 bilhões de dólares. A previsão para 2005 é de 8,5 milhões de toneladas.
Desde o início deste ano até Agosto, o maior comprador, a Rússia, contribuiu para a receita com 900 milhões de dólares. Os outros melhores clientes são o Egipto, a Holanda, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, o Chile e a Itália.
No mesmo período, Mato Grosso do Sul, o segundo maior estado em exportação, arrecadou 227 milhões, num total no país de 1 milhão e 700 milhões.
Era assim até ao passado dia 10, quando foi divulgada a existência de um surto de febre aftosa numa fazenda de Mato Grosso do Sul, perto da fronteira com o Paraguai.
A doença traduz-se pelo aparecimento de aftas na língua, nas tetas e junto dos cascos. Os animais deixam de comer, perdem peso, não dão leite, e acabam por ser sacrificados para evitar o contágio.
Apesar de terem sido abatidas 582 cabeças de gado, o embargo não se fez esperar. Não que a febre aftosa constitua algum perigo para a saúde pública. Mas dizima em pouco tempo manadas inteiras, desde que o vírus se propague, quer através dos animais vivos, quer da carne e derivados, quer, ainda, pela circulação de pessoas e veículos, ou quaisquer objectos em contacto com os animais doentes.
Por isso a importação foi interditada em todos os 25 países da União Europeia, na Rússia, na Argentina, no Paraguai, no Chile, no Uruguai, em Israel e na África do Sul. Ao todo, 32 países.
No dia seguinte, o presidente Luís Inácio Lula da Silva viajou para a Europa. Aconteceu o mesmo várias vezes. Estala uma crise e o presidente da República viaja. Ele não terá culpa da agenda. Mas a verdade é que a agenda nunca foi alterada, as viagens nunca foram adiadas, nunca delegou, nunca se substituiu. Pelo contrário, ele viaja, e atribui aos que ficam a responsabilidade de governar.
Em Portugal, primeira etapa do circuito europeu, um repórter pediu-lhe para comentar o surto de febre aftosa. Respondeu que o Governo nada tinha com isso, que fora libertada verba suficiente para a vigilância sanitária, e que a culpa era dos criadores que, provavelmente, não teriam vacinado os animais.
Com isto o presidente Lula conseguiu desencadear várias reacções que em nada o beneficiaram.
O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimentos, Roberto Rodrigues, homem sem aftas na língua, veio a público dizer que a agricultura está num estado deplorável devido às altas taxas de juro, as maiores do mundo. Que a avicultura se encontra no fundo do poço. Que a agropecuária não apresenta melhor panorama.
Depois de criticar severamente a política económica de António Palocci, o ministro da Fazenda, querubim do presidente Lula, Roberto Rodrigues adiantou que a previsão de gastos para 2005 com a defesa vegetal e animal, orçada em 169 milhões de reais (com 1 real a cerca de 0,33 euros), foi reduzida de 78%, apesar dos seus apelos. Deste residual, apenas 35 milhões seriam destinados a erradicar a febre aftosa no país. E, mesmo assim, até 12 de Outubro só teriam sido consumidos uns escassos 1,6%, ou seja, 556 mil reais. Toda esta contenção é da responsabilidade do ministro Palocci.
Para Mato Grosso do Sul, nem um centavo, apesar da sua vulnerável fronteira de 700 quilómetros com o Paraguai, por onde passa contrabando de gado, muitas vezes doente.
O ministro da agricultura pede agora à Fazenda 80 milhões para combate à febre. Palocci, perante a situação, já disse que despacharia favoravelmente.
O Brasil, por cada real que não investiu em prevenção, está a perder 12 reais de arrecadação para os cofres do Estado. Mau negócio, esta poupança de quem gere a economia brasileira.
Outra reacção negativa foi a de Zé Teixeira, considerado um profundo conhecedor do assunto, deputado do estado de Mato Grosso do Sul, pelo Partido da Frente Liberal (PFL). Apesar de ser da oposição, Teixeira vê em Roberto Rodrigues um dos melhores ministros do Governo Lula, e diz esperar que ele não seja demitido pelas declarações que tem feito.
Também sem aftas na língua, Teixeira veicula a indignação dos secretários de agricultura de todos os estados, principalmente dos maiores produtores, perante as afirmações de Lula quanto à disponibilização de verbas para a febre aftosa, e quanto à responsabilidade dos criadores. Faz eco da opinião do ministro da agricultura, e devolve a culpa ao governo por não ter distribuído o dinheiro orçamentado.
Para Zé Teixeira, a fronteira com o Paraguai pode ser um foco de infecções, uma vez que ela é pouco vigiada, e as vacinas paraguaias não são confiáveis. Além disso, não se sabe se as condições de conservação dessas vacinas, que exigem baixas temperaturas, foram respeitadas.
Por outro lado, salienta o deputado, em Mato Grosso do Sul há 15,7 mil famílias nos assentamentos do Movimento dos Sem Terra (MST), famílias pobres, sem condições financeiras para custear as vacinas do gado.
Embora o Governo Lula faça doações de vacinas para a Bolívia e o Paraguai, aos seus cidadãos exige o cumprimento de determinadas formalidades. Uma delas é a inscrição no IAGRO, a Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal. Mas como mais de 30% dos assentamentos do MST estão nas mãos de pessoas sem título de propriedade, uma vez que as ocupações ainda não foram legalizadas, tais pessoas não podem efectuar a respectiva inscrição na Agência.
Ontem de manhã, de Itália, o presidente Lula da Silva garantiu que a febre aftosa já estava dominada no país. No fim do dia, o ministério da Agricultura divulgou a existência de outros três focos da doença, em Mato Grosso do Sul. Foram abatidos mais de 1000 animais.
O presidente Lula cultiva o hábito de afirmar o desconhecimento dos factos, tal como, desde Março, vem dizendo que não sabe de nada quanto aos escândalos político-financeiros que devastam o Brasil. Não se pode chamar-lhe mentiroso. Faça-se por acreditar que não sabe de nada.
Mas nem por isso se furta à crítica de estar lamentavelmente desinformado, e isso é inadmissível num presidente da República de um país com sistema presidencialista de governo.



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