CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

Statistiche sito,contatore visite, counter web invisibile TRANSLATE THIS PAGE

terça-feira, setembro 13, 2005

CRIME DE CELEBRIDADE

Surgiu com grandes destaques na imprensa, na rádio e na televisão, não há muito tempo, a notícia de que o filho de uma figura pública, conhecida em todo o país e boa parte do mundo, fora preso por ligação ao tráfico de drogas. A notícia acrescentava que o delinquente, já com barba na cara há muito tempo, aguardava desfecho do julgamento por crime anterior ainda não sentenciado.
Presos por cumplicidade com o mundo da droga e, simultaneamente, por outros delitos existem às dúzias na sociedade, sem que por isso sejam alvo do interesse da comunicação social, pelo menos de forma tão personalizada, excepto em circunstâncias de extrema violência dos acontecimentos.
Este caso ganhou foros de notícia, não pelo sucedido em si mesmo, mas pelas personagens envolvidas, melhor dizendo, o pai da personagem.
A sua importância não é intrínseca ao facto, mas foi-lhe atribuída do exterior, artificialmente, pelo valor de marketing que uma figura com algum relacionamento com o agente, mesmo limitado e distante, pôde trazer para a situação.
O efeito pedagógico e dissuasor que o relato devia desencadear em terceiros acaba por se diluir no foco sobre uma entidade alheia ao acontecido, cujo vínculo com a acção é ser progenitor do sujeito que agiu. Estranho ao crime, mas assim arrastado para ele, como se fosse conivente ou responsável, este progenitor corre o risco de ver o protagonismo do delito transitar do criminoso para si próprio.
Parece-me legítimo que uma notícia percorra este tipo de continuum quando o crime do filho derive de um processo criminoso em que o pai esteja implicado, ou a ele se assemelhe, como foi o caso recente, e imediatamente abafado até agora, de uma figura de elevadíssimo destaque na vida nacional.
A não ser assim, a conduta da comunicação social que tenho vindo a descrever coloca-nos perante uma perspectiva nova da fábula d´O Lobo e o Cordeiro. No conto, era: "se não foste tu, foi teu pai". Nesta ocorrência é: "se não foste tu, foi teu filho".
Juridicamente, a responsabilidade do pai termina com a maioridade do filho. Moralmente, a responsabilidade pode residir noutro ponto, num tempo em que as normas, as regras, as referências, os limites deveriam ter sido comunicados, inoculados no filho, e não foram. Mas esta é uma responsabilidade que se esbate no pai, à medida que o filho, interagindo no contexto social, tem oportunidade de interiorizar essas normas por outras vias, e vai assumindo a responsabilidade pela sua própria vida. A desresponsabilização paterna será ainda maior quando esse conjunto de valores, embora incutido, não foi acatado, ou foi desprezado na maioridade.
Não me parece, pois, justo nem correcto, envolver o pai inocente no delito do filho. Se este procedimento for uma forma de mais facilmente compor notícia e vender informação, convenhamos que é, também, um método perverso de o fazer.
Muitas vezes, já se torna suficientemente grande o sofrimento desse pai perante as infracções do filho, para que seja ainda condenado e punido através da exposição do seu nome na praça pública, ligado a um episódio para o qual não concorreu.
Quantos prejuízos, por vezes não contabilizáveis, por vezes não imediatos, mas de médio ou longo prazo, poderão advir para esse pai, de índole pessoal e no contexto familiar e profissional?
Ninguém deve pagar custos por uma celebridade honesta, e muito menos por causa de um filho de triste celebridade.



[View Guestbook] [Sign Guestbook] Votez pour ce site au Weborama Estou no Blog.com.pt
eXTReMe Tracker Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons para José Luiz Farinha.