Os bancários brasileiros iniciaram uma greve nacional na passada quinta-feira, 6 de Outubro.
A greve é um instrumento de pressão dos trabalhadores, previsto na Constituição Brasileira, e compete aos próprios trabalhadores, organizados em associações laborais, se as houver, ou em grupos constituídos para o efeito, decidir da sua justeza, convocação e realização.
Antes de mais, é preciso deixar claro que uma greve, só porque trata de reivindicação de salários num país pobre, não é necessariamente justa do ponto de vista social. A avaliação terá de passar pela integração comparativa do sector no contexto global do país. Carente de informação sobre o assunto, não me encontro em condições de apreciar tal justeza, deixando isso para os especialistas.
Por outro lado, tem-se alguma tendência para pensar, erradamente, que a greve não tem contornos legais, que ela poderá ser uma balbúrdia sem rei nem roque, a bel-prazer dos grevistas, de certa forma identificada com os desmandos próprios de situações revolucionárias. Nem isto é verdade, nem o Brasil vive uma situação revolucionária.
O direito à greve é uma conquista reconhecida pelos estados democráticos, e no Brasil encontra-se regulamentado de forma específica pela Lei 7783, de 28 de Junho (1989), e, tal como qualquer outra lei, ela tem de ser cumprida. Aqui começam os equívocos nesta greve dos bancários brasileiros.
À cabeça vem a interpretação que alguns quiseram fazer da liminar concedida aos grevistas, considerando a greve legal. Bem vistas as coisas, tal liminar é desnecessária, pois se não tivessem sido cumpridos os quesitos necessários para a sua convocação e realização, por certo os poderes públicos e o patronato envolvido já a teriam impugnado junto do judiciário.
Mais do que isso, essa liminar não vem dar aos bancários em greve, contrariamente ao que eles pretendiam, a cobertura para as acções que têm vindo a desenvolver na rua e no interior de alguns bancos, simplesmente porque elas estão a ser praticadas à margem da lei.
Segundo o artigo 2º da Lei 7783, acima referida, define-se greve como uma "suspensão colectiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador". Quer dizer: esgotadas todas as medidas de diálogo e negociação por parte dos trabalhadores para conseguir levar a bom termo as suas reivindicações laborais junto do patronato, poderão esses trabalhadores parar a produção, até se chegar a um acordo que contente as duas partes.
A greve tem como objectivo, pois, provocar algum prejuízo ao patrão, fazendo baixar os seus lucros, por paragem da máquina produtiva, para o obrigar a ceder. É um jogo de forças, que se pretende e exige que seja pacífico, característico do capitalismo.
Repare-se que o prejuízo, o fito que está na base da greve, tem de ser direccionado para o patrão, e não para o público consumidor. Pelo contrário, todo o sindicalista consciente deve organizar a greve de modo a conquistar para a sua causa largas fatias da população.
É por isso que a paralisação pura e simples e total das actividades nem sempre se mostra uma forma de luta eficaz. Não será mais incisiva uma greve nos bancos que pare toda a actividade nos serviços centrais, mas mantenha os pagamentos e recebimentos da clientela nas agências?
Um outro equívoco diz respeito a uma certa confusão quanto à propriedade dos espaços físicos e dos equipamentos das instituições de crédito. Uns e outros são propriedade do banqueiro, não do bancário. Uns e outros são colocados à disposição do funcionário para que ele cabalmente desempenhe as funções e cumpra as tarefas que aceitou no contrato de trabalho. Não pode, pois, o grevista dispor deles conforme lhe apeteça.
Os piquetes de greve não são proibidos, mas é preciso não confundir piquete de greve com brigada de obstrução. Os piquetes são fontes de esclarecimento da população quanto aos objectivos da greve, e de aliciamento de colegas para aderirem à greve. Nada mais do que isso.
Outro equívoco, ainda, está em identificar greve com encerramento de instalações. A lei é muito clara a este respeito. O artigo 11º diz que as actividades essenciais, nas quais a banca se inclui, têm de "garantir durante a greve a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade". E, no seu parágrafo único, esclarece que "são necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população". Ora, a satisfação destas necessidades depende, em grande parte, da possibilidade de ter dinheiro pronto para acorrer a elas.
Algumas possíveis conclusões a tirar da greve dos bancários que decorre no Brasil:
- as liminares não servem para salvaguardar os grevistas de punição por eventuais contravenções praticadas durante o exercício da greve;
- aos grevistas não é permitido impedir a população, seja a que pretexto for, de circular livremente nos espaços públicos do banco onde se encontram as caixas automáticas, nem, tão-pouco, o acesso a essas mesmas caixas; como depositantes do banco, os clientes não podem ser privados de realizar as operações que a instituição lhes disponibiliza, pois isso viola um dos seus direitos; o parágrafo 1º do artigo 6º reza que "em nenhuma hipótese os meios adoptados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem";
- os grevistas que danifiquem equipamentos estão a incorrer em crime; o parágrafo terceiro do mesmo artigo 6º dispõe que os grevistas "não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa"; são inadmissíveis, portanto, actos de vandalismo como os que se verificaram em, pelo menos, uma agência, onde os grevistas derramaram óleo sobre as caixas automáticas, por forma a bloquear a aproximação do público e o desempenho dos equipamentos; gesto pouco abonatório de uma classe profissional considerada pela maioria da população, e por si própria, como de privilégio; gesto nada adequado às relações sociais num país que se pretende civilizado;
- as agências, todas as agências, têm de estar abertas para assegurar os serviços mínimos.
Hostilizar a população, já de si tão sofrida, e provocar a polícia, geralmente mal preparada para lidar com estas situações, em nada beneficiam os bancários em greve, pelo contrário.
A globalização propicia a solidariedade internacional, mas é preciso buscar essa solidariedade, em primeiro lugar, nos estratos sociais do próprio país.
Ostentando comportamentos elitistas, arrogantes e à margem da lei, os bancários brasileiros correm o risco de ficar isolados dos outros trabalhadores, e de estar a fornecer armas ao patronato, primeiros passos para perderem uma causa que, justa ou não, é a que defendem, com todo o direito que lhes assiste.