CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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sábado, agosto 27, 2005

ADEUS, MIGUEL

Mesmo quando parece que já se disse tudo, nunca se diz tudo de um homem, principalmente quando esse homem foi grande por ter engrandecido a sua pátria.
Pode aplicar-se esta ideia a Manuel Arraes de Alencar, um dos últimos líderes, senão o último da sua geração, da esquerda histórica brasileira.
Não o conheci pessoalmente. O que dele sei, devo a leituras, principalmente da História do Brasil, a que ele por direito próprio estará para sempre ligado, e a testemunhos de correligionários, de adversários políticos, e do povo anónimo a quem dedicou a sua vida, e que não se esqueceu do preito de gratidão.
No dia do seu funeral, 15 de Agosto último, esse povo que lhe chamava Pai Arraia, lá estava, emocionado sem folclores nem espalhafatos, mas com lágrimas pesadas, sentidas, de rurais, médicos, funcionários, professores, aposentados, gente unida no mesmo desgosto, na mesma saudade antecipada, no mesmo "obrigado, meu amigo". As poucas palavras consentidas pela comoção diziam mais do que muitos discursos eruditos.
Do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo do Estado de Pernambuco, no Recife, onde Arraes foi velado, até ao cemitério, 10 mil acompanhantes engrossaram o cortejo. Sinal do carinho por um homem que em 1983 disse: "Nunca me preocupei com rótulos. O rótulo de radical, conciliador, não tem nenhum sentido para mim, como não tinha sentido me chamarem de comunista no passado. O que importa é a prática política; o que importa são os posicionamentos que se tomam ao lado de determinadas camadas sociais em defesa de teses que interessam à nação como um todo". Esse posicionamento ele resumiu mais tarde, em 2001: "Eu acho que a humanidade tem de encontrar um sistema que busque uma solução satisfatória para todos e prepare a pacificação das relações humanas".
Depois de 59 dias internado na UTI (Unidade de Tratamentos Intensivos) do Hospital da Esperança, no Recife, os seus 88 anos não suportaram o choque provocado por uma infecção geral, com origem nos pulmões e agravada por mau funcionamento dos rins.
O Partido Socialista Brasileiro (PSB) perdia, assim, um dos seus fundadores e o seu Presidente Nacional.
Miguel Arraes nasceu no Ceará, mas logo que terminou os estudos secundários, com 16 anos, mudou-se para Pernambuco, onde, cinco anos depois, se formou na Faculdade de Direito do Recife.
Começou a vida política em 1948, com o cargo de Chefe da Secretaria da Fazenda de Pernambuco.
Em 1959 foi Presidente da autarquia do Recife.
Em 1962 elegeu-se governador de Pernambuco pela primeira vez. Porém, não conseguiu acabar o mandato. No dia 1 de Abril de 1964, o golpe militar apanhou-o na sede do governo, e daí foi conduzido à prisão onde permaneceu onze meses. Libertado em 25 de Maio do ano seguinte, mercê de um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal, Arraes exilou-se na Argélia e lá se manteve até à Lei da Amnistia, em 1979. Tinham decorrido 14 anos.
De regresso ao Brasil, voltou à actividade política, e, logo em 1982, integrado no PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), foi eleito deputado federal.Em 1986 ascendeu, de novo, ao governo do Estado.
Em 1990, já pelo PSB, ocupou outra vez a cadeira de deputado federal.
Quatro anos depois, os eleitores tornaram a dar-lhe a vitória na chefia do governo de Pernambuco.
Nas eleições de 2002, mais uma vez foi votado para deputado federal, cargo que desempenhava actualmente.
A doença atingiu-o pouco depois do primeiro estrondo dos escândalos político-financeiros que varrem o Brasil actualmente. Confrontado com a luta pela sobrevivência, não tomou parte activa no alvoroço que toma conta do palco da política nacional. No entanto, são mais que actuais as suas palavras de 1998: "Dinheiro é uma coisa perigosa. Na mão de um homem público é um desastre".



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