CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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sábado, julho 23, 2005

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL E VOTO OBRIGATÓRIO

Numa crónica anterior, publicada em 28 de Junho p. p., foi aqui mostrado o colossal desequilíbrio que caracteriza a distribuição de rendimentos no Brasil.
Essa crónica revelava uma notícia da agência britânica Reuters, referindo um estudo publicado no dia 1 de Junho pelo Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (IPEA), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, segundo o qual a distribuição da renda neste país é a 2ª mais injusta do mundo. O último lugar pertence a um apagado país dos confins da África chamado Serra Leoa, menor que o estado de Santa Catarina (cerca de 70 mil km2), com menos de 6 milhões de habitantes, dos quais 60% vivendo em situação de pobreza, o menor índice de Desenvolvimento Humano do mundo, esperança de vida de 35 anos para homens e 38 para mulheres, e acabado de sair de uma guerra civil que durou 10 anos, até 2002.
Denunciava aquele Instituto que "1% dos brasileiros mais ricos detém uma renda equivalente aos ganhos dos 50% mais pobres". E por falar em pobres, o seu número é de 53,9 milhões, sendo 44% negros, 24 milhões, e 20,5% brancos, 11 milhões. Os indigentes são 22 milhões.
Ainda nessa crónica, dum artigo do professor de Economia Ricardo Bergamini, transcrevia que (...) "metade dos trabalhadores brasileiros ganha até 2 salários mínimos, e mais de metade da população ocupada não contribui para a Previdência. (...) A desigualdade de rendimentos no Brasil não apresentou sinais de melhora nos últimos 20 anos. A comparação entre a renda média familiar per capita das famílias que se encontram no último décimo da distribuição (as 10% mais ricas), que em 2001 era em torno de R$ 1.770,00, e as que se encontram nos quatro primeiros décimos da distribuição (as 40% mais pobres), que no mesmo período tiveram rendimento médio per capita de aproximadamente R$ 80,00, mostra que a renda dos primeiros é 22 vezes maior que a dos últimos. Essas relações sofreram poucas mudanças desde a década passada, indicando a permanência da desigualdade na distribuição de rendimentos" (...).
Como se chega a esta extraordinária distribuição? Isto é, quem a faz e como a faz?
Quem a faz são os governantes, claro: Presidente da República e governo propriamente dito, senadores, deputados federais e deputados estaduais. Quais as ferramentas? As leis propostas, discutidas e aprovadas nas assembleias específicas e promulgadas pelos órgãos competentes.
Em resumo, aquele número restrito de cidadãos que o povo elege para o representar, uma vez empossado nas funções que é suposto contribuírem para o desenvolvimento e a qualidade de vida de quem o elegeu, trata de se governar, e bem, e depressa antes que alguma coisa mude, sem olhar a meios, deitando pelo cano abaixo as promessas feitas durante a campanha eleitoral. Que me desculpem as excepções, mas tão poucas são que passam despercebidas na regra geral.
Compare-se a miserabilidade dos 300 reais do salário mínimo, com a abastança dos 11 mil dos deputados, só de salário, sem os acréscimos de direito. Mesmo assim, o presidente da Câmara dos Deputados propôs alegremente um aumento de mais de 83% (de 11 mil para 23 mil reais). Não interessa que tenha sido vetado. O que conta é a filosofia que enquadrou a proposta.
Periodicamente, lá está o povo a ser chamado para tornar a eleger os representantes que, no fim das contas, ninguém mais representam para além de si próprios, e nada mais defendem para além dos seus próprios interesses.
E se o povo, farto de mentira e oportunismo, decidisse não votar? Nesse caso, os políticos ficariam sem representatividade, não poderiam invocar a vontade do povo, como tantas vezes fazem, para justificar a torpeza das suas acções. A essas acções faltaria toda e qualquer legitimidade. Cairia a máscara. Toda a gente poderia dizer sem medo "o rei vai nu".
Perante o país e perante o mundo, sim, porque, felizmente, ainda há um mundo atento a estas coisas, um acto eleitoral sem votos ou com elevado índice de abstenção lança o descrédito nas instituições e desautoriza os políticos. Porventura regime e sistema têm de ser revistos, talvez, até, substituídos ou, pelo menos, profundamente alterados.
Em tal caso, é quase certo que muitos políticos perderiam o emprego, ou, melhor dizendo, perderiam as benesses e as mordomias; não pode chamar-se emprego à forma como desempenham as funções de que foram investidos.
Eles sabem disso. E porque fazem as leis mais em seu benefício do que em benefício de quem dizem representar, para que possam criá-las e aplicá-las precisam do aval dos representados. Esse aval é dado pelo voto que lhes confere, então, a legitimidade legislativa, executiva e judicial.
Mas o político desconfia da boa-vontade do povo para participar no acto eleitoral. Primeiro, porque reconhece ao povo o mérito de se ter apercebido há muito dos interesses que se movem no lodo da baixa política praticada, e reconhece no povo o desencanto pelos resultados dessa prática. Segundo, porque sabe que a esta inércia por desmotivação se junta a inércia física tão característica deste mesmo povo.
Então, o político usa um artifício que a tal legitimidade propicia. Assegura ele próprio a sua legitimidade. Obriga a votar. Decreta o voto obrigatório com sanções pesadas para quem infringir a lei, para quem não votar.
Ele sabe que não votar é uma opção política e tem medo que essa opção seja levada por diante. Não votar sempre foi, e continuará a ser, a opção política que os políticos mais temem numa democracia.
Este medo aliado à falta de ética, à falta de escrúpulos, à falta de sentido de Estado produz atrocidades na liberdade e na consciência dos cidadãos, como seja o voto obrigatório.
Ao político não repugna fazer isto num país que ele diz ser um estado de direito. O político não se acanha de fazer isto num país que ele defende ser democrático, com uma Constituição democrática que ele ajudou a elaborar. Pelo contrário, isto é a sua tranquilidade. Assim consegue uma imbatível participação nas urnas, pese embora a taxa de abstenção apresentar, mesmo neste contexto, resultados significativos.
Em Portugal, no tempo do fascismo, o ditador Salazar utilizava truques de gabarito semelhante. Com uma diferença, porém: ele não se atrevia a dizer que o regime político do país era uma democracia.
São absurdos deste tipo que contribuem para desacreditar ainda mais a já de si, por outros motivos, desacreditada democracia. E é também por esta razão que o Brasil hoje é visto no exterior como um imenso caldeirão em que cozinham em fogo vivo temperos como a corrupção, a trapaça e o ganho pessoal com prejuízo de terceiros, públicos ou privados.
Distribuição de rendimentos pervertida e obrigatoriedade de voto são as duas faces da mesma moeda cunhada pela indigna e vergonhosa gente que, para infelicidade deste povo, tem sido o construtor do seu caminho.



1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parabenizo-o pelo excelente artigo contra voto obrigatório, e a favor do voto livre, facultativo e consciente. Publicamos em nosso site.

Mas não basta ser a favor do voto livre. Temos também, que votar em candidatos que são a favor do voto livre.

Daí a importância do MOVIMENTO VOTO LIVRE, que cataloga informações (opiniões, pesquisas, charges, etc.) sobre o tema: "VOTO LIVRE (205 países) x VOTO OBRIGATÓRIO (24 países)", conscientizando sobre os benefícios do voto livre.

Convido-o a fazer parte do MOVIMENTO VOTO LIVRE (www.movimentovotolivre.multiply.com). Solicito que divulgue nosso blog, a maior biblioteca virtual da internet, sobre o tema mais importante da Reforma Política brasileira: a volta do VOTO LIVRE.

Um abraço, Paulo Bandeira.

terça-feira, março 13, 2007 9:50:00 da tarde  

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