Nunca é demais falar da violência no Recife, com grande pesar e medo de quem aqui vive. Se outras razões não houvesse, bastaria atentar nas manchetes dos jornais e nas notícias de abertura dos noticiários das rádios e das TV’s: salvo raras excepções por motivos de peso – de que a morte do Papa foi um exemplo típico – elas alimentam-se do roubo, do assalto, do espancamento, do rapto, da violação, do homicídio.
Mas, para além destas formas ostensivas de violência que atingem sem dó nem piedade tanto os residentes na cidade como os forasteiros, nacionais ou de outros países, visitantes ou trabalhadores de passagem, um outro tipo de violência, descarado ou subtilmente encoberto, faz sentir os seus efeitos na maioria da população, seja directamente, seja por efeito colateral, abrindo caminho à eclosão das formas de violência manifesta referidas acima.
Fui encontrar a sua evocação num cartaz afixado no átrio de um edifício público: "Por um Recife sem Racismo – 1ª Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, de 15 a 18 de Abril".
A Conferência não foi um acto isolado nem uma ideia original. À semelhança do que vem acontecendo noutras cidades e noutros Estados do Brasil de há alguns anos a esta parte, ela formalizou uma resposta aos apelos do Governo Federal que instituiu o ano de 2005 como o da promoção da igualdade racial no país, país que é o maior centro de população negra do mundo, a seguir à Nigéria, e que foi o último a abolir a escravatura (oficialmente).
Ocupando o Recife o 2º lugar na concentração de negros em todo o Brasil (1º Salvador, capital da Bahia), é natural que, a par do empenho generalizado do Governo, a pressão interna, através do Movimento Negro Pernambucano, tivesse desencadeado a Conferência. A estranhar, apenas a sua realização tardia, face a outros Estados onde o índice de habitantes de origem africana sub-Sahara é muito inferior.
Da nota de divulgação do evento extrai-se este parágrafo bem significativo: "O Brasil é um país sem preconceitos. Pesquisas mostram que essa frase dita frequentemente por muitos brasileiros não passa de um bordão utilizado para camuflar a realidade. Infelizmente, a desigualdade racial está presente nos quatro cantos do País, aparecendo pregada desde cedo na vida dos brasileiros, mesmo que involuntariamente, quando as crianças ainda estão nas escolas".
Segundo o recenseamento efectuado em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 53,22% dos recifenses são negros; 45,76% brancos; 0,14% amarelos; 0,36% indígenas; 0,52% de raça ignorada.Entre a população negra que está no mercado de trabalho, o rendimento médio mensal é de R$466, e entre os brancos é de R$1.140 (o geral da cidade é R$786). Dos 400 milhões de Reais pagos como remuneração do trabalho, 68% são arrecadados pelos brancos e 30% pelos negros. Apenas 4% dos negros têm rendimentos superiores a dez salários mínimos; nos brancos essa taxa é de 11%, quase o triplo.
Entre os desempregados, 23% são negros e 19% são brancos.
Em cada 10 pobres, 6 são negros. Cerca de 22% dos brancos são considerados pobres; entre os negros o índice é superior ao dobro – 47%.
Perante este quadro no que se refere ao Recife, não podemos admirarmo-nos pela maioria negra dos meninos da rua, nem pela maioria negra noticiada na comunicação social como autora de crimes no quotidiano dos cidadãos. É preciso não esquecer que eles, os negros, são a maioria e que, além disso, são uma maioria desfavorecida.
E é preciso ter presente também que o Brasil sem preconceitos, exportado pelas telenovelas, pelos Carnavais e pela publicidade oficial ou dos agentes turísticos é mentira – em particular no Recife.