CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

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sábado, julho 16, 2005

JE T'AIME, MOI NON PLUS

Com a crise política no Brasil a rebentar em várias frentes que nem foguetório em santos populares, o presidente Luís Inácio Lula da Silva tirou três diazitos de férias e foi a banhos de cultura e civilização na bela Paris de França.
Convidado especial do presidente Jacques Chirac para a festa nacional francesa, claro que não poderia ter dito "obrigadinho, ó companheiro, mas agora tô c'oa casa toda desarrumada; fica pa outra vez; prometo que um dia destes apareço". Claro que não.
Além disso, e, cá para mim, principalmente por isso, a sedutora Paris é irrecusável.
Então lá foi, e aproveitou para fazer negócios e comprar uns
souvenirs, coisa de pouca monta, uma dúzia de aviões de combate Mirage. Para o povo ver como o seu presidente se lembra dele e se preocupa com ele, principalmente o povo da aeronáutica militar, lá deixou 60 milhões de dólares americanos aos amigos franceses, inimigos de sempre dos americanos.
Os
states ficaram de cara à banda porque estavam já a contar com uma encomenda gorda de sucata aérea. Pois em vez de aviões, ficaram a ver navios. Bem-feito para não serem aldrabões, a tentar vender gato por lebre. Julgavam que poderiam ganhar aos brasileiros... Conversa...
Interrogado ao segundo dia sobre como se sentia, Lula da Silva respondeu "a França está a tratar-nos com muita dignidade". Esta agora!... Esperava o quê? Ser corrido a cacete como cachorro vira-lata, rafeiro tinhoso?
Talvez Lula não esteja muito habituado a gentilezas, mas é bom não esquecer que a França é uma nação que pertence à Europa civilizada. Uma das mais antigas deste continente, a sua cultura foi guia e influência para boa parte do mundo durante séculos.
Depois, como anfitriões, os franceses têm mestria na arte de receber, ou não fossem eles os pais do culto do
charme.
Finalmente, bons nos negócios, os franceses sabem como fidelizar os bons clientes.
O Brasil é um bom cliente, um cliente especial. Em 2001 comprou o porta-aviões
São Paulo, velho de 40 anos que em França dava pelo nome de Foch. Agora, retomado o comércio militar, foram os aviões de caça, também em segunda mão, mas operacionais. A seguir se verá. Depende do entusiasmo suscitado pelo catálogo que, por certo, o amigo Chirac meteu na bagagem do amigo Lula.
Entretanto, do outro lado do Atlântico, não se poderá dizer que o tempo esteve muito nublado. Em boa verdade, e continuando a usar linguagem de meteorologista, a nebulosidade foi de 9/8, isto é, céu completamente escuro, fazendo do pleno dia uma plena noite.
A crise avolumou-se e adensou-se com pesadas nuvens de borrasca. Sucederam-se episódios escandalosos, mortíferos para o governo.
Começou, ou continuou a piorar, com o caso do assessor do irmão do ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), principal grupo de apoio político do governo. O ex-presidente fora apeado há pouco tempo, na sequência das investigações sobre a corrupção que grassa como peste na estatal Correios, e que já derrubou mais gente dos poleiros do que bola ao alvo em barraquinha de feira. A seguir foi o mano, também destacado dirigente do PT, quando o seu assessor, apanhado num aeroporto com 200 mil reais numa mala e 100 mil dólares escondidos na cueca, declarou à polícia que as notinhas provinham de uma venda de hortaliças que fizera no mercado local... Deixo ao leitor o saudável exercício de descobrir a relação entre dólares na cueca e vegetais. Após três versões diferentes quanto à proveniência do dinheiro, a polícia resolveu mantê-lo à sombra para ver se melhora dos delírios.
Depois foi a vez de um deputado do Partido da Frente Liberal (PFL) por denúncia anónima ser interceptado, também num aeroporto, com sete malas contendo 10 milhões e 200 mil reais em notas pequenas. O deputado, economista aposentado, bispo e presidente no Brasil da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), preparava-se para seguir com mais seis pessoas para São Paulo, a bordo do jacto particular que a IURD coloca à sua disposição. Declarou à polícia que o dinheiro era o resultado de um peditório realizado no fim de semana, algures, por ocasião do aniversário daquela Igreja. A polícia, após a contagem das notas, operação que levou mais de 10 horas com máquinas de contagem emprestadas por uma instituição bancária, não engoliu essa tamanha generosidade dos fiéis, e o dinheiro, com bastantes notas falsas à mistura, foi apreendido e entregue ao banco central para averiguações. Ademais, se houve denúncia, alguma coisa não estará completamente certinha. O mesmo pensa o PFL que, embora de forma pouco democrática, expulsou do partido o deputado, sem mesmo lhe dar o benefício de se explicar no segredo das cúpulas. Lá saberão porquê. Talvez não queiram mais lenha na fogueira, uma vez que o inquérito a decorrer sobre a corrupção nos Correios apurou que neste partido havia também deputados a receber uma mesada (conhecida como mensalão) para votar na Câmara dos Deputados a favor das propostas favoráveis ao governo. Tudo mãos limpas...
A seguir, o director-geral da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), teve a triste ideia de, em nota interna, chamar aos membros do Congresso na comissão de inquérito dos Correios, "bestas-feras em picadeiro". O problema foi que a nota de circulação restrita vazou para o exterior, e os senadores e deputados da comissão, aí sim, ficaram mesmo bestas-feras. Em linchamento verbal na praça pública, exigiram de imediato a cabeça (pedir mais, embora lhes apetecesse, seria selvageria) desse amigo pessoal e íntimo do presidente. O sururu foi tal, que, mesmo de Paris, Lula da Silva teve de o demitir. Que diabo, estes brasileiros são tão emotivos...
Entretanto, as cadeias de televisão divulgavam uma fita gravada de uma conversa telefónica entre duas funcionárias bem colocadas, na qual uma revelava à outra um esquema de pagamento para que as empresas estatais do Rio de Janeiro, pelo menos, não fossem fiscalizadas no cumprimento das suas obrigações quanto ao INSS, Instituto Nacional de Segurança Social. Sem papas na língua e entre risadas divertidas, a delatora punha na mesa o nome de um antigo ministro chefe da Casa Civil de Lula, também seu amigo do peito, recentemente demitido por causa de um escândalo envolvendo um seu assessor. Que diabo, estes brasileiros não sabem mesmo escolher os assessores... O rapaz simplesmente extorquia dinheiro a um empresário do jogo, e queria, ainda, forçá-lo a que ele o aceitasse como sócio. Sobre isto decorre outra comissão de inquérito. Dizia, então, a funcionária que o ex-ministro, enquanto em funções governamentais, sabia da tramóia toda. Não sei se deva acreditar... O problema não estará nos assessores?...
Ainda o presidente não tinha tido tempo de percorrer os Champs Elisées, quando um tal empresário abastado, espertalhão consumado e mentiroso impenitente, sobejamente conhecido dos brasileiros e já aqui referido por diversas vezes, em crónicas anteriores, farto de ser bode expiatório dos senhores do PT, agora afastados também, e não tendo ele qualquer ligação política com este partido, resolveu pôr a boca no trombone, até porque a Justiça está fazer-lhe a cama de lavado. Contra a vontade do ex-tesoureiro do PT com quem mantinha estreitas ligações financeiras de altíssimo nível, rumou ao primeiro promotor de justiça que o quis ouvir, o que não foi difícil, e contou tudo acerca das manigâncias bancárias em que fora envolvido, não ingenuamente, claro. Ficámos a saber que uns milhões largos de reais foram conseguidos pelo empresário junto de várias instituições de crédito. O dinheirito passou, então, para o PT, e não só, ao que parece, estando o benemérito credor incumbido de fazer depósitos em contas indicadas pelo ex-tesoureiro, seu amigo de longa data. Credo! Estes brasileiros têm cada amigo...
Para fim de festa, o presidente teve de ouvir em terras de França aquilo que todo o mundo desperto ouviu também, berrado aos microfones por um senador colérico, líder de um dos partidos da oposição, o PSDB, Partido Social Democrata Brasileiro. Afirmou o parlamentar, e com o devido respeito por ambas as partes o transcrevo, que ele, Lula da Silva, o presidente, "ou é idiota ou é corrupto". Disse e, não satisfeito com uma só vez, bisou. Como mulher honrada não tem ouvidos, até agora o presidente nada retorquiu. Provavelmente olhou para o lado, assobiou e foi tomar um purgante.
Festa feita, ou desfeita, Lula da Silva chorou ao assistir a um espectáculo público com a sua patrícia Elba Ramalho. Bom, perante tal cenário político eu também choraria, mesmo sem Elba Ramalho, mas não há dúvida, por outro lado, que estes brasileiros são cá uns chorões... Em 15 dias já vi 4 figuras públicas chorando na tv. E, curiosamente, pouco tempo depois todos elas estavam demitidas dos seus cargos...
Quase, quase no encerramento desta visita, Lula da Silva filosofou: "o Brasil não merece o que lhe está a acontecer".
Seria de rebentar a rir, se estivéssemos assistindo a uma ópera bufa na Comédie Française. Mas não. Trata-se de um país do tamanho da Europa, com mais de 180 milhões de habitantes, com muita fome, muito analfabetismo e muita doença. Agora, sim. É caso para chorar.
O principal responsável pelo país, o homem que desonrou as promessas feitas ao povo há 4 anos, o homem cujo partido que fundou e a que pertence lançou o descrédito sobre a já tão desacreditada classe política, comenta o estado da nação como quem palita os dentes entre dois bocejos, como quem nada tem a ver com o assunto, como um desinteressado e apático observador instalado noutro continente.
No entanto, é tristemente verdade aquilo que disse em Paris, com uma ressalva de maior rigor: não é todo o Brasil que não merece o que lhe está a acontecer; é uma grande parte do Brasil que não merece o que lhe está a acontecer. Mas se há alguns milhões de cidadãos com autoridade moral para o proclamar, o cidadão Lula da Silva não é um deles, com toda a certeza, pois já de há muito se encontra na outra margem do rio.



1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Excelente retrato do momento brasileiro. É o que se pode dizer: estar em cima do acontecimento. No lado de cá do Atlântico, em Portugal, fica-se a perceber muita coisa... Mas falta um pouco!
Pessoalmente, não acredito que se nasça com os genes de corrupto. A corrupção não vem no ADN. Ela resulta do meio, do contexto. Não será ela uma «resposta» a esse contexto?
Vejamos.
Nasci pobre e, se nada fizer, vou morrer ainda mais pobre, se é possível. À minha volta vejo meia dúzia de ricaços que exploram quanto podem o Povo. O que é que eles são, na minha perspectiva? Ladrões! Ladrões de pobre! Ora espera aí... Se tenho possibilidades de ser assessor de alguém, de alguém que vê o roubo e não lhe põe fim, então, eu não posso desperdiçar a oportunidade... Todo o mundo rico, é rico porque rouba a pobre... Então, porque hei-de ser tolo e não meter a mão no bolo? Corrupto, eu?!!! Tal como dizia o Jô Soares, aqui há anos, - Quê dê os outros?
Fiz o esboço do filme. Vamos ver o remédio.
Será que apanhar o vendedor de droga na rua acaba com o negócio? Não, não acaba! Negócio só acaba quando se prender quem compra em grande ao produtor; quando se desmantelar a produção; quando se destruírem os meios de transporte e comunicação. Ora bem, corrupção é que nem comércio de droga; tem de se começar por cima! É deitar a mão aos intocáveis, fazendo deles gente tocável. Mas isto é no Brasil, em Portugal, nos EUA, na China ou na Austrália!
Denunciar é já um passo importante, por isso, meu caro José Luiz, a sua crónica é sempre bem-vinda. Venham mais para nós lermos.

terça-feira, julho 19, 2005 5:37:00 da manhã  

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