CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

Statistiche sito,contatore visite, counter web invisibile TRANSLATE THIS PAGE

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

RECIFE E O TURISMO

Um conceituado jornal diário do Recife, o "Jornal do Comércio", em manchete de 20 deste mês, passa a mensagem de que "Pernambuco perde espaço para o turismo".
Recife, capital do Estado de Pernambuco, ponta mais oriental do continente sul-americano, penetrando no oceano Atlântico rumo à Europa, tem constituído o destino natural de grandes vagas de visitantes europeus e da América do Norte. Agora, porém, os operadores turísticos vêem-se obrigados a redireccionar o fluxo da procura, uma vez que os forasteiros parecem querer evitar aquele pólo, pese embora os seus encantos naturais. Encantos naturais, porém, é o que não falta neste país tropical, e, por si só, a beleza da terra não basta, ou começa a não bastar, para a decisão de quem investe economias em tempos de lazer noutras paragens, longe de casa.
Recentemente, um patrício, atrás de mim na fila de um supermercado do principal centro comercial da cidade – o Shopping Center Recife – queixava-se amargamente, enquanto esperava agonias para poder pagar o refrigerante de dois litros, de que no Recife nada havia para ver. Encafuado há dois dias no hotel pelo agente a quem encomendara as férias, aguardava a viagem para uma estância balnear de renome, e o seu conhecimento local limitava-se aos "passeios" entre o hotel e aquele centro comercial, viagem curta e sem graça. Desconheço a estratégia do operador responsável pela sua vinda ao Brasil, mas não é justo que o meu conterrâneo tenha regressado a Portugal com a idéia – e o recado – de que no Recife nada há para ser admirado. Sugere o mais elementar bom-senso que numa cidade com 220 km2 e quase 1.600.000 habitantes alguma coisa haverá para apreciar, mas a verdade é que quem não vê não pode dizer que viu, e era isso que acontecia com o meu desiludido compatriota.
No Recife há muito, e de qualidade, para ver, dos primórdios à época actual.
Pintura em tectos de madeira e em tela, altares de talha dourada, azulejos, ossários decorados e relicários, imagens, as curiosas virgens negras, tudo isto dentro de igrejas de vetusta fachada maneirista ou barroca. Igrejas, igrejas por toda a parte igrejas – uma marca indubitavelmente portuguesa: Capela Dourada, Capela de Santa Teresa, Santíssimo Sacramento, Basílica e Convento de N. S. do Carmo, Catedral de São Pedro dos Clérigos, Madre de Deus, N. S. da Conceição dos Militares, Capela da Jaqueira, N. S. do Rosário dos Homens Pretos, N. S. do terço, do Divino Espírito Santo, para citar apenas algumas das mais interessantes.
Ao lado da arquitectura religiosa e de alguma arquitectura militar, a arquitectura civil do tempo colonial, em grande parte restaurada, encontra-se dispersa pela cidade, onde o bairro do Recife, chamado Recife antigo, local que lhe deu origem, mantém velhas construções originais; no mesmo bairro, a arquitectura dos fins do século XIX e princípios do século XX está representada por um alargado conjunto de jóias arquitectónicas. Ali ao lado, no bairro de Santo António, merecem especial destaque e visita os edifícios do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, do Palácio da Justiça, do Governo do Estado, da Faculdade de Direito, do Arquivo Público estadual, da Secretaria da Fazenda, do Liceu de Artes e Ofícios e do Teatro Santa Isabel. Este último, um dos 14 teatros-monumento do país, inaugurado em 1850, foi arrolado ao Património Histórico e Artístico Nacional em 1949. Mantendo o traçado neo-clássico do princípio do século XIX, passou recentemente por um processo de modernização tecnológica e de conforto que o torna um dos mais notáveis teatros da cidade. Foi campo de batalhas políticas, de vária índole, e palco, literalmente, de manifestações artísticas memoráveis de expressão cénica, música e dança, em várias vertentes.
Os museus albergam um acervo não menos digno de registo e de visita: Museu do Homem do Nordeste, de antropologia nordestina, Museu de Arte Moderna, de exposições temporárias, Museu da Imagem e do Som, Museu da Abolição, Museu do Estado, com mobílias, gravuras e arte sacra, Museu Forte das Cinco Pontas, o museu da cidade, Museu Militar Forte do Brun, Museu Murillo La Greca, Museu da Universidade Federal, Museu Arqueológico e Geográfico, Museu Franciscano de Arte Sacra, Fundação Gilberto Freyre, casa onde viveu o escritor, com os seus objectos pessoais, Centro Cultural Judaico, Observatórios Astronómico, Instituto Ricardo Brennand, conhecido como “O Castelo”, Oficina de Cerâmica de Francisco Brennand, onde o artista, que estará presente com uma peça escultórica, em Junho próximo, no Parque dos Poetas, em Oeiras, Portugal, expõe as suas obras, ao ar livre, num cenário magnífico, e em antigos armazéns que foram olarias de seu pai, numa área que se estende por 15.000 m2. Complementando estes repositórios, as galerias de arte espalhadas pela cidade apresentam a expressão plástica actual dos artistas locais.
O artesanato, esse flui, principalmente, por toda a zona mais antiga da cidade, em pequenas bancas ou em grandes mercados, ao ar livre ou cobertos, como o de São José, mas, de uma forma particularmente organizada, na Casa da Cultura, um antigo presídio em forma de cruz, da segunda metade do século XIX, em que, depois de restaurado, as celas deram lugar a pequenas lojas; para além da variedade e profusão dos objectos expostos para venda, o turista pode ter a oportunidade de assistir a espectáculos, com especial incidência na raiz folclórica nordestina.
E há praias, e há parques arborizados e parques aquáticos, e há as pontes, e há passeios em catamarã no rio Capibaribe, e há o zoológico, e há exposições de animais, e há os concertos de bandas para todos os gostos no Pátio de São Pedro, um conjunto renovado de casario colonial ladeado de bares. E, ainda, para quem gosta de folia, há o inigualável Carnaval e a Recifolia, uma semana de festança de rua, um Carnaval fora da época, em Outubro.
Para além de tudo aquilo que ficou por dizer, isto basta para se ter uma idéia de que o Recife não é aquele "passeiozinho" sem graça entre o hotel e o centro comercial a que um agente turístico condenou o nosso conterrâneo. Crueldade, ignorância, segundos interesses?... Em próximas crónicas daremos outras imagens do Recife que talvez possam ajudar a responder a estas questões.



[View Guestbook] [Sign Guestbook] Votez pour ce site au Weborama Estou no Blog.com.pt
eXTReMe Tracker Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons para José Luiz Farinha.