Nem de propósito. Há dias, em crónica anterior, prometi adiantar alguns dados que pudessem contribuir para justificar a quebra de turismo no Estado de Pernambuco, conforme notícia veiculada por um dos principais órgãos de informação da capital, Recife.
Para além das crónicas que se lhe seguiram com descrições e narrações que lançam alguma luz sobre o assunto, esta hoje resulta, testemunho actualíssimo, de matéria publicada nesta data e na data de ontem em vários jornais do Brasil e de Portugal, pelo menos.
Na opinião das autoridades policiais e segundo declarações de políticos, expressas com maior veemência durante a campanha para as eleições autárquicas de Outubro passado, Recife é a capital nacional do crime, à frente de São Paulo e Rio de Janeiro.
Uma das vítimas mais recentes desta criminalidade foi um grupo de 19 portugueses, quase todos estudantes, que se dirigiam para Porto de Galinhas, uma bela e acolhedora cidadezinha balnear de magníficas águas cristalinas e piscinas naturais, a cerca de 53 km do Recife. Eram 21:30 h da passada terça-feira quando aterraram no aeroporto internacional do Recife. Cumpridas as formalidades de desembarque, os turistas recém chegados ocuparam quatro autocarros que, por razões de segurança, deviam dirigir-se em caravana para o desejado destino. De modo não completamente esclarecido, a última viatura ficou distanciada das restantes, a ponto de perder o contacto com elas. Já perto do fim da viagem, imobilizada por dois automóveis que a bloquearam na estrada e a conduziram depois para um caminho secundário, os seus passageiros foram rapidamente apeados e despojados dos seus principais haveres.
A operação decorreu breve e eficazmente para os assaltantes. No entanto, segundo o jornalista António Cancela, da SIC, uma das vítimas, eles actuaram de forma pouco organizada, revelando muito amadorismo. Amadores ou não, o que dizer, então, da polícia que, mais de 12 horas depois, ainda não tinha qualquer pista dos ladrões, numa região que conhece a palmos? Pior do que amadorismo, a imagem que o povo tem dos seus polícias é de que são incompetentes, mal equipados, corruptos e preguiçosos, o que, não em todos, mas em muitos casos, corresponde à realidade. Em fins do ano passado, um casal de médicos foi vítima de furto em Salvador da Bahia. Apresentada a queixa na Delegacia do Turista, foi-lhes dito que não tivessem esperança de reaver o que tinha sido furtado. Quanto a apoio imediato no terreno, com sorrisos e simpatias declararam nada poder fazer porque o único carro da delegacia não tinha combustível e o telefone fora cortado por falta de pagamento – desculpas demasiado absurdas para serem tomadas como verdade por quem conhece estes meandros; o miserabilismo administrativo tem os seus limites e, muitas vezes, resulta da inépcia dos responsáveis.
O núcleo comercial de Porto de Galinhas, uma união de 30 empresas, prontificou-se a reembolsar os turistas portugueses de todos os prejuízos, mesmo os respeitantes à moeda, que as seguradoras não cobrem por ser difícil provar qual o montante perdido. Tal prestabilidade, quase comovente, assenta no simples facto de Pernambuco receber 70 mil portugueses por ano, sendo Porto de Galinhas o seu principal destino.
Por seu lado, o governador de Pernambuco garante que o transporte para os hotéis passará a ser escoltado pela polícia. Como em muitas outras situações, não deverá passar de conversa, neste caso para português ouvir. Se se quisesse impedir este tipo de actos, há muito que as escoltas estariam a ser feitas, tanto mais que os autocarros, por razões de segurança, já só circulavam em caravana. Portanto, sem escolta, era previsível que, mais dia, menos dia, algo de semelhante acontecesse.
Tem alguma razão o jornalista brasileiro que, recentemente, numa rádio, afirmava que o estrangeiro ama o Brasil enquanto não vive nele. Mas podemos acrescentar que mesmo em pouco tempo é possível adquirir neste país profundas experiências traumáticas.
Dos nossos compatriotas, muitos há que desejam voltar depressa para casa. É que, conforme sublinhou Fátima Almeida, vice-cônsul de Portugal no Recife, "o cidadão europeu não está acostumado com essas abordagens". Realmente. É uma questão de mundos.