CADERNO DE VIAGENS - suplemento de "Aparas de Escrita"

Locais e ambientes, pessoas e costumes, histórias, curiosidades e acontecimentos.

Statistiche sito,contatore visite, counter web invisibile TRANSLATE THIS PAGE

sábado, fevereiro 19, 2005

MEMÓRIAS DO RECIFE

O que é hoje a capital de Pernambuco, um dos nove Estados do Nordeste Brasileiro, nordeste quente, quase sempre, húmido no litoral, seco no interior sertanejo, bolsa de pobreza deste país imenso, foi o primeiro local de arribação dos navegadores Lusos de 1500. Para tal contribuiu a sua situação privilegiada de ponta mais oriental do território, penetrando mar dentro como um isco para a fome descobridora e exploradora dessa época. Hoje, aproveitando o caminho mais curto entre a Europa e o continente sul-americano, como então, aliás, vagas de novos descobridores, desta vez pelo ar, aqui têm aportado aos milhares, muitos milhares, todos os anos, guiados pelos operadores turísticos.
Por cá se nota, ainda e muito, muito viva, a influência dos povoadores, continuada, com as justas adaptações à passagem do tempo, pelos portugueses e luso-descendentes que aqui residem: a gastronomia típica pode ser saboreada em restaurantes de tradição firmada; a arquitectura maneirista e barroca espalha-se pelas inúmeras igrejas e conventos que os avoengos construíram, enquanto que a do princípio do século XX se concentra nessa jóia da construção civil que é o Recife antigo; de permeio, habitações mais modestas mas de indiscutível traça portuguesa; o Clube Português do Recife, criado em 1934, tido como um dos mais tradicionais clubes de sociedade, oferece actividades físicas, desportivas e recreativas, sendo um dos mais dinâmicos organizadores de eventos de convívio durante a maior parte do ano; em 1855 inaugurou-se o Real Hospital Português de Beneficência, hoje o maior, mais moderno e mais bem apetrechado complexo hospitalar da região Norte-Nordeste que conglomera 15 Estados; o Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, fundado em 1850, com a sua sala de exposições, a sua sala de cinema e a sua biblioteca com um acervo de mais de 100.000 volumes, entre os quais algumas obras de valor incalculável, como as 20 páginas manuscritas de “A Cidade e as Serras”, é considerado um dos testemunhos mais importantes da presença portuguesa no Recife.
Todas estas instituições, para citar apenas algumas, administradas e dirigidas, total ou maioritariamente, por portugueses e portuguesas, reforçam laços de solidariedade (e de saudade) entre os imigrantes que vieram das terras mais próximas do outro lado do mar, no tempo de uma vida ou num passado actual, divulgam a saga e a cultura lusitanas, contam aos mais novos descendentes a história das raízes e, de portas abertas, como são, acolhem os brasileiros que, sem reservas, aí acorrem, tanto na miscigenação do lazer, como na busca de cuidados de saúde ou na pesquisa de elementos para elaboração de trabalhos escolares ou compilação de obras de maior fôlego.
Recife de Pernambuco, a Veneza brasileira, como alguém lhe chamou um dia e muitos imitam hoje, sulcada por diversos braços dos seus seis rios, expandida por uma área de 220 km2 onde 1.600.000 habitantes permanentes se acotovelam, como nas grandes metrópoles, apinham autocarros e o metro sem horas de ponta, como nas grandes metrópoles, pululam nas praias em dias de descanso, como nas grandes metrópoles litorâneas, buscam a felicidade sem conseguirem, na maioria, vislumbrar uma luz, ténue que seja, no fundo do túnel comprido de tão sofrido da existência, este Recife acolhe o maior carnaval do mundo, sem fantasias de sonho mas cheio de sonhos de fantasia, esse mesmo carnaval, simples e espontâneo, trazido de terras portuguesas para exorcizar em meia dúzia de dias os fantasmas da privação, das privações do resto do ano. E assim, pulando, cantando e rindo, ao ritmo frenético dos tambores e dos corações, percorrem praças e avenidas com nomes pomposos dos tempos do império, enquanto os novos senhores, no sossego fresco dos gabinetes da Câmara do Estado aprontam a proposta que arredondará os seus ordenados para os 21.000 Reais, fora os acréscimos das bonificações regulamentares, para assim poderem melhor se empenhar, em próxima legislatura, na luta pelos 280 Reais do salário mínimo que cobre a maioria mais do que absoluta do povo que representam.
A memória portuguesa perdura, nos livros de história, nos recortes eloquentes dos monumentos e, talvez um pouco ainda, na alma do povo, dos netos daquele povo que, há 350 anos, se uniu para expulsar o invasor e opressor flamengo e que, mais tarde, com a sua rebeldia transfigurada em revoltas sucessivas, criou as condições para o nascimento de uma nova e prometedora nação.
As promessas podem não ser cumpridas, mas a verdade é que os carnavais passam e as memórias ficam.



[View Guestbook] [Sign Guestbook] Votez pour ce site au Weborama Estou no Blog.com.pt
eXTReMe Tracker Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons para José Luiz Farinha.